Revista Exame

Empresas brasileiras vivem para pagar juros

Essa é a situação de 111 empresas brasileiras de capital aberto — que têm adotado diferentes estratégias para atravessar a crise


	 Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central: os juros altos dificultam o pagamento das dívidas
 (Adriano Machado / Reuters)

Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central: os juros altos dificultam o pagamento das dívidas (Adriano Machado / Reuters)

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Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2016 às 11h52.

São Paulo — A crise que levou à recuperação judicial da empresa de telefonia oi ajuda a lembrar que dívidas são algo que deve ser usado com certa moderação. Mas, em momentos de euforia coletiva, quem vai dar ouvidos à história? Nos anos de crescimento da economia brasileira, os bancos emprestaram como nunca a um número crescente de empresas, de todos os tamanhos.

O dinheiro entrou no caixa na época da euforia — mas a conta do empréstimo tem de ser paga agora, em plena recessão. Seria um desafio para qualquer companhia, em qualquer lugar do mundo, já que o crédito foi usado para construir fábricas que estão parcialmente ociosas ou para abrir lojas que estão vendendo bem menos do que o esperado.

Mas, no Brasil de hoje, a situação é mais complicada: este, afinal, é o país em que os juros sobem na hora da crise. O contrário, portanto, do que se vê em alguns países, que baixam os juros para estimular a economia. O resultado disso tudo é que o pagamento de juros vem sugando uma parcela considerável do lucro.

Mesmo companhias saudáveis têm de demitir, cortar custos e vender ativos — com o único propósito de pagar o custo do endividamento. A pedido de EXAME, o professor de finanças Marcos Piellusch, da Fundação Instituto de Administração, analisou o balanço de 224 empresas de capital aberto nos últimos 12 meses até março deste ano.

A conclusão é alarmante: metade delas não gerou resultado suficiente para pagar as despesas financeiras — ou seja, o lucro operacional foi inferior ao montante que teve de ser pago de juros e custos atrelados à variação de dívidas em moeda estrangeira. “As empresas brasileiras sempre foram obrigadas a ter alta rentabilidade para pagar suas despesas financeiras.

Num momento de crise, isso é obviamente complicado”, diz Piellusch. Nesse grupo de empresas, há de tudo um pouco: aquelas em situa­ção periclitante e outras que enxugam gelo esperando dias melhores. Além da Oi, estão nesse grupo a Petrobras, que tenta vender ativos para sair da penúria atual, a empresa aérea Gol e as siderúrgicas CSN e Usiminas, entre outras.

Segundo a agência de classificação de risco Standard & Poor’s, o endividamento das empresas aumentou, em média, 18% ao ano de 2010 a 2015, enquanto a geração de caixa cresceu somente 2%. “Algumas companhias pensaram mais em crescer do que em ser rentáveis”, afirma Diego Ocampo, analista da S&P.

Foi o caso da Contax, maior empresa de central de atendimento do país — e também uma das mais endividadas. Em 2011, a Contax tomou dinheiro emprestado para financiar a compra da Allus, em­presa de call center que atua na América Latina, por cerca de 300 milhões de reais. A Allus vai bem, mas a operação local da Contax está patinando. Com a crise, as empresas que usam seus serviços reduziram os contratos.

Além disso, o aumento dos juros elevou o custo da dívida, que cresceu 11% só em 2015 e chegou a 1,5 bilhão de reais. A empresa conseguiu estender os prazos de pagamento da dívida, e os acionistas controladores na época, os grupos Andrade Gutierrez e Jereissati, fizeram um aporte de capital (hoje, a Contax tem controle pulverizado na bolsa).

Para resolver a situação, seria necessário realizar uma emissão de títulos — mas não houve demanda pelos papéis — e a venda de ativos. A opção foi vender a Allus. “É uma operação lucrativa, mas precisamos reduzir a dívida”, diz Daniel Gomes, responsável pela área de relações com investidores da Contax.

Ou seja, para pagar a dívida feita para comprar uma empresa, a Contax teve de vender a própria empresa (a operação foi anunciada em junho, mas precisa ser aprovada pelos órgãos reguladores da Colômbia). A situação da rede de livrarias Saraiva é parecida.

A companhia vendeu seu lucrativo braço editorial — incluindo as editoras Siciliano (comprada em 2008) e Érica (comprada em 2013) — para amortizar uma dívida de 720 milhões de reais. A decisão de se desfazer de ativos em plena recessão é complexa. É quase impossível vender alguma coisa durante uma crise sem dar descontos.

Se o dinheiro obtido com a venda melhorar a situação financeira da empresa de forma significativa, a economia com o pagamento de juros poderá compensar.

É esse o cálculo atual de dezenas de companhias que têm o que oferecer ao mercado: vale mais a pena vender agora algum ativo com desconto e reduzir o peso dos juros ou esperar para negociar melhor lá na frente — mas tendo de pagar todos os encargos financeiros até lá? Quem tem margem de manobra procura cortar custos para fazer a dívida caber no resultado.

Foi o que fez a varejista Magazine Luiza, que contratou as consultorias Galeazzi & Associados e McKinsey para cortar despesas e implementar uma nova estratégia de vendas.

Além disso, com a renovação do contrato com a seguradora BNP Paribas Cardif no fim de 2015, a varejista recebeu 330 milhões de reais, usados para reduzir a dívida e reforçar o caixa (as ações da empresa, que chegaram a cair quase 90% em 2015, subiram 400% desde o acordo com a Cardif).

Dividir o prejuízo

Empresas saudáveis também têm mais chance nessa hora porque os bancos, em geral, aceitam negociar. Entre deixar uma boa empresa ir à falência e postergar o pagamento das dívidas ou mesmo dar algum desconto, os bancos costumam ficar com as últimas opções — desde que enxerguem que a companhia tem condições de pagar o que deve quando a situação econômica melhorar.

Dados do Banco Central mostram que as renegociações de dívidas corporativas aumentaram 60% entre 2014 e 2015, para 105 bilhões de reais.

A CSN, a Gol e as incorporadoras PDG e Rossi concluíram recentemente suas renegociações — a CSN conseguiu adiar por dois anos o pagamento de um empréstimo de quase 5 bilhões de reais, feito com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, que deveria ocorrer neste e no próximo ano. Há centenas de outras empresas tentando fechar acordo.

“Os credores entendem que é preciso flexibilizar, mas as empresas têm de oferecer algo em troca e dar garantias”, diz Marcelo Gomes, diretor na América Latina da Alvarez & Marsal, consultoria de gestão especializada em reestruturação de dívidas. Em alguns casos, a única saída é aceitar dividir as perdas.

Além da Con­tax, a Brookfield Incorporações recebeu aportes de sua controladora, a gestora canadense Brookfield, os quais totalizaram 3 bilhões de reais ao longo dos dois últimos anos. Isso reduziu seu endividamento à metade, mas a previsão da própria empresa é que a operação brasileira, que fechou 2014 e 2015 no vermelho, volte a dar lucro apenas em 2018.

Fenômeno mundial

O aumento do endividamento é um fenômeno mundial. Um estudo da McKinsey mostra que as dívidas de empresas, famílias, bancos e governos, somadas, cresceram 40% de 2007 a 2014 — um período em que, em tese, deveriam estar diminuindo em razão do trauma provocado pela crise de 2008.

Segundo um levantamento global da Standard & Poor’s, o índice que mede a relação entre a dívida das empresas e sua geração de caixa está no pior nível desde 2003.

Até agora apenas as companhias que chegaram a um endividamento insustentável estão fazendo algo para reduzi-lo: é o caso da produtora de commodities Glen­core, que deve 26 bilhões de dólares, três vezes sua geração de caixa — uma relação que pode piorar se os preços das commodities voltarem a cair.

A explicação para o aumento das dívidas, no caso dos países desenvolvidos, são os juros baixíssimos — em alguns casos, negativos —, que incentivam a tomada de empréstimos. Mesmo nos mer­cados emergentes, os juros são muito mais baixos do que no Brasil. Aqui, além de o crédito custar caro, a re­cessão tem um efeito perverso sobre o endividamento.

Um real de dívida continua sendo 1 real de dívida, com ou sem crise, mas a receita das em­presas diminui, assim como o valor dos ativos que podem ser usados para pagar empréstimos. “A pressa em vender ativos contribui para reduzir seus preços”, dizem os professores Scott Wallace e Randy Cray, da Universi­dade de Wisconsin, num estudo sobre dívida e recuperação econômica.

“Em alguns casos, quanto mais os devedores se esforçam para pagar o que devem, mais eles acabam devendo.” A volta do crescimento econômico e a esperada queda dos juros devem melhorar a situação das empresas brasileiras. Contando com isso, muitas estão rolando suas dívidas, emitindo títulos e fazendo empréstimos com vencimento para daqui a três ou quatro anos.

“As empresas que estão atuando para reduzir dívidas e melhorar sua operação ganham credibilidade e conseguem até trocar dívidas caras por outras mais baratas”, afirma Laurence Mello, gestor de crédito da gestora AZ Quest. Foi o que fez o frigorífico Marfrig. Para sair de uma situação financeira complicadíssima, a companhia cortou custos e vendeu subsidiá­rias desde 2013, incluindo a Seara.

Com isso, diminuiu o endividamento. Neste ano, emitiu um título de dívida oferecendo um rendimento aos investidores 5% menor do que o que era pago em 2011. Se o cenário piorar, porém, é provável que haja uma nova onda de quebradeira de empresas.

No primeiro semestre deste ano, 1 098 companhias brasileiras pediram falência. O número de recuperações judiciais é recorde. “Vivemos na Disneylândia dos reestruturadores de empresas”, diz um banqueiro. “Uma hora isso vai acabar.” É torcer para que acabe bem.

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