Manifestação de grevistas em Brasília: número de paralisações do funcionalismo público dobrou desde 2004
Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2012 às 22h25.
São Paulo - Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, no dia 30 de junho, seis medidas provisórias autorizando aumento salarial para 1,7 milhão de funcionários públicos - ao custo de 16,5 bilhões de reais em dois anos -, foi dada a senha para o encerramento de uma onda de greves de servidores que paralisou parte da máquina pública no primeiro semestre do ano.
Com a maioria de suas reivindicações atendida, as nove categorias que estavam paradas no fim do mês voltaram às atividades. Alguns, como os funcionários do Ministério da Agricultura e da Fundação Nacional do Índio (Funai), estavam sem trabalhar havia mais de três meses.
Já os da Polícia Federal e da Secretaria do Tesouro Nacional tinham cruzado os braços nos últimos dias de junho, véspera do prazo final para o governo autorizar aumentos salariais em ano eleitoral.
O que existe de comum nesses movimentos de servidores de áreas tão distintas é a confortável certeza de que não haverá punições aos grevistas, como corte e reposição compulsória dos dias parados - medidas comuns no setor privado.
"É razoável esperar que haja um risco e a responsabilização do trabalhador que decide parar quando tem uma reivindicação. Fazer greve remunerada é muito fácil", diz a professora Regina Pacheco, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, ex-presidente da Escola Nacional de Administração Pública.
Essa situação esdrúxula faz com que, no Brasil, já exista uma certeza tão logo é deflagrada uma greve no setor público: os únicos prejudicados serão o contribuinte e o usuário do serviço.
É o caso das empresas instaladas na Zona Franca de Manaus, que durante dois meses acumularam uma perda de faturamento estimada em 2 bilhões de dólares com a paralisação dos fiscais da Receita Federal, encerrada em 6 de julho.
"A greve da Receita é uma demonstração inequívoca de que o Estado brasileiro precisa de uma revisão urgente. Caso contrário, estaremos sempre à mercê do humor deste ou daquele movimento grevista", diz Maurício Loureiro, diretor da Technos da Amazônia e presidente do Centro da Indústria do Amazonas. Os bilhões de prejuízo registrados pelas empresas da região, alerta Loureiro, acabarão sendo pagos pelo consumidor final.
O grevismo é um problema antigo do setor público brasileiro, mas que foi agravado no atual governo. Desde que o PT assumiu o poder, nunca se fez tanta greve na administração pública, e a razão é óbvia: a origem sindical do governo.
Dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que, nos primeiros dois anos do governo Lula, 61% das greves foram feitas por funcionários públicos, de empresas estatais e de economia mista - ante 33% nos dois primeiros anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso.
No ano passado, 54% das greves existentes foram de funcionários públicos. "No governo anterior havia menos greves porque ele não negociava. Nosso governo, ao abrir as portas para conversar com o servidor, atraiu mais negociações e mais greves", diz Oswaldo Bargas, assessor do ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
O que está por trás desse problema é a falta de vontade política dos governantes em comprar uma briga com os cerca de 7 milhões de funcionários públicos espalhados pelas máquinas federal, estadual e municipal.
"O presidente da República ignora uma das responsabilidades mais relevantes de seu cargo, que é fazer aprovar a lei que regulamenta o direito de greve dos funcionários públicos, prevista na Constituição", diz o advogado Almir Pazzianotto, ex-ministro do Trabalho.
Acossado pela onda de paralisações, o próprio Executivo começa a dar os primeiros passos para tentar desatar o nó. Sem muito alarde, para não desagradar o funcionalismo público às vésperas das eleições, e com quase quatro anos de atraso, começaram a circular no fim de junho nos gabinetes do Ministério do Trabalho as minutas de dois projetos de lei sobre o tema.
Um regulamentaria a negociação coletiva entre poder público e servidores, e acabaria com outro absurdo nessa área: por falta de lei, nenhum governo é obrigado a negociar com seus funcionários, o que estimula as greves e retarda seu fim. "Como não há uma regra clara, existem governantes que negociam com servidores e outros não", diz Bargas.
A negociação coletiva também poderia servir para estipular metas de qualidade e desempenho do funcionalismo, algo que nunca existiu no país. O segundo projeto é o que finalmente, após 18 anos da Carta, regulamentaria o direito de greve.
O texto prevê o corte dos dias parados, a proibição de funcionários aposentados participarem das reuniões que aprovam as greves e a definição de como serão tratadas as atividades consideradas essenciais: aquelas que envolvem risco à segurança, ao patrimônio e a serviços dos contribuintes. "Greve tem que ter risco e pressupor a perda de salário. Ela não pode ser vista como uma espécie de licença remunerada", afirma Bargas.
O projeto brasileiro é inspirado na legislação trabalhista espanhola e italiana, em que a greve é permitida, mas existem limitações de acordo com os serviços prestados -- uma forma de evitar que a população saia prejudicada. Embora represente um avanço em relação à baderna reinante atualmente no país, melhor seria copiar o exemplo da lei americana, que é muito mais rigorosa.
Lá, a greve de servidores públicos é terminantemente proibida e sujeita o funcionário a demissão. Antes de iniciar uma carreira no setor público, o trabalhador dos Estados Unidos já sabe de antemão que a regra é essa. Em contrapartida, a lei americana tem dispositivos que obrigam o governo a negociar rapidamente com os servidores quando eles têm alguma reivindicação.
Na Alemanha também é proibida a greve de servidores federais, mas a Justiça permite que os funcionários administrativos, ou seja, aqueles que não prestam serviços essenciais, parem.
Será ótimo se o Brasil conseguir imitar algumas dessas regras -- mas é melhor ninguém esperar mudanças para já. Em ano eleitoral, é de esperar que o projeto brasileiro só seja enviado ao Congresso depois de fechadas as urnas, em outubro. Portanto, sua eventual aprovação não deve ocorrer antes de 2007.
Até lá, as greves no setor público continuarão assombrando o país. Na primeira semana de julho, os funcionários da Previdência Social já ameaçavam parar em agosto, caso não seja aprovado um novo plano de carreira para a categoria -- a um custo estimado para o contribuinte de singelos 2,5 bilhões de reais por ano.