Revista Exame

E a MPX era a melhor empresa de Eike Batista...

A geradora de energia MPX era tida como a empresa “redonda” de Eike — até a alemã E.ON comprá-la, em 2013, e encontrar uma sucessão de problemas. Para salvá-la, os acionistas vão ter de coçar o bolso de novo

Usina da Eneva, ex-MPX: multas com obras atrasadas e interrupções constantes para manutenção   (Divulgação)

Usina da Eneva, ex-MPX: multas com obras atrasadas e interrupções constantes para manutenção (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2014 às 13h42.

São Paulo - Se havia alguma empresa do ex-império de Eike Batista vista como candidata a dar certo, era a geradora de energia MPX. Em meio a petroleiras sem petróleo, mineradoras sem minério e outros sacos vazios criados por Eike, a MPX se destacava como a empresa “redondinha”.

Criada logo após o racionamento de 2001, a MPX se tornou a maior geradora de energia térmica de capital privado do país. Tinha fornecimento barato de insumos: era sócia, por exemplo, de outra empresa de Eike numa bacia de gás no Maranhão. Quando a casa de Eike caiu, a MPX foi vendida à gigante alemã de energia E.ON, que já era acionista minoritária.

No processo, os alemães pagaram 2,6 bilhões de reais por 38% das ações. No ano passado, a E.ON tirou Eike do conselho de administração, mudou o nome da empresa, que passou a se chamar Eneva, e assumiu de vez o comando. Foi aí que a empresa redonda virou uma bola quadrada.

Por uma série de motivos, a Eneva se tornou financeiramente inviável. As dívidas cresceram 10% no ano passado, o prejuízo dobrou, as usinas estão atrasadas — e as fornecedoras de matéria-prima estão afundando. Em janeiro, a E.ON contratou o executivo Fábio Bicudo, até então um dos chefes do banco de investimento Goldman Sachs no Brasil, para tentar resolver o problema.

Começou ali uma corrida contra o tempo  para evitar que a Eneva acabe como outras duas empresas fundadas por Eike (a petroleira OGX e o estaleiro OSX) acabaram: pedindo recuperação judicial.

Trata-se de uma corrida em duas etapas. Primeiro, Bicudo tem de garantir que a empresa sobreviva dia após dia. Ou seja, acalmar os credores. A sede da empresa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, vive um entra e sai de banqueiros e credores. Um dos interlocutores mais frequentes de Bicudo é André Esteves, presidente do banco BTG Pactual.

O BTG é acionista da Eneva e um de seus maiores credores, com 500 milhões de reais a receber neste ano. Só fica atrás do banco Itaú BBA, que, em 2014, tem 700 milhões de reais a receber. A dívida da Eneva chegou a 6 bilhões de reais e, assim, está ficando cada vez mais caro tomar dinheiro — entre 2012 e 2013, os juros cobrados pelos bancos passaram de 9,2% para 13,3% ao ano.

A empresa começou 2014 com 1,4 bilhão de reais em dívidas a pagar e uma necessidade mínima de investimento de 960 milhões de reais. Como a Eneva não gera caixa, a conta não fecha sem um fato novo. A empresa não deu entrevista.

A sobrevivência da Eneva depende da resolução de uma equação complexa. O resgate de empresas na situação da Eneva passa por novos aportes de dinheiro. E isso pode ser obtido basicamente de duas maneiras — da venda de pedaços da companhia ou de um aumento de capital por parte dos atuais acionistas. 

No caso da Eneva, as duas saídas são dificultadas. A venda, por exemplo, de usinas térmicas depende de achar outros interessados em unidades que ainda estão longe do desempenho ideal.

As seis usinas da Eneva ainda precisam de investimentos e sofrem com interrupções frequentes — no último ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor, multou a empresa três vezes por “inconstância na geração”. A capitalização também não é tarefa das mais simples.

A E.ON, apesar do bolso fundo, já colocou dinheiro demais na Eneva — e, caso se torne acionista majoritária, terá de assumir as dívidas e o prejuízo da empresa em seu balanço na Alemanha. “Tivemos de arcar com um fardo maior do que o previsto na estabilização financeira da Eneva”, disse Johaness Teyssen, presidente da E.ON, aos acionistas, na apresentação de resultados no fim de abril. 


Segundo EXAME apurou, no início de maio Bicudo estava nos estágios finais da negociação de um plano para resgatar a Eneva. Pelo que vem sendo negociado, a E.ON participará de um novo aumento de capital, que contará com a participação de outros acionistas. O aporte pode chegar a 1 bilhão de dólares.

Eike, que ainda tem 23,9% da Eneva, não colocará dinheiro e, assim, será diluído. Ao mesmo tempo, a companhia decidiu colocar à venda Pecém II e Itaqui, usinas em que a ­Eneva não tem sócio — e a E.ON garante um preço mínimo de compra, próximo ao valor investido (nas duas usinas, foram 2,8 bilhões de reais).

Para os alemães, essa seria uma forma de aliviar a situação financeira da Eneva sem contaminar seu balanço na Alemanha. Até o fechamento desta edição, no dia 5 de maio, o plano ainda não havia sido anunciado, mas o desfecho parecia iminente. Caso a capitalização saia do papel, os credores se mostram dispostos a alongar a dívida da Eneva.

Briga com o regulador

Mesmo que o nó financeiro seja desatado, ainda faltará muito para dizer que os problemas da Eneva acabaram. A empresa herdou do grupo X a falta de controle sobre os cronogramas de construção e operação das usinas — em parte, segundo funcionários, por inexpe­riên­cia dos executivos no setor de energia.

A empreiteira contratada para as obras, Mabe, também não tinha experiência específica na área e acabou sendo comprada pela MPX para tentar acelerar as usinas. “Não havia preocupação com controles porque não faltava dinheiro. Quando faltou, as falhas ficaram explícitas”, diz um ex-diretor da MPX.

O resultado são usinas atrasadas e interrupções na operação para manutenção. A Aneel multou a Eneva em 2013 por interrupções no fornecimento de Pecém I e Itaqui — a companhia não revelou o valor das multas e, em janeiro, abriu ­duas ações judiciais contra a punição.

Em um único caso, o prejuízo pode ser bilionário. A usina Parnaíba II, no Maranhão, deveria estar produzindo desde 1o de março. Quando uma geradora promete entregar e não consegue produzir, é obrigada a comprar essa energia no mercado livre.

O problema, para a Eneva, é que os preços dispararam — a escassez de chuva afetou o nível dos reservatórios das hidrelétricas, o que aumentou a demanda das termelétricas e fez com que os preços subissem. A MPX vendeu energia há dois anos a 101 reais por megawatt-hora, e o custo no mercado livre chegou a 822 reais. 

A Eneva, por enquanto, não entregou um único megawatt aos clientes de Parnaíba II. Contratou o escritório Baggio e Costa e Filho Advogados, especializado em infraestrutura, e alega que a culpada pelo atraso de 526 dias no cronograma das obras da usina é a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

A Câmara coordena os leilões e os contratos do setor, e não teria validado em seu sistema todas as assinaturas necessárias. À Aneel, a Câmara reconhece um atraso de 307 dias e culpa outra companhia, a distribuidora de energia Energisa. Em 2011, a Energisa foi uma das compradoras de energia de Parnaíba II, mas demorou para assinar o contrato.

A Eneva argumenta que assim ficou difícil conseguir 900 milhões de reais em financiamento. Até o fechamento desta edição, a Aneel não tinha dado seu veredito. Se for obrigada pela Aneel a entregar a energia prometida, a empresa terá de gastar, conforme estimativa do mercado, 5,5 milhões de reais por dia para comprar energia no mercado e repassar a seus clientes.

Ou seja, no pior cenário (de 526 dias de atraso), a conta chega a quase 3 bilhões de reais. Bicudo tem dito aos credores que, caso perca a disputa, acionará um seguro de 100 milhões de dólares, exigência da Aneel para esse tipo de contrato.

O prejuízo, portanto, se limitaria a isso. A Eneva diz que a usina começará a operar no segundo semestre. Quem sabe, aí, a empresa realmente comece a dar certo.

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