Revista Exame

Hamburguerias artesanais vão do nicho para as massas

Moda nas cidades brasileiras, as hamburguerias artesanais começam a se estruturar para virar redes nacionais. Dá para crescer sem deixar de ser descolado?

Thiago Koch, da Bullguer: 400.000 pães e 40 toneladas de carne por mês (Germano Lüders/Exame)

Thiago Koch, da Bullguer: 400.000 pães e 40 toneladas de carne por mês (Germano Lüders/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2019 às 05h38.

Última atualização em 19 de agosto de 2019 às 16h14.

Sempre que tinha uma folga no trabalho, o administrador alagoano Mauricio Coutinho, de 35 anos, dava um pulo até a Praia de Ponta Verde, uma das mais famosas de Maceió. Ele não era tão fã do mar. O que ele queria mesmo era comer um hambúrguer preparado pelo chef Deco Sadivursky, dono de um food truck na orla.

De tanto frequentar o lugar, ele e o chef tornaram-se sócios e abriram a lanchonete Black Beef em 2015. Coutinho é um entre muitos. O Brasil vive uma febre de hamburguerias artesanais. A imensa maioria nasce para atender os clientes do bairro, sem grande pretensão de expansão. Mas Coutinho também é um entre poucos. A Black Beef já tem 26 lojas, em cidades como Brasília, Belo Horizonte, Maceió e São Paulo, e uma expectativa de faturamento de mais de 50 milhões de reais neste ano.

Há um punhado de hamburguerias que passaram de uma única unidade para uma rede estruturada, com ambições que ultrapassam o bairro e a cidade de origem. Além da Black Beef, outras novatas ambiciosas são a Bullguer, fundada há quatro anos em São Paulo, e a Cabana, criada no final de 2016, também na capital paulista. Elas ainda são pequenas se comparadas a gigantes como o McDonald’s, que fatura 320 milhões de dólares por ano no Brasil, com mais de 2 000 unidades. Juntas, as três redes faturaram 130 milhões de reais em 2018, com 40 restaurantes. Elas esperam fechar este ano com um crescimento de pelo menos 40%, e pretendem manter o ritmo.

A ambição vem chamando a atenção de investidores. A Cabana recebeu investimento recente do fundo TMG; a Bullguer negocia um aporte com a empresa de refeições coletivas Sapore; a Black Beef tem como sócio o ator Caio Castro, que tem 17 milhões de seguidores nas mídias sociais. (atualização: A Bullguer procurou EXAME para negar que esteja negociando. EXAME mantém a informação). Hoje, o mercado de restaurantes especializados em lanches fatura mais de 20 bilhões de reais por ano no Brasil, e cresce 7% ao ano. “Há nichos que podem ser mais bem explorados, como o de sanduíches gostosos a preços razoáveis e com lojas bem arrumadas”, diz Enzo Donna, fundador da consultoria de gastronomia ECD.

Para passar do nicho para as massas, as hamburguerias que montam as próprias redes seguem uma receita parecida: uma decoração descolada (com um ou outro detalhe autoral por loja) e um cardápio com sanduíches por preços camaradas (cerca de 20 reais) e cervejas artesanais. Em geral, há um mix de lojas de rua, onde o aluguel é mais em conta, com lojas em shoppings.

Além disso, essas empresas bolaram estratégias para manter os custos baixos e oferecer um atendimento rápido. A Black Bleef compra carne fresca e monta o hambúrguer na própria loja, diminuindo o custo em até 20%. A equipe de funcionários também costuma ser enxuta: de 12 a 18 por loja, enquanto no mercado são mais de 20 empregados, em média. Outra característica é que, em geral, não há garçons. O pedido é feito no caixa e o consumidor é chamado para pegar o sanduíche no balcão, num modelo parecido com o de redes como a Starbucks, de café.

 

 

 

Na Bullguer, boa parte dos executivos veio de grandes empresas. A diretora-geral, Regina Baleli, havia atuado como executiva na IMC, dona dos restaurantes Viena e Frango Assado, e na britânica GR, de restaurantes corporativos. Outros diretores e gerentes passaram por redes de fast-food, como Taco Bell, americana, e Giraffas, nascida em Brasília. “Precisamos de gente acostumada a escala e a processos”, diz Thiago Koch, de 35 anos, um dos fundadores da Bullguer. Na Black Beef, o diretor de expansão, Erisvaldo Oliveira, era gerente comercial da Raízen, do ramo de energia. A empresa está instalando software de gestão da SAP, empresa alemã acostumada a atender clientes grandes, e contratou uma agência de recrutamento para encontrar um novo presidente.

Até onde crescer?

Comprar de fornecedores conhecidos ou exclusivos para garantir a padronização dos principais ingredientes é outro aspecto importante da estratégia. A rede Bullguer já tem números grandiosos. Mais de 400 000 pães são comprados por mês, além de 40 toneladas de carne e 12 toneladas de queijo.

Com isso, Koch consegue descontos de cerca de 30%. Na Cabana, do empreendedor Paulo Assarito, dono também da incorporadora Mint, e de outros dois sócios, as carnes são moldadas em discos de 100 gramas na cozinha central, de onde são encaminhadas às lojas. O principal fornecedor de carne é a VPJ Alimentos, fundada há 30 anos, conhecida pelos cortes da raça angus, considerada uma das mais nobres para hambúrgueres. Os molhos são feitos internamente.

A Black Beef optou por uma estratégia parecida, com fornecedores com capacidade de atender lojas em todo o país. O histórico de expansão também é similar. Os investimentos iniciais foram feitos com recursos próprios. Conforme o negócio foi se estruturando, alguns dos empreendedores lançaram franquias, como ocorreu com a Bullguer e a Black Beef, para impulsionar a abertura de novas lojas.

Nesse modelo, o franqueado toca a operação e entra com um investimento — na casa dos 500 000 reais. É uma maneira encontrada para crescer com menos custos e mais velocidade. A inspiração não vem do McDonald’s, mas de outra rede de hambúrgueres americana. Os três empreendedores contam que se inspiraram na rede Shake Shack, reverenciada como um exemplo no mercado de fast-food mais arrumadinho. O negócio começou com um food truck em frente ao ginásio Madison Square Garden, em Nova York, em 2001, e cresceu a ponto de hoje ter mais de 240 lojas, nos Estados Unidos e em outros 11 países, com um faturamento anual de quase 600 milhões de dólares.

Um dos segredos da marca é cobrar pouco — o cheesebúrguer custa menos de 7 dólares — e manter ambientes descolados, que servem até vinho. Como o volume de compras é grande, dá para negociar com fornecedores e competir com as redes de lanchonetes tradicionais. Outros pontos a favor são o cardápio enxuto, que facilita o trabalho dos cozinheiros, e os hambúrgueres pequenos, com cerca de 100 gramas, e bem crocantes, outra moda entre as novas redes brasileiras.

Coutinho, da Black Beef, e Koch, da Bullguer, estiveram nos Estados Unidos na mesma época, em 2014 e 2015 — Coutinho foi fazer MBA em administração na Universidade Harvard e Koch viajou a passeio —, conheceram o Shake Shack e resolveram trazer o modelo para o Brasil. “Há espaço no Brasil para hamburguerias que ofereçam um meio-termo entre opções refinadas e caras e o fast-food tradicional”, diz Ana Paula Gilsogamo, especialista em comida e bebida da consultoria britânica Mintel, que realiza estudos mundiais sobre alimentação e hábitos de consumo.

Loja da rede americana Shake Shack: cheesebúrguer de 7 dólares, cerveja e vinho | Richard B. Levine/Photoshot/AGB Photo

É possível manter o ar descolado mesmo com centenas de unidades? Cabana, Bullguer e Black Beef estão neste momento de reflexão: até onde dá para ir sem perder a essência que gerou o crescimento recente. A Cabana deverá dobrar o número de lojas até 2020, com pelo menos mais oito endereços em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A Bullguer planeja fechar o ano com 25 unidades, o dobro do fim de 2018, chegando a cidades menores, como Santos, no litoral paulista. A Black Beef, com 20 lojas no fim do ano passado, quer ter 38 até dezembro. Não há muitas referências brasileiras de limite para a expansão. A fórmula dessas hamburguerias relativamente baratas segue um modelo diferente de redes como o Madero, que cresceram com uma estratégia baseada em lojas bem decoradas, com garçons e uma clientela disposta a pagar mais de 50 reais por um sanduíche com um refrigerante.

As novatas querem pegar clientes que topem comer sem garçom e sem luxos, mas que aceitem pagar um pouco a mais do que no fast-food tradicional. Segundo consultores, o que vai fazer a diferença será a capacidade de ganhar escala e continuar inovando nos cardápios, no atendimento e na decoração, com lojas próprias ou franquias. Será a chave para as redes competirem entre si ou superarem novatos ou redes tradicionais que investem cada vez mais em sanduíches com carnes, pães e molhos especiais. Para o consumidor, quanto mais opções de qualidade por preços convidativos, melhor. 

Acompanhe tudo sobre:BrasilFast foodHambúrgueres

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon