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Antes de integrar Reserva, Arezzo quer a Hering

Apesar da negativa da marca de moda do sul, a Arezzo segue firme em seu propósito: expandir a área de atuação em calçados e virar líder no setor de vestuário no Brasil, com presença internacional 

Alexandre Birman, CEO da Arezzo. (Germano Lüders/Exame)

Alexandre Birman, CEO da Arezzo. (Germano Lüders/Exame)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 14 de abril de 2021 às 19h38.

O setor de moda anda mesmo agitado. Na noite desta quarta-feira, 14,a Hering decidiu negar a proposta feita pela Arezzo de combinar os negócios das marcas. A decisão foi anunciada em fato relevante divulgado ao mercado. De acordo com a Hering, a proposta, que foi recebida no dia 7 de abril, não atenderia aos interesses dos acionistas e da companhia.

A notícia chega no momento em que a Arezzo ainda sequer conseguiu efeturar aintegração de fato da Reserva, marca de moda do Rio de Janeiro, a grande movimentação do setor no fim do ano passado.

Em setembro de 2020, Alexandre Birman e sua mulher, Gabriela, decidiram se refugiar nas Ilhas Maldivas após uma perda irreparável: o filho do casal havia morrido de síndrome da morte súbita infantil, no dia seguinte ao nascimento. “Com humildade, acreditamos que há situações nesta vida em que não temos nenhum controle. O céu recebe hoje nosso anjinho, que viverá para sempre em nossos corações”, escreveu o empresário, de religião espírita, em sua conta no Instagram. Nesse período, Birman suspendeu todos os compromissos profissionais. “A exceção foi a negociação envolvendo a compra da Reserva, só porque estava na reta final”, contou o presidente da Arezzo&Co durante um almoço na sede do grupo, em São Paulo.

Com a aquisição da Reserva, concluída no mês seguinte e avaliada em 715 milhões de reais, a ­Arezzo cresceu de sete para 13 marcas. Foi também o início de uma nova fase para a empresa líder em calçados e bolsas no Brasil e a primeira de uma série de novidades.

Nos dois meses seguintes, a ­Arezzo lançou o mar­ket­place ZZ Mall, fechou a aquisição do brechó online Troc com a criação de um fundo de venture capital e lançou a nova marca de sandálias Brizza. Ainda que as inovações chamem a atenção pela rapidez com que foram anunciadas, fazem parte de uma estratégia da brasileira que começou a ser desenhada na última década.

Em fevereiro deste ano, o grupo completou dez anos desde a abertura de capital na bolsa de valores. De lá para cá, o valor da ação se multiplicou por quatro e o valor de mercado chegou a 7,03 bilhões de reais. A empresa partiu de uma receita de 713 milhões de reais em 2010 para 2 bilhões de reais em 2020, praticamente igual à de 2019, segundo balanço divulgado no início de março, o primeiro desde a compra da Reserva.

Somente no quarto trimestre foram 802 milhões de reais, cerca de 40% mais do que no mesmo período do ano anterior. A Arezzo conquistou 30% do mercado de calçados, bolsas e tênis casuais de moda, com foco principalmente nas classes A/B. Dos 41 trimestres desde a abertura de capital, a empresa cresceu em receita em 38.

A Arezzo surgiu há 49 anos como uma pequena confecção de calçados masculinos na garagem de Anderson Birman e Jefferson Birman, pai e tio do atual presidente do grupo, em Belo Horizonte. Nos anos seguintes, a empresa passou a focar o público feminino e intensificou a produção própria. Verticalizou praticamente todos os processos, incluindo os solados e acabamentos de couro.

A companhia chegou a ter 2.500 funcionários nas linhas de fábrica em Belo Horizonte. Para fortalecer a imagem de sua marca, passou a abrir lojas próprias e franquias. A primeira foi inaugurada na Rua Oscar Freire, conhecida por lojas de grife e espaços-conceito, em 1991.

Ao longo dos dois anos seguintes, a empresa encerrou as operações de fábrica e terceirizou a produção, mantendo o desenvolvimento dos produtos dentro de casa. Também foi nessa época que Alexandre Birman, com apenas 19 anos, criou sua própria marca, a Schutz, fora do guarda-chuva do grupo Arezzo.

Em 2007, o grupo passou por outra mudança de peso. Depois da fusão de Schutz e Arezzo, a companhia vendeu uma participação de 25% para o fundo de investimentos Tarpon. O objetivo era preparar a empresa para abrir o capital na bolsa. Para isso, passou alguns meses fortalecendo a estrutura de governança e de processos internos. Atualmente, Anderson e Alexandre Birman se mantêm como acionistas controladores, com 45,84% das ações. Não há nenhum outro acionista com 5% ou mais de capital.

Fábrica em Campo Bom, no Rio Grande do Sul: processos de produção verticalizados (Ricardo Jaeger/Exame)

Apesar desse crescimento, a Arezzo acredita que sua jornada esteja apenas começando. Até o fim do ano passado, uma placa de prata na entrada da sede estampava a visão da empresa: “Ser líder no Brasil em calçados e bolsas de moda, com presença internacional, satisfazendo nossas consumidoras com as marcas mais desejadas, gerando valor perene para nossos públicos”. Esse objetivo já ficou para trás.

Hoje, a visão da empresa é ser líder em moda no Brasil, com presença internacional. “Achamos que o crescimento é a base para a solidez. Empresa que não cresce morre”, diz Alexandre Birman, em entrevista à EXAME.

(Arte/Exame)

O primeiro teste para essa nova jornada foi realizado no final de 2019, quando a empresa incorporou a operação da americana Vans no Brasil, dando os primeiros passos no mercado de vestuário. Já com a compra da Reserva, a Arezzo entrou em um mercado muito mais abrangente. O setor de moda é cerca de 3,5 vezes maior que o de calçados. “A Arezzo já tinha uma participação muito grande no mercado de calçados, não conseguiria dar grandes saltos de crescimento. A compra da Reserva é uma forma de aumentar o mercado endereçável”, diz Helena Villares, analista do Itaú BBA.

A Reserva contava com 78 lojas próprias e 32 franquias no momento da compra, além de estar presente em 1.500 multimarcas e ter faturado 400 milhões de reais em 2019. O grupo, de 296 lojas em 2010, passou a ter 901 lojas em 2020.

Anderson Birman, criador da Arezzo: de uma lojinha de calçados em Belo Horizonte a um dos maiores grupos de moda do país (Germano Lüders/Exame)

A aquisição é um caminho natural para sair na frente da concorrência, diversificar e trazer inovação para o negócio de maneira ágil, dizem especialistas. Para Edmundo Lima, diretor executivo da ABVTex, a consolidação do mercado têxtil pode trazer maturidade e formalização.

“Grandes varejistas, com o movimento de abertura de capital ou com a entrada de fundos de investimento, têm uma exigência maior de governança”, diz Lima. Além da oportunidade de crescimento, a Arezzo ganha em comunicação. De uma pequena grife na zona sul carioca, a Reserva se tornou uma marca de desejo, irreverente como seu fundador, Rony Meisler.

Em 2015, a marca fez uma brincadeira com seu nome e patrocinou os bancos de reserva do estádio do Maracanã. Dois anos antes, fez do limão uma limonada ao transformar imagens de um assalto real em uma de suas lojas em uma campanha publicitária chamada Limonada Reserva, que dizia que as pessoas faziam loucuras pela marca.

No processo da compra, uma dúvida no mercado é se a identidade do grupo ficará intacta. “Esse negócio foi amarrado numa governança que nos permite liberdade criativa”, afirma Meisler. “Nossas empresas também são complementares. A Arezzo opera principalmente em sell-in, com vendas em franquias e multimarcas. A Reserva trabalha em sell-out, com lojas próprias.”

Em novembro passado, três semanas depois de anunciada a aquisição, Alexandre Birman organizou um almoço de comemoração na churrascaria Rodeio, no Shopping Iguatemi de São Paulo. Estavam presentes amigos próximos, como Cristiano Guimarães, diretor executivo do Itaú BBA, amigo tanto de Birman quanto de Meisler e que deu a ideia da aquisição, investidores do grupo e Rony Meisler, claro.

No sábado seguinte, Birman hospedou Meisler, a mulher e os três filhos em sua casa no condomínio Fasano Boa Vista. Pouco antes de servirem as carnes no almoço na Rodeio, Birman tomou a palavra. Agradeceu a presença de todos, chamou Rony para falar, fez piada.

(Arte/Exame)

A desenvoltura surpreende os mais próximos. Mineiro, Birman sempre foi um empresário reconhecido no meio, mas não era de se expor. Nos últimos tempos, porém, tem estado cada vez mais ativo nas redes sociais. Em parte por sugestão do amigo Marcos Motta, advogado de celebridades como Neymar, com quem costuma se aconselhar.

“Quando começou a pandemia eu disse a ele: ‘Conecte-se com seu público, mostre quem é o Alexandre Birman, quem é a Arezzo. Conte sua história, assuma a sua narrativa’. E ele está fazendo isso, virou um comunicador, um Silvio Santos. Nas apresentações ele coloca as gerentes do lado, as vendedoras. Humanizou a marca.”

Motta assessora Birman nos contratos com as estrelas que fazem campanhas para o grupo. Recentemente, os chinelos de borracha da Brizza, lançada para competir com a Havaianas, ganharam um comercial no horário nobre da TV Globo com a atriz Bruna Marquezine. Manu Gavassi se tornou garota-propaganda da Anacapri, e Marina Ruy Barbosa foi contratada como diretora de criação do ZZ Mall.

Até então mais discreta, a Arezzo passou a investir pesado em marketing. Esse aporte foi em grande parte financiado por economias em outras frentes devido à pandemia, como viagens corporativas. “Percebemos que tínhamos capacidade para ganhar participação de mercado e para consolidar nossa posição de liderança. Fomos com a bazuca no marketing”, diz Birman.

O desafio imediato do executivo é integrar os processos da Arezzo e da Reserva. A estratégia para as aquisições é manter o empreendedor fundador com uma participação acionária e gerencial no negócio. O grupo vai definir um plano de crescimento e incluir medidas de governança. Cada marca tem sua equipe de marketing, criação e inteligência.

O desafio é manter essa diferenciação com um portfólio mais amplo. Entre as estratégias de crescimento estão ampliar o número de lojas próprias, testar o modelo de megastores e abrir franquias com lojas menores. A venda de calçados, até então licenciada, é outra aposta, assim como a criação de coleções unissex.

No lugar de lançamentos semestrais, a ideia é ter novos itens com uma frequência maior. A marca Oficina, de moda mais formal, deve ser reposicionada. O mercado acompanha a integração e a busca de sinergias com bons olhos. Ainda que a Reserva tenha sido a primeira grande aquisição, a Arezzo já tem experiência na integração entre marcas. “A incorporação da operação da Vans no Brasil foi um teste. A integração foi eficiente, então o mercado olhou a aquisição da Reserva com menos receio, mesmo sendo uma compra maior e em um mercado diferente”, diz Villares, do Itaú BBA.

Loja da Arezzo na Rua Oscar Freire, em São Paulo: o primeiro ponto de venda próprio da marca só foi inaugurado em 1991 (Germano Lüders/Exame)

A empresa vinha se preparando para a expansão desde que decidiu focar o varejo e a criação de marcas fortes, diz Viviane Martins, CEO da consultoria Falconi, que atua com projetos de gestão para a Arezzo há quase uma década. “A companhia fortaleceu gestão e governança e criou métricas focadas em resultados. Muitas vezes as empresas de moda acham que isso pode conflitar com a criatividade. A Arezzo consegue ser estruturada e inovadora”, diz. Detalhista e metódico, Birman ainda se envolve no processo de criação de algumas coleções.

Como muitos varejistas, Birman conta ter entrado em desespero ao se ver com todas as lojas fechadas após o início da quarentena, em março. A primeira providência foi fazer caixa. A empresa levantou 444 milhões de reais em crédito para garantir um ano de sobrevivência. Naquele período, Birman acampou no escritório. Chegava cedo e saía tarde da noite, estudando cenários e planejando a expansão dos canais online. Contribuiu para sua tranquilidade poder contar com uma equipe prata da casa.

Fernando Caligaris, presidente da Schutz nos Estados Unidos, começou como estagiário. O CFO Rafael Sachete entrou como trainee na Arezzo ainda na gestão de Anderson. As áreas de relações com investidores e de fusões e aquisições estão nas mãos de Aline Penna. Ela foi analista do Bradesco e do HSBC e assessorou a Arezzo em algumas operações. Birman a convidou para trabalhar em um impulso, em uma conversa no elevador. Luciana Wodzik, diretora de marca da ­Arezzo, conhecia Alexandre Birman de Belo Horizonte e era modelo de pés em campanhas.

Rony Meisler, fundador da Reserva: garantia de liberdade criativa e troca de experiências com a Arezzo no modelo de gestão de lojas (Leandro Fonseca/Exame)

No passado, apostas de crescimento de grupos de moda não tiveram sucesso. Fundada pela família Hess, a Dudalina se uniu à Restoque, dona de marcas como Le Lis Blanc, Rosa Chá e Bo.Bô, em 2014. A empresa está em recuperação extrajudicial desde junho de 2020, com dívidas que chegam a 1,5 bilhão de reais. O Grupo GEP, dono das marcas Luigi Bertolli, Cori e Emme, pediu recuperação judicial em 2016 e não encontrou um comprador. Já a InBrands, que controla Ellus, Richards e Salinas, negocia dívidas e pode precisar se desfazer de marcas.

De acordo com especialistas, os grupos de moda erraram ao não manter as identidades separadas nos processos de aquisição. “O modelo de operação de uma marca não é o mesmo de um grupo multimarcas. São posicionamentos diferentes e há a necessidade de dividir a estrutura de desenvolvimento de produtos”, diz Alexandre Machado, sócio-diretor da Gouvêa Consulting. Para Viviane Martins, da Falconi, faltou amadurecimento. “O foco em resultados rápidos foi prejudicial”, diz.

Enquanto a Arezzo incorpora a Reserva, o mercado se movimenta. O grupo Soma, dono das marcas Animale e Farm, levantou 1,8 bilhão de reais em seu IPO em julho. Já em outubro, comprou a marca NV, fundada pela influenciadora Nati Vozza, e agora negocia pelo menos mais duas compras: uma grife voltada para o segmento fitness e outra marca de moda feminina. A plataforma de brechós Enjoei levantou 1,13 bilhão de reais em IPO em novembro e vale hoje cerca de 2,7 bilhões de reais. Outro IPO que movimentou o mercado foi o da Track & Field, de itens esportivos, que levantou em outubro 523 milhões de reais.

O mercado brasileiro oferece muitas oportunidades, segundo Guilherme Machado, analista sênior de moda da Euromonitor. “Temos muitas cidades de porte médio pouco atendidas pelos grupos de moda.” A Arezzo sabe disso e está se mexendo. Mais do que marcas estabelecidas, a empresa busca startups. “Buscamos marcas com potencial no Brasil e no exterior, com bom produto e lealdade de clientes, mas sem estratégia e processos”, diz Birman. Para liderar a estratégia de aquisições de startups foi criado o ZZ Ventures, fundo de corporate venture capital. A primeira aquisição desse fundo foi o brechó online Troc. 

Com fôlego de praticante de triatlo, ao qual dedica 2 horas de treino por dia, Alexandre Birman parece ter pressa para levar a empresa ao próximo século. “Rumo a 2154” é um lema interno, uma espécie de mantra de longevidade, para que a Arezzo sobreviva até lá, quando o fundador Anderson completaria 200 anos — e muito maior do que é hoje.  

 

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