Revista Exame

Antes de afundar, Veneza pode falir

A lista de problemas de Veneza parece não ter fim

Ponte dos suspiros, com anúncio da Bulgari ao fundo: a revolta contagiou notáveis, como o arquiteto britânico Norman Foster (Marco Secchi / Getty Images/EXAME.com)

Ponte dos suspiros, com anúncio da Bulgari ao fundo: a revolta contagiou notáveis, como o arquiteto britânico Norman Foster (Marco Secchi / Getty Images/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 4 de julho de 2013 às 18h59.

O tempo fechou em Veneza, a Pérola que sobrevive há mais de 1 000 anos sobre as águas do Adriático e já foi considerada o berço do capitalismo. De um lado está um grupo de notáveis, que inclui o renomado arquiteto britânico Norman Foster e os diretores do MoMA, de Nova York, do Museu Britânico, de Londres, e do Hermitage, de São Petersburgo.

No outro, está Giorgio Orsoni, o prefeito daquela que é uma das cidades mais especiais do planeta. O motivo da briga são os painéis publicitários de empresas como Coca-Cola, Bulgari e Swatch, presentes em frente aos maiores cartões-postais de Veneza, como o Palácio Ducal, próximo à Ponte dos Suspiros.

Os notáveis publicaram, no começo de outubro, uma carta aberta no The Art Newspaper, um jornal inglês voltado para o mundo das artes e da arquitetura, argumentando que os painéis estragam a experiência dos visitantes e que outra forma de financiar as restaurações deveria ser encontrada.

Um dia depois da publicação da carta veio a resposta mal-educada de Orsoni, o prefeito: "Para fazer as reformas, precisamos do dinheiro dos anúncios. Se os turistas querem ver os prédios, devem voltar para a casa e procurar livros com fotos." A favor dos defensores do direito à vista das maravilhas venezianas, há o caso de Florença.

No ano passado, uma rede de supermercados recebeu a permissão para colocar um grande anúncio na Ponte Vecchio, um dos principais cartões-postais florentinos, em troca da doação de recursos a restaurações. Diante da reação enfurecida, a empresa capitulou. Retirou o anúncio - e manteve as doações.

Para os críticos dos painéis publicitários, a melhor alternativa são tapumes decorados com imagens do próprio monumento ou prédio em reforma - o que não estragaria seu impacto visual.

Independentemente do que venha a acontecer em Veneza, a discussão serviu para chamar a atenção sobre a precária situação financeira da cidade. Com o número de turistas em queda, um magro repasse de verbas do governo de Roma e o êxodo de moradores e empresas, a administração municipal está com a água pelo nariz.


O turismo, principal setor da economia local, com uma receita anual de 2 bilhões de euros, está em crise tanto do ponto de vista quantitativo quanto em termos de qualidade. A própria prefeitura estima que o número de visitantes estrangeiros em Veneza neste ano será 14% menor do que o de 2007.

E o perfil dos visitantes que passam por Veneza tem mudado nos últimos anos - para pior. "Estamos sendo invadidos pelos turistas low-cost, aquele pessoal que quer gastar o mínimo possível", diz Samuele Constantini, porta-voz da prefeitura de Veneza. Se as mudanças na área do turismo viessem acompanhadas de mais apoio do governo central, as autoridades locais estariam tranquilas.

Mas é justamente o contrário o que vem ocorrendo. No começo da década, o governo, em Roma, mandava anualmente mais de 500 milhões de euros para a prefeitura de Veneza, valor que caiu para 100 milhões de euros em 2009, ano em que o PIB do país caiu 5%.

Estima-se que só as restaurações, a limpeza dos canais e a segurança custem à prefeitura 500 milhões de euros por ano. Esse valor não leva em conta as obras feitas para evitar o avanço das águas.

A combinação de menos visitantes com dinheiro insuficiente para a reforma dos prédios históricos é um golpe para uma cidade que tem se voltado cada vez mais para o turismo. Desde 1999, quando uma lei facilitou a conversão das residências e palácios em hotéis, o número de leitos disponíveis aumentou de 14 000 para 30 000.

Os investidores se prepararam para um cenário de alto crescimento no turismo, mas o que se viu foi o oposto, com taxas decrescentes de ocupação. Um dos efeitos desse fenômeno foi o aumento dos aluguéis residenciais. Por isso, não é surpresa que tenha aumentado o ritmo com que as pessoas mudam para outras cidades, uma tendência iniciada há décadas.

Quem sentiu o efeito desse êxodo foram as lojas e as indústrias. A americana Alcoa, dona de uma fábrica de placas de alumínios localizada no município, ameaça fechá-la devido à falta de mão de obra qualificada.


O economista Renato Brunetta, atual ministro da Administração Pública e Inovação da Itália, que perdeu as eleições para prefeito de Veneza no começo deste ano, estima que para salvar a cidade seria necessário investir 34 bilhões de dólares ao longo dos próximos dez anos.

O dinheiro seria destinado à construção de imóveis para 50 000 moradores de classe média e para dar incentivos a setores não ligados ao turismo. Pelas contas de Brunetta, essa é a única maneira de evitar que Veneza se torne uma Disney italiana, repleta de turistas durante o dia e deserta durante a noite.

Já os notáveis, como o arquiteto britânico Foster, também querem evitar que Veneza, sempre em obras, se transforme numa eterna Piccadilly Circus. A decadência de Veneza é uma perda para a humanidade. Quem já pôde contemplar seus palazzos à beira do Grande Canal sabe o quanto isso é verdade.

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