(João Prudente/Pulsar Imagens/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 09h01.
A recessão econômica ainda estava começando, em 2014, quando a catarinense Pollux, uma empresa de automação industrial de Joinville, instalou o primeiro robô colaborativo importado. Estrategicamente posicionado no final de uma linha de montagem da fabricante de eletrodomésticos Whirlpool, onde eram produzidas cervejeiras, o trabalho do robô era testar cada aparelho que saía de lá. Um braço automatizado apertava os botões do painel de controle, como o que aciona a luz interna ou o que controla a temperatura, e uma câmera acoplada checava se o comando tinha sido corretamente executado. Ao contrário dos robôs industriais tradicionais, que normalmente precisam ser mantidos em ambientes isolados por segurança, o novo robô da Pollux era pequeno e com tecnologia que permitia ficar lado a lado com os operários. A experiência deu tão certo que o aluguel de robôs colaborativos se tornou uma frente de negócios da Pollux — a que mais cresceu nos últimos dois anos. “Dobramos o número de contratos fechados em 2017 e admitimos 30 pessoas”, diz José Rizzo, fundador e presidente da Pollux. Com 160 funcionários, a empresa projeta chegar ao fim do ano com 200 robôs alugados e um faturamento de 100 milhões de reais.
As contratações em empresas como a Pollux ajudaram a engordar as estatísticas de emprego em Joinville. Com mais de 2.000 indústrias, entre elas nomes conhecidos como o da fabricante de compressores Embraco e o da produtora de tubos plásticos Tigre, a cidade de 577.000 habitantes foi a que mais criou postos de trabalho com carteira assinada no Brasil em 2017. Foram gerados 5 588 empregos, no saldo entre contratações e demissões realizadas em Joinville. No cômputo geral, o Brasil perdeu cerca de 20 000 postos — apesar de negativo, o resultado é um alívio depois dos 2,8 milhões de empregos limados em 2015 e 2016. Joinville recupera agora parte dos 13.000 postos cortados no pior momento da crise. “Os serviços estão crescendo com força, assim como as pequenas indústrias inovadoras. A cidade é conhecida pelas grandes empresas, mas as pequenas e médias também são um motor importante nesta fase”, diz o prefeito Udo Döhler (MDB).
O que está ocorrendo em Joinville se repete em maior ou menor grau em outras cidades de Santa Catarina. O estado ostenta indicadores invejáveis num país que, há apenas um ano, começou a sair de uma recessão de 11 trimestres. Estão lá a menor taxa de desemprego do Brasil, de 6,7%, o maior crescimento das vendas no varejo, de 12,4% em 12 meses, e o maior avanço da atividade econômica em 2017. De acordo com o IBC-BR, índice calculado pelo Banco Central para 13 estados e considerado uma prévia do produto interno bruto, Santa Catarina acumulou alta de 4,3% de janeiro a novembro de 2017. No mesmo período, a economia do país avançou 0,97%. “O segredo é o modelo econômico, diversificado e descentralizado”, diz Glauco José Côrte, presidente da Fiesc, a federação das indústrias local. Por todo o estado, há algum tipo de produção industrial, seja ela metal-mecânica, cerâmica, têxtil ou agroindústria. O problema é que o Brasil não é Santa Catarina. Apesar de os números darem sustentação a um otimismo crescente com a recuperação da economia brasileira — as estimativas apontam uma expansão de 2,7% no PIB em 2018 —, a retomada não ocorre de maneira equilibrada. Ao contrário. A crise ajudou a evidenciar novamente diferenças regionais que pareciam estar diminuindo nos tempos de bonança.
Um levantamento exclusivo feito pela consultoria Tendências para EXAME situa melhor a questão. O Brasil, conforme a consultoria, deverá acumular um crescimento de 3,9% no PIB em 2017 e 2018. No nível estadual, no entanto, esse resultado poderá variar de zero, como nos casos do Acre e do Rio Grande do Norte, a mais de 8%, no Pará e em Mato Grosso. Se na média o biênio promete trazer uma expansão razoável da atividade, considerando que acabamos de passar por uma das recessões mais intensas da história, o ganho, no entanto, não será suficiente para apagar todas as marcas da crise. Até o fim do ano, apenas um terço dos estados deverá ter conseguido recuperar completamente as perdas acumuladas desde 2014. Nesse grupo, estão lugares que têm uma parcela importante da economia ligada ao agronegócio, setor que melhor se saiu nos últimos anos. A safra 2016-2017 de grãos bateu recorde, com uma produção de 238 milhões de toneladas, levando empresas como a Agro Amazônia, com sede em Cuiabá, a crescer junto. Uma das maiores distribuidoras de sementes, defensivos, fertilizantes e produtos para nutrição animal do país, a empresa tem a meta de aumentar seus quadros e chegar a 500 funcionários (já teve 750 e hoje conta com 450) ainda neste ano. “Quando o preço das commodities está bom e o clima favorece a produtividade, o Mato Grosso praticamente não sente os solavancos”, diz Roberto Motta, presidente da Agro Amazônia, cuja receita está próxima de 1,6 bilhão de reais ao ano.
A situação de quem caminha para zerar as perdas da crise contrasta com a dos que estão longe de superá-la. Para alguns estados, a situação continuou piorando em 2017 antes de — espera-se — começar a voltar aos eixos em 2018. O caso mais grave é o do Rio de Janeiro, onde a combinação entre uma crise política sem precedentes, o descontrole dos gastos com a máquina pública e a espoliação sofrida pela Petrobras, conforme revelou a Operação Lava-Jato, levou a um quadro de penúria. Em 2017, até novembro, a atividade econômica no Rio havia recuado mais de 2%. Com uma dívida pública superior a 100 bilhões de reais e três ex-governadores presos por suspeita de corrupção, serviços básicos para a população — como acesso à saúde e à segurança pública — deixaram de ser garantidos.
Os investidores, por sua vez, se retraíram. “O ambiente político causou uma onda de desilusão”, diz Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. “Precisamos de pessoas capazes de lidar com seriedade com a máquina pública.” Um plano de recuperação fiscal que prevê um ajuste de 63 bilhões de reais até 2020 está em andamento. Mas os reflexos da farra dos últimos anos continuam. O 13o salário de 170 000 funcionários públicos, somando 1,1 bilhão de reais, está atrasado, assim como o pagamento de centenas de empresas que prestam algum tipo de serviço terceirizado, como limpeza urbana e alimentação em escolas e presídios. O Rio terminou o ano com restos a pagar estimados em 10 bilhões de reais — a maior parte são dívidas com fornecedores. “O nível do calote foi enorme. Empresas fecharam, trabalhadores foram demitidos e o dinheiro parou de circular”, afirma José de Alencar Magalhães, superintendente do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio. Parte da dívida deverá ser quitada por meio de leilões em que os credores que oferecerem os maiores descontos sobre o que têm a receber terão prioridade nos pagamentos.
O ajuste dos últimos anos nas contas da Petrobras também minou negócios no Rio. Para diminuir o endividamento, a companhia vendeu ativos, cancelou contratos e trocou fornecedores — e tudo isso num período em que o preço do petróleo no mercado internacional havia caído de mais de 100 dólares por barril para menos de 40 dólares (hoje, voltou ao patamar dos 60 dólares). As grandes empresas sentiram o tranco — e as pequenas, como a Sidetech, também. A empresa desenvolve softwares de saúde e segurança do trabalho há mais de 20 anos e, somente em razão da crise no setor de petróleo no Brasil, perdeu 5% dos contratos de uma vez. “Nossos clientes que prestavam serviços para a Petrobras faliram, mudaram de endereço ou simplesmente cortaram custos. E nos cortaram também”, diz Pablo Braga, um dos sócios da Sidetech.
Somados os cancelamentos em outros setores, os contratos da empresa encolheram 10%. Para manter as contas no azul, Braga fez o mesmo que os clientes: demitiu, cortou custos e foi atrás de trabalho em outras regiões. Obviamente, não foi o único. Há três anos, o setor de software e serviços de tecnologia da informação demite mais do que contrata no estado — enquanto no restante do país o movimento já foi revertido no ano passado. “O Rio de Janeiro lembra um herdeiro que gastou a herança até ficar pobre. O petróleo parecia resolver todos os problemas, e por isso o estado simplesmente esqueceu o planejamento da economia e a implementação de políticas de fomento”, diz Benito Paret, presidente do TI Rio, o sindicato das empresas de informática.
O ritmo da recuperação também vem se mostrando mais lento nos estados do Nordeste — justamente aqueles que, durante vários anos das últimas duas décadas, cresceram acima da média nacional. “Havia, de fato, uma sensação de que finalmente a região estava se desenvolvendo mais do ponto de vista econômico e reduziria as diferenças históricas em relação ao Sudeste e ao Sul”, afirma Adriano Pitoli, diretor da área de análise setorial e inteligência de mercado da Tendências. A crise, porém, reverteu o processo — ou revelou que ele não era tão consistente assim. Houve, por um lado, um problema setorial. “Algumas cadeias produtivas importantes para a região foram duramente afetadas, como é o caso de petróleo e gás, da indústria química e petroquímica e da construção civil, setores afetados pela Lava-Jato”, afirma Airton Valente Junior, gerente executivo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste do banco de fomento BNB.
Em estados onde o agronegócio se tornou relevante, como o Maranhão e o Piauí, esse efeito não aconteceu. A Tendências estima que ambos os estados vão crescer mais de 6% no acumulado de 2017 e 2018. Mas, para além do problema setorial, as explicações para a reversão no desempenho da economia nordestina estão no principal vetor da expansão no período pré-crise: o dinheiro público. A região cresceu amparada primeiro pelos recursos destinados a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e depois pelos investimentos em grandes obras de infraestrutura. “A importância de assegurar renda mínima em uma região que concentra pobreza é óbvia e não se questiona”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da consultoria MB Associados. “Mas uma mistura de megalomania com política industrial protecionista, além de corrupção e má governança, fez o lado dos investimentos dar errado.” Uma série de enormes projetos prometidos pelo governo ficou pelo caminho — como foi o caso das refinarias Premium I e II, no Maranhão e no Ceará, que consumiram perto de 3 bilhões de reais da Petrobras antes que a empresa desistisse definitivamente de seguir adiante com as duas obras.
Em Pernambuco, a Refinaria Abreu e Lima — que custou cerca de 20 bilhões de dólares — opera apenas o primeiro conjunto de unidades inicialmente previsto (o segundo não foi concluído). No auge da obra, a refinaria em Pernambuco chegou a empregar 38 000 pessoas. Quando a obra acabou e o dinheiro federal começou a escassear, o desemprego veio junto. No período de 2015 a 2017, quase 141 000 postos de trabalho foram fechados. Hoje, o estado tem a maior taxa de desemprego do país, de quase 18%. Até novembro do ano passado, a economia pernambucana havia conseguido crescer 0,3%. Pelas projeções da Tendências, Pernambuco é o estado que está mais longe de recuperar os níveis de PIB de antes da crise. “O problema da dependência do governo é exatamente este: quando uma crise fiscal acontece, os recursos somem”, diz o economista Jorge Jatobá, da consultoria Ceplan, de Recife.
Sem a ajuda federal — de 2008 a 2014, o BNDES destinou 36 bilhões de reais para Pernambuco —, a economia local está à procura de alternativas para voltar a crescer. Os estaleiros instalados lá na última década para construir equipamentos de exploração para a Petrobras estão buscando novos rumos para sobreviver. O Estaleiro Atlântico Sul, que custou 3,2 bilhões de reais e nasceu com 22 navios encomendados, entregou dez embarcações para a estatal — os 12 contratos restantes foram cancelados em 2015. Conseguiu recuperar cinco encomendas, que deverão ser entregues até meados do ano que vem. Daí para a frente, não há mais nada de concreto em vista. Uma negociação para construir 13 embarcações para a South American Tankers Company (Satco), empresa criada no Brasil com investidores de Singapura, se arrasta desde 2016.
Mas ainda falta a Petrobras, para quem a Satco alugaria os navios, apresentar as condições de contratação do serviço. “Estamos correndo atrás de outros mercados, mesmo que de menor valor agregado, como o de navios para cabotagem. O importante é que permaneçamos vivos”, diz Harro Burmann, presidente do Estaleiro Atlântico Sul. As duras lições que Rio de Janeiro e Pernambuco estão aprendendo agora servem de alerta para outros estados. A megalomania do governante de plantão e a gastança cobram um preço alto. O caminho para o desenvolvimento econômico consistente requer ambiente favorável aos investimentos. Não é à toa que, onde o setor privado é mais vibrante, a reação está chegando antes.