Manfredo Rübens, da Basf: centro colaborativo de experiências digitais (Leandro Fonseca/Exame)
Aline Scherer
Publicado em 11 de abril de 2019 às 05h40.
Última atualização em 8 de junho de 2020 às 13h59.
A lentidão da justiça brasileira, cujo excesso de burocracia costuma retardar a conclusão dos processos, é uma velha conhecida das empresas. O setor jurídico do banco Itaú, no entanto, está cada vez menos preocupado com esse problema. Isso porque a área ganhou no ano passado um reforço tecnológico: uma parceria com a startup Mediação Online levou as demandas judiciais a um ambiente integralmente digital, facilitando a resolução de casos que envolvam pessoas físicas e empresas. O banco passou a usar uma plataforma da Mediação Online para resolver pendências financeiras dos clientes. Após um período de avaliação de cerca de um ano, com mais de 700 mediações, o Itaú fechou uma parceria com a startup para a gestão de 5.000 casos por mês. O banco avalia que, para cada real investido na parceria, já teve um retorno de 103 reais.
O aumento da eficiência na área jurídica é apenas um dos resultados obtidos pelo banco desde a criação do centro de empreendedorismo tecnológico Cubo Itaú em 2015. Instalado em São Paulo, o prédio abriga mais de 300 pequenas empresas e serve de espaço para coworking e geração de negócios com grandes corporações que buscam inovação. “Não há receita de bolo para a transformação digital. As startups são ferramentas para facilitar esse processo”, diz Renata Zanuto, executiva responsável pelo relacionamento com as startups do Cubo. Em três anos, o Itaú já realizou mais de 70 projetos com startups residentes no Cubo. “Grande parte delas não é ligada à área financeira, mas impacta na transformação de processos internos do banco”, afirma Reynaldo Gama, responsável por fomentar os negócios entre grandes empresas e as startups do Cubo.
O que o Itaú está colocando em prática é o que se chama de inovação aberta, um conceito formulado no início dos anos 2000 pelo americano Henry Chesbrough, professor na Universidade da Califórnia. A expressão se refere à disposição de uma empresa em aceitar cooperação externa, seja de startups, seja de instituições de ensino, seja de governos, para desenvolver novas tecnologias em produtos e processos. Foi o caso do revolucionário iPod, lançado pela Apple em 2001, mas com parte de sua tecnologia desenvolvida pela startup americana PortalPlayer.
Hoje, a ideia de inovação aberta passa por uma ampliação: engloba o corporate venture capital — prática mais ligada a investimentos de grandes companhias em startups ou de criação de uma startup interna. Mais recentemente, surgiu o conceito de corporate-startup engagement, algo que vai além da criação de novos negócios. “As grandes empresas querem trabalhar em diversas modalidades com as startups, e não necessariamente ser donas delas”, afirma Bruno Rondani, presidente da 100 Open Startups, uma plataforma que conecta grandes organizações às pequenas inovadoras. “A ideia é unir para criar mais valor.”
A contratação de serviços de startups é apenas uma das possibilidades de parcerias com grandes empresas. A indústria química Basf, por exemplo, aposta na estratégia de aceleração. Em uma parceria com a aceleradora ACE, a empresa alemã criou o programa AgroStart e, por meio dele, investiu em mais de dez startups, trazendo a inovação para dentro de casa. “A iniciativa é voltada para melhorar, de uma forma digital, a eficácia da aplicação de agrodefensivos e as tecnologias de análise de solo”, afirma Manfredo Rübens, presidente da Basf para a América do Sul. Hoje, por exemplo, a empresa usa drones para identificar situações de risco em lavouras. Após a análise, o aparelho transmite dados a uma equipe da Basf, que envia recomendações para que o agricultor resolva o problema de forma eficiente.
A Basf está satisfeita com os resultados que vem obtendo com a inovação aberta. E quer mais. Há cerca de duas semanas, inaugurou em São Paulo um centro colaborativo de experiências científicas digitais, batizado de Onono. “É um lugar onde confrontamos clientes e funcionários com as novas tecnologias e a digitalização”, diz Rübens. Ele acredita que o Brasil tenha um ambiente propício para transformações na cultura da empresa. “Já trabalhei na Alemanha, nos Estados Unidos e no Brasil. Por aqui, as mudanças são muito mais reconhecidas como oportunidades e menos como ameaças aos funcionários do que em outras regiões do mundo.”
Essas transformações, claro, acabam afetando os clientes finais em sua relação com a tecnologia. De olho na evolução das formas de pagamento, a empresa de serviços financeiros Visa fechou uma parceria, no início de abril, com a empresa de entregas Rappi na terra natal da startup: a Colômbia. Juntas, elas vão lançar um cartão de débito. A ideia é substituir o dinheiro vivo em transações pequenas. A Visa também tem centros de inovação espalhados pelo mundo — um deles em São Paulo —, além de um programa de aceleração de startups desde 2017. De lá para cá, mais de 50 empresas de inovação receberam investimentos. “As parcerias quebram o mito de que os bancos são rivais das fintechs”, diz Percival Jatobá, vice-presidente de produtos da Visa. “O envolvimento com startups nos permite também estabelecer nossa marca no ecossistema, além de sermos instigados por seus modelos de pensamento.”
Não são apenas as startups que enriquecem o ecossistema da inovação. Na indústria de alimentos BRF, a experiência positiva com pequenas empresas levou a corporação a ficar ainda mais receptiva às ideias externas. Depois de criar o programa b.Connect em 2016, para se aproximar das startups, a BRF aprimorou a iniciativa e lançou, em fevereiro deste ano, o brfHUB, que reúne novos parceiros. “Entendemos que havíamos deixado de fora uma parte relevante do modelo de conexão: instituições de ensino superior, de ensino técnico e empresas de tecnologia em geral”, diz Sérgio Pinto, gerente executivo de inovação da BRF. “Colocando todos os parceiros em uma única avenida, o diálogo fica mais fácil.” No novo programa, a BRF lançou um site onde publica desafios em áreas diversas, como pesquisa e desenvolvimento, recursos humanos e vendas. “Há muitas ações bacanas na academia e no mercado. O que faltava era conexão”, diz Pinto. Para a BRF e outras empresas que perceberam os benefícios da inovação aberta, não falta mais.