Escola na China: um país em que s trabalhadores não têm aposentadoria, investir na educação dos filhos é a melhor apólice (Guang Niu/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
Huanggang, uma cidade de cerca de 250 000 habitantes, dá a exata dimensão das ambições que movem as famílias chinesas quando o assunto é educação. Localizada na província central de Hubei, Huanggang tem a escola de ensino médio mais admirada da China. Seus alunos ganharam 25 medalhas em competições internacionais de ciências e matemática. Na entrada do prédio, uma foto mostra todos os estudantes do ano anterior que entraram em alguma universidade. É uma grande foto — 99% dos alunos são aprovados. As apostilas escritas pelos professores são usadas em várias partes do país antes dos exames nacionais. “Famílias de toda a China fazem o que estiver ao seu alcance para mandar seus filhos para cá”, diz Zhang Ping, um professor aposentado de Huanggang. “Muitos deles chegam até a mudar para a cidade.”
Esse é o caso de Wu Ying. Há três anos, ela e o filho, Xiao Zhang, chegaram de mala e cuia em Huanggang. O marido, um funcionário público municipal, ficou em Xiaogan, a cerca de 150 quilômetros de distância. “É um grande sacrifício viajar com frequência para ver meu marido, mas nós sabemos que essa é a melhor chance para nosso filho”, diz Wu, cuja situação não é das piores. A escola tem alunos de lugares muito mais distantes, como Xinjiang, no extremo oeste, na fronteira com o Paquistão e o Afeganistão, a 3 400 quilômetros. Num país em que o Estado não garante uma aposentadoria digna, muitos pais sabem que um dia vão depender do filho ou da filha. Dadas as enormes diferenças de renda entre os que têm bons empregos e os que trabalham em fazendas ou em fábricas, um filho educado é uma das melhores apólices de seguro que se pode ter. “Nessa circunstância, faz todo o sentido para as famílias apostar alto em educação”, diz Arthur Kroeber, diretor da empresa de consultoria Dragonomics, de Pequim.
O grande salto
A escola de Huanggang é um dos exemplos mais célebres de um sistema educacional que tem colhido resultados impressionantes. No último levantamento do programa internacional de avaliação de alunos da OCDE, conhecido pela sigla Pisa e divulgado no começo de dezembro, os chineses, representados por adolescentes de Xangai, foram os melhores colocados entre estudantes de 65 países nas três áreas avaliadas: ciências, leitura e matemática. Surpreendeu os técnicos da OCDE o fato de que todas as escolas chinesas avaliadas tiveram um bom desempenho — tanto as das regiões mais ricas quanto as das mais pobres. O motivo é uma lição para os responsáveis pela educação no Brasil. Em Xangai, os melhores professores costumam ser deslocados para os colégios com as piores notas. A própria OCDE reconhece as limitações do levantamento, feito somente em uma cidade, ainda por cima a mais rica do país. Não dá para tomar a situação de Xangai como sinônimo do que ocorre em toda a China. Mas vale lembrar que, caso São Paulo ou qualquer outra capital representasse o Brasil, o país não chegaria nem perto dos primeiros lugares. “A China tem problemas na área da educação, sim, mas está progredindo rapidamente”, diz Andreas Schleicher, diretor da OCDE responsável pela pesquisa.
A política salarial dos professores do ensino fundamental é parte da receita chinesa. A remuneração básica não chega a impressionar. Nas grandes cidades, os professores ganham mais do que um operário, mas menos do que um bancário, por exemplo. Em algumas regiões da China, como em Pequim, porém, os professores com desempenho acima da média ganham um bônus extra que pode quase dobrar o salário. Em termos de currículo, as escolas fundamentais de Pequim também podem servir de exemplo. O ensino de matemática, junto com o de chinês, ocupa mais de metade das 4 horas diárias de aula. A partir da 3a série, as crianças passam a estudar inglês, geografia e música. Fora da escola, existe uma forte pressão social por bons resultados que também faria bem ao Brasil. A educação é um valor extremamente importante na sociedade chinesa. Isso fica claro quando os jovens acabam o ensino médio. Uma das instituições menos corruptas da China é o “gaokao”, o exame vestibular. Os carros são proibidos de buzinar nas imediações das escolas durante o teste e a polícia fica à disposição para assegurar que os estudantes cheguem a tempo.
Para o economista americano Robert Fogel, vencedor do prêmio Nobel, a expansão da educação básica e superior vai adicionar vários pontos percentuais à taxa de crescimento anual do país. O mais curioso no caso chinês é o aparente custo dessa arrancada. Os investimentos do governo com educação são de apenas 3,5% do PIB – bem abaixo da maioria dos países desenvolvidos e dos 5% do Brasil. Como a China aparentemente conseguiu tanto com tão pouco? A persistência explica parte da história. O país começou a expandir agressivamente seu sistema educacional nos anos 50 e, já na década de 80, tinha um contingente grande de crianças matriculadas na educação fundamental.
Com isso, a infraestrutura já foi quase toda construída e hoje o dinheiro pode ser canalizado para a melhoria do ensino. Além disso, o crescimento econômico de dois dígitos tem aumentado de forma extraordinária a verba destinada à educação — estima-se que tenha triplicado nos últimos dez anos. As famílias também são parte dessa história de sucesso. Os gastos privados com educação dispararam nos últimos anos. As famílias chinesas investem uma quantia que supera 2% do PIB — o dobro do percentual estimado para o Brasil. Parte desse esforço é destinada a suprir lacunas deixadas pelo próprio Estado chinês. Essa questão fica evidente no caso dos trabalhadores migrantes — cerca de 150 milhões de pessoas que deixaram o campo para trabalhar na construção civil e em fábricas nas cidades. Como não são moradores registrados, não têm acesso a serviços sociais locais, entre os quais as escolas. Para essas famílias, há duas alternativas. Uma é deixar os filhos no campo, onde é comum ter de pagar taxas “informais” para que possam ir à escola pública. A outra é colocá-los em uma das milhares de escolas privadas que proliferam nas cidades da costa.
A Sete Cores, uma escola num subúrbio de Pequim, conta atualmente com 480 alunos de 5 a 14 anos de idade. Mas, diferentemente da escola pública local, que atende à classe média, a Sete Cores cobra cerca de 390 reais por ano de famílias de migrantes. Uma de suas alunas é a menina Chen Yuem, de 11 anos, que mudou-se para Pequim em 2005. Seu pai ganha a vida coletando lixo para reciclagem. Se quiser levar à frente o sonho da graduação universitária, quando completar 14 anos, Chen terá de voltar para o interior, onde estão seus registros escolares oficiais. Por enquanto, a promessa de que todas as cidades oferecerão escolas públicas para filhos de migrantes continua sendo uma ideia — a única cidade que procura seguir a diretriz é Xangai.
A China tem avançado de forma impressionante na área do ensino e o resultado no teste da OCDE é apenas um dos exemplos. Para observadores de fora do país, no entanto, o perigo é achar que o progresso é homogêneo e no ritmo sugerido pelas estatísticas oficiais. De acordo com o governo, a evasão escolar é de 11% na zona rural, mas um estudo divulgado no início de 2010 por uma universidade chinesa comprovou que o verdadeiro número é 40%. Dados como a quantidade de crianças matriculadas são comunicados ao governo central por funcionários públicos que são avaliados, entre outras coisas, por avanços nessa área — e têm, portanto, um incentivo para inflacionar os números. Vale lembrar que o resultado combinado dos dados econômicos reportados anualmente por cada uma das 27 províncias supera consideravelmente o número do Departamento Nacional de Estatísticas, que coleta seus próprios dados do PIB.