Negócios e investimentos
Os vínculos comerciais entre Brasil e França são antigos. A parceria se estende por dois séculos. Em 2022, de acordo com as autoridades aduaneiras francesas, o comércio bilateral cresceu 35,2%, chegando a € 8,3 bilhões em mercadorias, o equivalente a R$ 47 bilhões. Nos primeiros sete meses de 2023, a alta é de 13%. O Brasil é o principal parceiro comercial da França na América Latina, à frente do México.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 1.113 filiais francesas instaladas no Brasil, com um faturamento de € 50,7 bilhões. São 475 mil empregados. Para o chefe do Serviço Econômico Regional da Embaixada da França no Brasil, Sébastien Andrieux, o número está aquém da realidade, “especialmente com a recente aquisição do Big pelo Carrefour, que é o maior empregador privado do Brasil”.
Segundo ele, novos negócios estão em andamento entre os dois países. Um dos desafios é atrair mais empresas de médio e pequeno porte para o Brasil, uma vez que hoje a presença majoritária é de grandes grupos e multinacionais francesas.
“Ainda há um potencial considerável de crescimento, organicamente ou por meio de investimentos. Nenhum setor deve ser descartado a priori, mesmo que as oportunidades mais óbvias estejam na transição energética, nos serviços urbanos essenciais, como parte de programas de investimento, e ainda na tecnologia digital”, afirma.
Para atrair novos empreendimentos, Andrieux defende o programa de reformas proposto pelo governo e Congresso Nacional e a simplificação tão desejada pelo governo.
De acordo com o Banco Central do Brasil, o estoque total de investimento francês no Brasil é de € 35 bilhões de euros. Isso faz da França o terceiro maior investidor estrangeiro no País.
“O Brasil absorve 70% dos investimentos franceses na América Latina. Também se tornou o principal destino do investimento francês em países emergentes, à frente da China. Isso é algo impressionante”, ressalta o chefe do Serviço Econômico Regional da Embaixada.
O setor de serviços concentra os investimentos franceses no Brasil, com predominância de atividades financeiras e de seguros, que respondem por 26% do total. A indústria representa 22,1% do investimento, enquanto o setor de extração mineral soma 24,6%.
Parcerias
Ainda em 2006, o Brasil e a França assinaram uma parceria estratégica para promover o diálogo político e as relações econômicas e comerciais. A cooperação é uma realidade já nas áreas de defesa, espaço, energia nuclear, desenvolvimento sustentável, educação, ciência e tecnologia.
Segundo o governo francês, as parcerias vão do transporte à energia e passam pela indústria, agronegócio, saúde e tecnologia.
No setor aeronáutico, a Helibras, que é uma subsidiária da francesa Airbus Helicopter, surgiu em parceria com o Governo de Minas Gerais. De acordo com a Embaixada da França no Brasil, a unidade industrial em Itajubá monta helicópteros e é o resultado de quatro décadas de investimentos conjuntos e de transferência de tecnologia. Hoje, é a única fabricante de helicópteros de turbina na América Latina e líder do mercado brasileiro.
Exemplos não faltam. A francesa Veolia fez um coinvestimento com a petroquímica brasileira Braskem para desenvolver um projeto de produção de vapor a partir da biomassa de eucalipto. A ideia é abastecer a usina de produção fotovoltaica em Marechal Deodoro, Alagoas.
A Engie Soluções vai administrar 157 mil pontos de iluminação pública em Curitiba, com o objetivo de reduzir os custos de energia em 33%.
A Tereos Brasil, produtora francesa de açúcar e etanol, tem sete unidades industriais no noroeste de São Paulo e decidiu instalar uma planta-piloto de biogás produzido a partir da vinhaça na Usina Cruz Alta, em Olímpia. A intenção é recuperar o resíduo da cana-de-açúcar por meio da produção de biometano, que será usado para substituir o diesel utilizado pela frota de caminhões até 2026.
Na área da defesa, a Marinha do Brasil e o Naval Group da França criaram um programa para produzir em território nacional quatro submarinos Scorpène. O primeiro já está em operação, e o segundo vai entrar em atividade neste ano. A parceria inclui assistência técnica para a construção de uma base naval.
A comunidade French Tech de São Paulo reúne cerca de 200 startups e empreendedores de tecnologia, que são subsidiárias de empresas francesas ou criadas por franceses em parceira com brasileiros.
Na avaliação de Sébastien Andrieux, “as concessões e PPPs [parcerias público-privadas] são um eixo importante para o desenvolvimento de parcerias comerciais e de investimentos entre os países”. Ele cita a concessão por 30 anos para a administração de sete aeroportos na Amazônia pela Vinci Airports, empresa que também tem participação em concessões rodoviárias em São Paulo.
As vantagens brasileiras
O Brasil é um dos principais países da América Latina, rico em biodiversidade, recursos naturais e com um território de 8,5 milhões de km². A população é estimada em mais de 214 milhões de habitantes. Isso significa que o País tem um amplo mercado consumidor.
Para o cientista político da Universidade Sciences Po de Paris Gaspard Estrada, as empresas francesas veem no Brasil um cenário de oportunidades: “O Brasil é um país muito grande, portanto com um mercado muito diversificado, o que é atraente. É grande e ainda tem muito a ser explorado e desenvolvido”.
Javier Gimeno é vice-presidente sênior e CEO da Saint-Gobain na América Latina. A empresa francesa, que é líder global em construção leve e sustentável, está no Brasil há 90 anos e se consolidou com as marcas Quartzolit, Brasilit, Tekbond, Telhanorte, entre outras. No País, tem cerca de 15 mil funcionários, 58 fábricas, 52 centros de distribuição, três mineradoras, 78 lojas, seis escritórios e um centro de pesquisa e desenvolvimento.
O executivo elenca os motivos que deixam o Brasil atraente aos investidores estrangeiros. “O Brasil é um país muito importante para a Saint-Gobain, onde temos uma presença consolidada e ambição de continuar crescendo. É um país grande em termos de população, e 30% das pessoas têm abaixo de 40 anos. É uma população jovem, dinâmica. O Brasil é também uma economia importante no mundo e uma das principais da América Latina”, diz.
Gimeno destaca que o Brasil é um país amado, que gera uma simpatia natural na Europa: “Os europeus, em geral, têm uma visão positiva do Brasil, mesmo com os problemas de segurança, pobreza e corrupção. Essa percepção positiva na França é ainda mais importante. A economia brasileira está caminhando mais rápido e deve acelerar no último trimestre e em 2024”.
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Os entraves aos negócios
Se por um lado o Brasil reúne características importantes para atrair novos investidores e cativar os que estão no País, alguns fatores podem afugentar o capital estrangeiro, entre eles a complexidade do sistema tributário, a mudança constante nas regras legais e o Custo Brasil.
“Entre as desvantagens está o Custo Brasil, de burocracia, de tempo para desenvolver um projeto do ponto de vista fiscal e jurídico. Mas acho que o Brasil está avançando nesse processo. O ambiente de negócios está melhorando. As reformas que estão sendo levadas pelo governo federal vão no caminho correto, como a tributária. Nesse sentido, há espaço para novas parcerias entre Brasil e França, em particular no que diz respeito à energia e transição energética”, aponta o professor Gaspard Estrada.
Já o executivo da Saint-Gobain chama a atenção para questões estruturais. “Isso faz com que o Brasil tenha problemas de competitividade e produtividade. Quando se compara com outros países, ela é muito baixa. Precisamos acelerar rapidamente para fechar esse gap. Outro problema é a burocracia, processos longos e complexos e um sistema legal que muda permanentemente. Mas não diria que há um problema de segurança jurídica”, enfatiza.
Javier Gimeno também ressalta a volatilidade das taxas de câmbio quando se compara o real com as moedas internacionais, seja dólar ou euro.
"Nunca temos certeza do verdadeiro valor de nossos ativos aqui. Isso gera incerteza às empresas internacionais" - Javier Gimeno, CEO Latam da Saint-Gobain
Ainda assim, de acordo com o executivo, na balança, o Brasil é um país atrativo aos investidores.
Segundo Sébastien Andrieux, os investidores acompanham de perto as reformas em andamento no País, em especial a tributária. “As empresas estrangeiras precisam lidar com as complexidades socioeconômicas e jurídicas, desde a tributação até as especificidades da legislação trabalhista, incluindo um ambiente jurídico que se apresenta, às vezes, de difícil navegação. A primeira faceta da reforma seria a criação de um IVA [Imposto sobre Valor Agregado], que poderia oferecer oportunidades significativas para novos investimentos”, afirma.
Gil Maranhão é diretor de Comunicações e Responsabilidade Social da francesa Engie, a segunda maior empresa de energia do País, com 160 anos de história, sendo 27 anos em território brasileiro. Atua na geração, transmissão e comercialização de energia elétrica, no transporte de gás e serviços para municípios, além de ter uma empresa de engenharia. Ele avalia que as mudanças constantes no Brasil são positivas.
“As regras estão sempre mudando, e isso é bom, porque o mundo está mudando, as exigências dos acionistas, dos funcionários, as sociais e ambientais mudam de acordo com as dinâmicas. Uma empresa precisa ter essa mobilidade para se adaptar, obviamente sem descumprir regras”, diz.
O diretor aponta a estabilidade institucional brasileira como essencial aos investidores, ainda mais para uma empresa que tem negócios em parceria com o Estado, como é o caso da Engie com as concessões.
Investimentos em expansão
As empresas de origem europeia que se instalaram no Brasil encontraram aqui um ambiente de negócios favorável, mão de obra e, acima de tudo, oportunidades para crescimento.
Javier Gimeno destaca o fato de o Brasil ser um país democrático e não ter problemas de segurança jurídica. A Saint-Gobain tem a estratégia de crescer de 3 a 4 pontos acima do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Em 2022, as vendas na América Latina somaram € 4,5 milhões, e o Brasil representa dois terços do montante total.
Segundo o executivo, o Brasil agora precisa estar atento às normas internacionais, com produtos de qualidade, inovadores e verdes. “Somos líder mundial da construção leve e sustentável. Existe uma necessidade urgente de renovação, de o Brasil adotar os padrões mais exigentes na construção civil, para atingir os níveis de sustentabilidade que já existem no mundo.”
De acordo com Gil Maranhão, o Brasil é um polo prioritário de investimentos para a Engie. O grupo tem investido em energia renovável, na transição energética, por uma economia com menos emissão de gases do efeito estufa (GEEs).
“Temos R$ 10 bilhões comprometidos com investimento no Brasil, em projetos como a iluminação pública de Curitiba, a construção do complexo eólico Santo Agostinho, no Rio Grande do Norte, que vai entrar em operação total até o fim do ano, mais dois projetos: um solar e outro eólico na Bahia. Também a expansão de parte da malha da TAG [Transportadora Associada de Gás] e a linha de transmissão que ganhamos no leilão passado de concessão”, detalha.
Desenvolvimento sustentável
Em um cenário de descarbonização dos processos produtivos no mundo, de incentivo à economia verde e de metas ambiciosas de redução de emissões de CO2, o desenvolvimento sustentável é palavra de ordem. As empresas sabem que o cuidado com o meio ambiente deve caminhar ao lado do progresso e que é indispensável para o crescimento econômico.
Os países estabeleceram metas de redução de emissões para evitar que a temperatura do planeta aumente mais do que 1,5°C até o fim do século 21. Para alcançá-las, é imprescindível o envolvimento do setor produtivo. O Brasil tem algumas vantagens: uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo – mais de 80% renovável –, abundância de recursos naturais e de água e o mais importante bioma do planeta, a Amazônia.
“O Brasil tem hoje a matriz energética que os países industrializados querem ter em 2050. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética [EPE], o País tem uma geografia e uma capacidade de fontes de matéria-prima para gerar energia renovável 17 vezes mais do que a capacidade de consumo em 2050” - Gil Maranhão, diretor da Engie
Maranhão acrescenta: “Temos quantidade de vento, sol, terra, água, biomassa, oceano para as eólicas offshore. O Brasil tem a oportunidade de ser um grande produtor de energia renovável para o mundo inteiro”.
Segundo o diretor da Engie, o Brasil sozinho não vai conseguir exportar energia renovável nem hidrogênio na forma líquida ou gasosa a todos, por isso a necessidade de atrair mais empresas para cá. “Não exportar energia, mas exportar produtos industrializados. Essa é a chamada neoindustrialização que o vice-presidente Alckmin tanto fala.”
As metas também norteiam as ações nas empresas. A Engie, que representa cerca de 7% da capacidade instalada para geração de energia elétrica no Brasil, tem compromissos ambientais ambiciosos: crescer de 30 gigawatts (GW) em energia renovável em 2020 para 50 GW em 2025, bem como para 80 GW de capacidade instalada até 2030 no mundo.
“Isso é muito ambicioso e requer uma indústria de preparação de projetos, desenvolvimento, licenciamento, financiamento e construção que, poucas vezes, fora a China, vimos em qualquer lugar do mundo. O Brasil tem a oportunidade de trazer boa parte desse investimento para cá”, explica Maranhão.
De acordo com a Saint-Gobain, as iniciativas do grupo são para uma construção leve e descarbonizada e que promovam a sustentabilidade. Entre os desafios estão reduzir os 40% de emissões de CO2 ligados à construção, proteger os recursos naturais e enfrentar a rápida urbanização em países emergentes.
“Um dos eixos é levar para o mercado produtos verdes. Também conseguir que eles sejam fabricados nas nossas 60 usinas seguindo os padrões mais exigentes de emissões de CO2. Até 2030, nossas usinas vão emitir 35% menos CO2 do que em 2017. Até 2050, queremos atingir a neutralidade de carbono”, elenca Javier Gimeno.
Para isso, a multinacional aposta na eletrificação dos processos produtivos e substituição dos combustíveis fósseis por biogás, por exemplo. O executivo não deixa de mencionar a grande chance que o País tem de produzir o hidrogênio verde.
“O Brasil terá o hidrogênio mais barato e competitivo do mundo, porque tem sol e vento. Isso é bom para o Brasil, pois sua matriz energética vai ficar ainda mais limpa e, melhor, vai fazer com que a indústria brasileira seja mais competitiva e possa ganhar posições no contexto mundial”, acredita Gimeno.
O Brasil e a política externa
O discurso do governo federal está alinhado às melhores práticas internacionais. O Brasil tem uma política industrial preocupada com a preservação do meio ambiente e descarbonização dos processos, e o agronegócio tem incentivado iniciativas sustentáveis. As reuniões bilaterais foram intensificadas desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência. O objetivo é a realização de novos negócios.
Para Gaspard Estrada, a imagem do Brasil melhorou com o retorno de Lula ao poder. “O governo Bolsonaro foi um desastre do ponto de vista da imagem do Brasil. Agora, a sensação é de uma volta ao cenário internacional, em particular na França, com o prestígio do presidente Lula e com os resultados de queda do desmatamento na Amazônia, melhora do consumo, crescimento da economia e redução da pobreza e desigualdades, também a forte vontade de se apostar na transição energética e no meio ambiente”, ressalta o cientista político.
A sinalização positiva da política externa no governo Lula deverá trazer novas parcerias entre o Brasil e a França, principalmente na transição energética. Outra aposta do governo brasileiro é a concretização do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. A estimativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é de um superávit comercial de US$ 80 bilhões no Brasil a partir do acordo. Contudo, alguns entraves podem dificultar as tratativas, entre eles o agronegócio francês.
Segundo informações do Governo da França repassadas pela Embaixada, o presidente Emmanuel Macron cobra a inclusão de garantias sobre o cumprimento dos compromissos climáticos e de biodiversidade e a submissão dos produtos importados às mesmas regras, incluindo as fitossanitárias, a que estão sujeitos os itens europeus.
“A Comissão Europeia está trabalhando para obter essas garantias de nossos parceiros do Mercosul. As discussões sobre o projeto estão em andamento. A questão central do debate é como implementar o acordo de livre-comércio de forma a integrar a preocupação global sobre clima, biodiversidade e saúde, cujas crises impactam todos os países. Uma das respostas europeias foi a regulamentação que exige a certificação dos produtos importados”, informou.
Por outro lado, a União Europeia disse estar disposta a ajudar as empresas do Mercosul a se adaptarem ao novo contexto. O impasse continua.
O professor Estrada afirmou não saber se o acordo será efetivado diante do entrave político, mas defendeu a relação entre Brasil e França. “A parceria estratégica entre os dois países tem de ser aprimorada. Há projetos muito concretos na área da defesa, mas também de investimentos no meio ambiente, que têm de ser destacados.”
Em 2025, foi marcada a reedição do Ano do Brasil na França e da França no Brasil para estreitar a cooperação entre os países em áreas como arte, pesquisa, transição energética e preservação do meio ambiente. As oportunidades estão postas, e há um objetivo em comum: o desenvolvimento sustentável.
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Joyce Ribeiro
Repórter na Esfera Brasil
Responsável pelo conteúdo publicado na página da organização dentro da Exame. Foi repórter de Cidades do Portal R7, da Record, por três anos. Trabalhou como repórter, produtora e apuradora da CBN por 11 anos.