O recado da sociedade para a educação formal

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Mais flexível, prática e próxima das empresas: como será a universidade do futuro

Evento na Espanha reuniu 700 reitores do mundo todo — e mostrou que, na visão dos próprios líderes, as universidades precisam se reinventar

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Evento na Espanha reuniu 700 reitores do mundo todo — e mostrou que, na visão dos próprios líderes, as universidades precisam se reinventar

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Por Luciana Lima

Publicado em 12/05/2023, às 18:55.

Última atualização em 09/08/2023, às 16:14.

O recado da sociedade para a educação formal

Valência Em meados dos anos 2010, quando gigantes de tecnologia e startups começaram um movimento para deixar de exigir diploma de ensino superior para algumas vagas, muita gente defendeu que ali era o começo de uma mudança de paradigma e o início da morte das universidades como conhecíamos. Mais do que simples alarmismo, a notícia se ancorava numa percepção cada vez maior de que as universidade e o modelo de educação formal estava falhando ao preparar os alunos para um mundo que mudava cada vez mais rápido e exigia habilidades novas a cada ano. Em 2017, por exemplo, o Fórum Econômico Mundial, no relatório Futuro do Trabalho, fez um alerta: 65% das crianças que estavam começando o primário iriam trabalhar em empregos que sequer existiam. Dez anos antes, uma pesquisa do Sistema Firjan também já apontava que para 65,6% dos estudantes universitários brasileiros as universidade não preparavam para o mundo dos negócios de forma satisfatória.

Não é raro ouvir de líderes de Recursos Humanos, que penam para encontrar talentos com habilidades como resolução de problemas, pensamento analítico e flexibilidade, o coro de “as universidades não preparam mais os alunos para as necessidades das empresas e do mundo de hoje”. O recado da sociedade e das empresas, na esteira da multiplicação de edtechs, é bem claro: as universidades precisam se reinventar e oferecer uma educação conectada com as necessidades dos negócios. E, a julgar pelo do clima que pairou sobre o V Encontro Internacional de Reitores, evento para debater tendências de educação e sociedade organizado pela Universia, empresa de educação do Banco Santander, os líderes das universidades entenderam esse recado — e estão dispostos a discutir como fazer isso sem abandonar o caráter humanístico das instituições.

O evento que terminou na última quarta-feira, 10, reuniu mais de 700 reitores de 14 países em Valência, na Espanha, para discutir, justamente, como as instituições poderiam contribuir com a necessidade de formação ao longo da vida, estimular o empreendedorismo e inovação e criar redes de interconexão no mundo em que as fronteiras ficaram mais flexíveis. Além das mesas de debate, o evento também contou com palestras de nomes como Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano, e Tim Berners-Lee, criador do Word Wide Web.

Abertura do V Encontro Internacional de Reitores, evento da Universia, empresa de educação do Santander, em Valência na Espanha

Educação por módulos

No painel “Flexibilizando formatos”, Daniel Castanho, co-fundador e presidente do conselho de administração da Ânima Educação, dona das faculdades como Anhembi Morumbi e São Judas, foi categórico: as universidades precisam se reinventar o mais rápido possível. “As universidades precisam se adaptar não só ao mercado de trabalho de hoje, mas se antecipar ao mercado. A proposta de valor das instituições não pode ser mais entregar conteúdo puro e simples, mas ser um lugar de mentoria onde o aluno vai entender e dar significado para as inovações”, declarou.

Para ele, assim como o mundo do trabalho, as universidades devem adotar o modelo híbrido de ensino e os cursos com currículos rígidos serem substituídos por módulos e projetos em parceria com empresas. Nesse contexto, ele argumentou, a tendência global é a educação universitária ser desmembrada em módulos e projetos no médio prazo. “As pessoas não vão entrar mais em um curso, mas na universidade. Essa lógica de graduação em quatro anos, dois anos de pós-graduação ou mestrado vai mudar porque não vai existir ex-alunos, com o lifelong learning as pessoas precisarão se atualizar constantemente”, disse.

Como concretização dessa tendência, Castanho deu como exemplo um projeto realizado entre o conglomerado educacional e a ONG Gerando Falcões, em que alunos tiveram que identificar 12 grandes questões de comunidades para gerar 8 frentes de atuação dedicadas a resolver essas demandas. Outra iniciativa foi um fundo de venture capital da universidade, o Ânima Venture, criado para financiar ideias empreendedoras dos alunos.

Enrico Schleiff, presidente da Goethe University Frankfurt am Main, na Alemanha, apontou para o fato de que as universidades precisam olhar mais para dentro e ser mais críticas. “Precisamos reconquistar a confiança e a expectativa da sociedade. Como universidade deveríamos ser esse lugar de transformação, mas não falamos sobre como transformar a si mesmas”, disse.

Para ele, a educação ficará cada vez mais longe da sala de aula tradicional e as universidades terão que focar em flexibilizar os currículos, personalizando o conteúdo com as demandas dos indivíduos, incluindo cursos part-time e outros formatos. “Para isso, precisamos empoderar os docentes e ensiná-los também. Não acreditem que todos são nativos digitais”, alertou.

Aprender fazendo

A necessidade de trazer um viés de empreendedorismo para o currículo dos alunos foi defendida por Rosa Devés, reitora da Universidade do Chile. “Na nossa instituição acreditamos muito na ideia de ‘aprender criando valor’ e que podemos oferecer uma formação que estimule o empreendedorismo. Isso já existe, mas costuma estar marginalizado em algumas disciplinas como Negócios e Engenharia. Mas o que queremos é ensinar não só a resolver problemas, mas detectar oportunidades. Isso ainda é um desafio de ser implementado em todos os currículos de todos os cursos”, disse.

David Garza Salazar, reitor e presidente executivo do Tecnológico de Monterrey, que fica na mesma cidade que vai receber a primeira fábrica da Tesla na América Latina, relembrou a importância de formar alunos capazes de lidar com os grandes problemas do nosso século, como a descarbonização das economias e inteligência artificial.

“Precisamos ter uma mentalidade de empreendedorismo, independente do curso, se é Engenharia, Negócios. E isso só é possível convidando os alunos para fazer, só ensinar empreendedorismo não basta. Por isso, 50% dos nossos alunos têm experiências práticas em empreendedorismo. Também precisamos mudar a gestão da incerteza nas universidade. Temos de deixar a mentalidade de fazer apenas o que já foi testado e deixarmos de lado as críticas para ideias inovadoras. Inovação precisa de erro e o erro, ainda, não combina com o mundo acadêmico”, declarou.

Painel “Colaborando Com Governos, Indústria E Sociedade” que contou com a presença de Eva Alcón Soler Reitora da Universitat Jaume I de Castelló , na Espanha; Ricardo Villanueva Lomeli, Reitor da Universidad de Guadalajara, no México; Maritza Rondón Rangel, Reitora da Universidad Cooperativa de Colombia e Lynette Ryal, CEO da MK:U, no Reino Unido

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O impacto entre colaboração empresa e sociedade

Para além do discurso, algumas universidades também compartilharam como elas estão, de fato, aproximando a academia das empresas. No painel “Colaborando Com Governos, Indústria E Sociedade”, Martiza Rondón Rangel, reitora da Universidade Cooperativa da Colômbia, afirmou que a instituição mede regularmente o nível de colaboração com a iniciativa privada por meio da quantidade de empresas que possuem na rede parceira, mas também de forma qualitativa, entendendo como a universidade contribuiu para a empregabilidade de profissionais.

“Temos um estudante que cursa Ciência da Computação conosco que trabalhava há 11 anos como repositor de supermercado. Descobrimos que a sua paixão, na verdade, era programação e então oferecemos para ele uma oportunidade em nossa instituição e uma vaga de emprego. Ele está prestes a se formar aos 50 anos. Ou seja, existe um impacto quantitativo, mas qualitativo, de como transformamos a vida de uma pessoa”, disse. “Temos um diálogo constante entre empresas e Ministério do Trabalho para entender as necessidades do mercado. A universidade tem esse papel de colocar em ação necessidades globais”, afirmou.

A importância de equilibrar as necessidades do mercado com a vocação da academia de contribuir com a formação humanística dos alunos foi algo defendido por Ricardo Villanueva Lomeli, Reitor da Universidad de Guadalajara, no México. Ele cita que, há algum tempo, as empresas pressionavam a instituição por um modelo de graduação específica que focasse apenas em habilidades técnicas. “Nós dizíamos que não, que não daríamos um diploma para um profissional apertar um botão. Que era preciso ensinar filosofia, matemática básica. Foi um debate que levamos por ano. E, agora, 50 estudantes estão se formando por meio dessa parceria”, disse.

Para ele, as universidades terão que caminhar para um conteúdo mais transversal onde mesmo cursos de exatas tiverem de contar com conteúdos de filosofia, ética, sociologia. Isso porque, para ele, as universidades precisam formar não só profissionais mas seres humanos de forma integral. “As universidades precisam dançar conforme a dança, precisamos ser adaptáveis, rápidos e flexíveis. Não podemos ser elefantes. Ao mesmo tempo, a sociedade precisa entender que temos códigos éticos diferentes. A nossa pista (de dança) não é a economia e, por isso, dançamos mais lentamente”, afirmou.

*a jornalista viajou a convite do Santander 

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Créditos

Luciana Lima

Luciana Lima

Repórter de Carreira

Formada pela PUC-SP, cobre mercado de trabalho e Recursos Humanos há sete anos. Foi editora-assistente da VOCÊ S/A e VOCÊ RH e repórter do Jornal Primeiramão. Na EXAME é Repórter de Carreira e apresentadora do podcast Entre Trampos.

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