Para quatro em dez empresas brasileiras, e-commerce é só 10% da receita
Com a crise do coronavírus e lojas fechadas, companhias têm precisado se voltar ao online. Mas, na prática, poucas estão estruturadas no comércio eletrônico
Carolina Riveira
Publicado em 1 de abril de 2020 às 13h40.
Última atualização em 1 de abril de 2020 às 14h56.
Mais de 95% dos shoppings fechados ou com atividade reduzida. Lojas fechadas nas maiores cidades do país. Pessoas evitando sair em público. A quarentena forçada que se abateu por boa parte do território brasileiro, incluindo as cidades do interior, atinge o varejo em cheio.
Neste cenário, as empresas adotaram o discurso de que as vendas não param e continuarão no online . Mas, na prática, a realidade é mais dura. Um estudo da Boa Vista, empresa que gerencia o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) e serviços como análise de CPF, descobriu que, para 42% das empresas brasileiras, as vendas online representam até 10% do faturamento.
Na sequência, 22% tira entre 10% e 30% do faturamento da internet. Assim, de dez empresas brasileiras, seis ainda dependem do varejo físico para obter 70% ou mais de sua receita.
Na outra ponta, só 20%, ou duas em cada dez empresas, conseguem obter online mais da metade da receita ( veja no gráfico abaixo ).
O baixo faturamento fora do mundo físico acontece ainda que 39% das empresas afirmem fazer negócios online. Ou seja: as empresas já estão na internet, mas ainda vendem pouco por meio dela.
O estudo ouviu 350 empresas entre janeiro e fevereiro. As companhias entrevistadas incluem nomes de diferentes portes (micro, médias e grandes empresas) e representantes dos três principais setores da economia (comércio, indústria e serviços). A margem de erro é de 3% e o grau de confiança é de 80%, segundo a metodologia da Boa Vista.
A baixa penetração do comércio eletrônico é uma realidade no Brasil. Dados compilados pela eBit/Nielsen e por bancos como o Bradesco BBI mostram que o comércio eletrônico brasileiro representa entre 4% e 6% das vendas do varejo. Em países como a China, o e-commerce já responde por mais de 10% das vendas.
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Para as empresas entrevistadas pela Boa Vista, as maiores barreiras para vender online são: falta de conhecimento (18%); dificuldades de comunicação para atingir o público (16%); e falta de mão de obra qualificada para tocar o negócio (15%). A falta de método de prevenção de fraudes, o fato de a marca ser pouco conhecida (dificultando os esforços de marketing) e as barreiras logísticas para a entrega dos produtos também estão entre os problemas citados por mais de 8% das companhias.
Dentre as empresas que usam ferramentas para vendas online, a maioria (61%) usa sites de terceiros, como espaços de marketplace — quando uma grande varejista vende produtos de vendedores parceiros em seu site e tira uma parte da receita da venda.
Na pesquisa da Boa Vista, o Mercado Livre é usado por 15% das empresas entrevistadas. Outras 22% citam outros sites (de lojas parceiras ou fornecedores). São mais raras, portanto, as empresas que usam meios próprios para vender. São 39% (quase quatro em cada dez empresas) as que usam e-mail ou site próprio para vender.
No coronavírus, a corrida pela internet
A baixa penetração do e-commerce no Brasil será especialmente um problema para as empresas em meio ao coronavírus. Na quarta semana de março, a primeira completa de quarentena em muitos estados, a atividade do varejo caiu 52,3% no Brasil, segundo dados da adquirente Cielo. No acumulado do mês, a queda é de 20,3%. Houve baixas mesmo antes das medidas mais bruscas de quarentena — em São Paulo, a quarentena total no estado começou somente em 23 de março.
Na corrida para driblar a crise e vender online, as parcerias via marketplace devem se fortalecer, com empresas menores usando a rede de logística e vendas já existente nas grandes varejistas. O Mercado Livre é o maior marketplace do Brasil: mesmo não vendendo produtos próprios, somente de terceiros, a empresa responde por um terço das vendas no comércio eletrônico brasileiro, segundo dados de 2018 do Bradesco BBI.
Além dos argentinos, outras varejistas como B2W (de Americanas.com e Submarino) e Magazine Luiza vêm ampliando nos últimos meses seus projetos de marketplace.
No Magalu, a participação do marketplace foi de 16% das vendas do e-commerce no quarto trimestre de 2018 para 27% em 2019. Na B2W, foi de 57% para 64% no mesmo período. Na Via Varejo, o marketplace foi de 20% das vendas online para 24%.
Para atrair os vendedores menores, o Magalu anunciou no ano passado, por exemplo, que cobriria os custos de entrega de parte dos pedidos feitos no marketplace e usaria sua rede logística para entregá-los em até 48 horas (a média de prazo de entrega no Brazil é de 13 dias, segundo a empresa de inteligência Compre&Confie). Na B2W, o serviço de entrega da empresa já atende a 95% dos vendedores na plataforma. Serviços como a retirada em loja física de produtos comprados online também estão sendo estendidos aos vendedores parceiros nas principais redes varejistas.
Nesta quarta-feira, 1º de abril, o Mercado Livre também anunciou parceria com a empresa de software de gestão para o varejo Linx para que as lojas clientes, a maioria fechada, virem centros de distribuição. Assim, as lojas da Linx ganham espaço de venda no e-commerce e o Mercado Livre, por sua vez, ganha pontos de distribuição físicos para agilizar a entrega.
Outras empresas vêm também lançando serviços para que pequenos empreendedores consigam vender online — do setor de pagamentos, como Ebanx ou Cielo, a startups com foco em supermercados. Enquanto isso, as companhias que conseguem estão reestruturando a operação para começar a fazer tudo pela internet. A WebMotors anunciou nesta quarta-feira que passará e entregar os carros na casa dos clientes. A Ri Happy, de brinquedos, passou a aceitar pedido até pelo WhatsApp.
À EXAME, um executivo de uma startup de entregas disse que, por ora, não houve grande alta na demanda online por produtos menos essenciais, como eletrônicos, eletrodomésticos, moda e entretenimento (como livros e brinquedos ).
O foco está ainda em supermercados e restaurantes — onde ganham empresas como iFood e Rappi. Mas à medida que a quarentena se prolonga, os brasileiros devem voltar a atenção para outras categorias que não podem — ou não querem — comprar fisicamente em meio à quarentena. E é aí que as empresas precisarão estar preparadas.
Ainda que o isolamento acabe em algumas semanas (o que alguns especialistas de saúde já começam a descartar ), analistas apostam que o consumidor também terá menos confiança para frequentar locais fechados nos próximos meses, como shoppings e grandes lojas. Na China, primeiro país afetado pelo coronavírus, o varejo caiu mais de 20% no primeiro bimestre do ano.
A saída será usar o online para tentar amenizar o baque. As lojas fechadas devem acabar por levar a uma corrida digital forçada em uma série de empresas. Mas com tantas delas tendo 90% do faturamento ainda vindo no mundo físico, o desafio será grande.