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Os desafios do Centro-Oeste para 5 empresas emergentes

Conheça cinco negócios que estão ajudando a resolver os principais problemas da região

Leonardo Bastos, da Cienge: Instalação e manutenção de antenas, fibra óptica e equipamentos que melhoram o sinal do celular e da internet 3G (Cristiano Mariz / EXAME PME)
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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2014 às 13h58.

São Paulo - os últimos anos, a economia do Centro-Oeste tem ganhado mais importância no cenário nacional. Em 2002, a região era responsável por 8,8% de tudo o que era produzido no Brasil. Em 2014, esse indicador deverá chegar a 9,7%, de acordo com o Itaú Unibanco. De 2008 a 2013, o Centro-Oeste foi a região que mais cresceu — uma média de 3,7% ao ano.

Em 2011, a região se tornou a maior produtora nacional de grãos. Mas o crescimento trouxe efeitos colaterais. As safras recordes são transportadas a duras penas numa região onde apenas 25% das estradas estão em boas condições de circulação.

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As telecomunicações têm muito a melhorar — embora apresente a maior proporção de habitantes com celular, a região é a que tem menos antenas para captar o sinal dos aparelhos. “O crescimento repentino trouxe desafios que deverão demorar anos para ser superados”, diz Renato Pavan, sócio da consultoria Macrologística, que no ano passado divulgou amplo estudo sobre os desafios do Centro-Oeste.

A terceira reportagem da série Sou Empreendedor — Meu Sonho Move o Brasil 2014 apresenta cinco empresas que estão ajudando a resolver gargalos da região. Assim como parte da população local, alguns empreendedores vieram de longe para fazer a vida no Centro-Oeste.

O baiano Jefferson Motta está à frente da RED, de Taguatinga, no Distrito Federal, que ajuda artistas a obter recursos para seus projetos. O mineiro Lindolfo Ferreira Neto fundou a Repram, de Campo Grande, que ajuda a reciclar o lixo reunido por catadores locais. Há também nativos do Centro-Oeste.

O brasiliense Lucio Gonçalves, da Simple, ajuda órgãos públicos a empregar bem seus recursos. Os engenheiros Leonardo Bastos, da brasiliense Cienge, e José Roberto Marques, da sul-mato-grossense Egetra, atuam em duas áreas primordiais para o avanço da região — telecomunicações e transportes. Conheça suas histórias.

Reformas para melhorar o estado das rodovias

Há 40 anos, o sul-mato-grossense Jovair Faria de Freitas, de 66 anos, trabalha como taxista nas ruas de Paranaíba, cidade de 40.000 habitantes a 410 quilômetros de Campo Grande. Uma vez por semana, ele dirige seu Chevrolet Prisma pelos 80 quilômetros da rodovia que liga Paranaíba a Inocência, de 7.000 habitantes.

A maioria das viagens é para transportar moradores de Inocência que vão às compras em Paranaíba. Até o fim de 2013, fazer esse trajeto não era nada confortável. A estrada, que foi asfaltada nos anos 70, estava esburacada. Era comum cruzar com motoristas parados no acostamento com a suspensão do carro em frangalhos. “Eu tinha de dirigir em ziguezague para desviar da buraqueira”, diz Freitas.

No primeiro trimestre de 2014, a rodovia foi recauchutada. A pista ganhou uma camada de um asfalto especial que resiste ao calorão do Centro- -Oeste e se deteriora menos. Novas placas foram instaladas, e a sinalização ficou mais evidente. As mudanças tornaram o trabalho de Freitas mais tranquilo e seguro. “Hoje, levo 50 minutos num percurso que antes eu demorava até 2 horas.”

O projeto de recuperação da estrada que liga Paranaíba a Inocência foi feito pela Egetra, empresa de Campo Grande que mapeia trechos malconservados, faz projetos de recuperação e fiscaliza a execução das obras.

A empresa foi fundada em 2012 pelos engenheiros José Roberto Marques, de 39 anos, e Henrique Gaban Ribeiro, de 26. Ambos trabalhavam em escritórios de engenharia e decidiram largar o emprego para aproveitar as oportunidades que as safras recordes vêm trazendo para as empresas do setor de infraestrutura que atuam na região.

“A maior parte da produção agrícola vai de caminhão até os portos de Santos e Paranaguá, passando pelas estradas de Mato Grosso do Sul”, diz Marques. “A safra ainda pode aumentar, mas para dar vazão a ela as rodovias precisam melhorar.”

Estradas bem conservadas são minoria no mapa rodoviário do Centro-Oeste de hoje. De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes, só um quarto delas está em boas condições de tráfego. “É um índice muito baixo para uma região que concentra 40% da produção agrícola do país”, diz Renato Pavan, sócio da consultoria Macrologística, que em 2013 fez um estudo sobre transporte na região.

O panorama é de boas oportunidades para a Egetra, que em 2014 deverá faturar 2 milhões de reais, o dobro de 2013. Entre os clientes da empresa estão secretarias públicas de Transportes e concessionárias privadas que administram rodovias na região.

“Além de fazer projetos de conservação, estamos começando a prestar serviços de fiscalização das obras que deverão melhorar as estradas do Centro-Oeste”, diz Marques. “Vamos crescer junto com os investimentos previstos em rodovias nos próximos anos.”

Artistas mais preparados para receber recursos

Em junho do ano passado, a estudante brasiliense Júnia Lima Vieira, de 21 anos, assistiu a uma peça teatral pela primeira vez. O enredo contava a história do poeta cearense Patativa do Assaré, morto em 2002 aos 93 anos, por meio de bonecos que encenavam episódios de sua vida e recitavam seus poemas. Patativa trabalhou a vida inteira na roça — e seus versos retratavam a vida dura do sertanejo e seus amores impossíveis. “Fiquei bastante emocionada com a sensibilidade das poesias de Patativa”, diz Júnia.

A peça vista por Júnia não esteve em cartaz em nenhum teatro famoso. Foi encenada num espaço cultural a algumas quadras de onde ela mora, com a mãe, em Recanto das Emas, a 30 quilômetros de Brasília. A sessão fez parte de uma mostra com exposições de arte e apresentações de forró. “Fui porque a programação era gratuita”, diz Júnia.

A mostra cultural é um sonho antigo do artista plástico Roberto Cabeça, morador de Recanto das Emas há 20 anos. No ano passado, ele conseguiu 150 000 reais da Secretaria de Cultura do Distrito Federal para organizar o evento. “Sempre tive vontade de trazer artistas de fora para levar um pouco de cultura a meus vizinhos”, afirma Cabeça. “Faltava experiência para saber como ter acesso ao dinheiro que o governo reserva para projetos culturais.”

O problema foi resolvido com a ajuda do empreen­dedor Jefferson Motta, de 44 anos. Motta é dono da RED, empresa de Taguatinga que presta assessoria a artistas que precisam enquadrar seus projetos às exigências dos órgãos públicos que têm recursos para investir em cultura.

A empresa acompanha todas as fases de um projeto cultural — desde a definição do público-alvo e a escolha dos locais até a prestação de contas. “Muitos artistas têm ótimas ideias, mas não conseguem criar um projeto com começo, meio e fim”, diz Motta. “Uma das dificuldades é deixar claro como sua arte pode ser de interesse público.”

A remuneração da RED vem de comissões de até 15% do que os artistas arrecadam. Em 2013, a empresa faturou 1,2 milhão de reais, 10% mais do que em 2012. Desde a fundação, em 2009, a RED contribuiu para que mais de 50 projetos culturais de artistas do Distrito Federal e de Goiás tenham ganhado forma. Antes de criar a empresa, Motta trabalhava na Companhia de Saneamento de Brasília.

Nos fins de semana, ele tocava guitarra na banda do músico Dillo Daraújo, conhecido em Brasília por suas músicas que misturam rock com ritmos brasileiros, como samba e baião. Em 2008, Motta redigiu o projeto em que a banda pleiteava recursos para gravar o primeiro DVD. O projeto foi aceito — e recebeu 60.000 reais. “Percebi como é difícil atender às exigências de quem libera o dinheiro”, afirma Motta.

A falta de adequação é uma das explicações para que os recursos destinados a projetos de cultura no Centro-Oeste tenham caído 32% nos últimos três anos.

“Para ter acesso aos recursos públicos, é preciso medir que impacto o projeto terá na comunidade e fazer uma prestação de contas minuciosa”, diz Leonardo Hernandes, diretor de fomento da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. “Qualquer iniciativa que ajude os artistas a se profissionalizar contribui bastante para a disseminação da cultura na região.”

José Roberto Marques, da Egetra: Mapeia os trechos de estradas que precisam de reparos, faz projetos de melhorias e fiscaliza a execução das obras (Divulgação / Na Lata)

Aparelhos para melhorar o sinal do celular

Todos os meses, uma equipe de 60 funcionários da brasiliense Cienge percorre em média 5.000 quilômetros em regiões embrenhadas no interior do Centro- Oeste.

Muitas vezes as viagens incluem trajetos em estradas de terra encravadas em regiões cobertas de mata nativa.

Chegar a lugares tão inóspitos é o que permite à Cienge melhorar a comunicação entre os moradores.

“Somos especializados em instalar antenas e roteadores que levam sinal de celular e de internet a muitas cidades da região”, diz Leonardo Bastos, de 37 anos, um dos donos da Cienge.

Em 2014, a empresa deverá faturar 23 milhões de reais, 40% mais do que em 2013.

Os clientes são operadoras como Claro, Oi, TIM e Vivo. “As empresas costumam contratar prestadores de serviço locais, que conhecem bem a região, para cuidar da infraestrutura”, diz Bastos.

Quem analisa os dados sobre telecomunicações no Centro-Oeste percebe um descompasso evidente. Há 4.000 linhas de celular por antena — quatro vezes mais do que o recomendado pela União Internacional de Telecomunicações. Trata-se de um problema numa região em que o celular é uma importante forma de comunicação para mais de 80% da população.

Com poucas antenas e muitos aparelhos, o sinal tende a ficar ruim. Isso faz com que a maior parte dos usuários tenha mais de um aparelho — o que só piora o problema. “O Centro-Oeste tem um sexto da população do Sudeste, mas ocupa uma área consideravelmente maior”, diz Eduardo Grizendi, professor do Instituto Nacional de Telecomunicações. “Será preciso fazer investimentos pesados para adequar a estrutura no futuro.”

Bastos espera manter o ritmo de crescimento da Cienge com a instalação de antenas que captam o sinal de internet 3G em pontos remotos do Centro-Oeste. Apenas 40% dos municípios da região estão conectados à tecnologia 3G — proporção que só é maior do que a Região Norte. Algumas antenas já foram instaladas — e graças a elas alguns moradores têm conseguido se comunicar melhor.

Um deles é o analista de sistemas Julio Cesar Fernandes Junior, de 28 anos, que trabalha numa multinacional de insumos para o agronegócio que tem uma filial em Comodoro, cidade de 18 000 habitantes no norte de Mato Grosso. Junior passa a maior parte do tempo em visitas a produtores de grãos.

“Antes, precisava voltar ao escritório para pesquisar detalhes que geravam dúvidas”, diz. “Agora, com o 3G, consulto meus colegas pelo WhatsApp.” A tecnologia também aproximou Junior da irmã Kassieli, que estuda medicina na Bolívia. “Falo com ela pelo Skype no celular quase todos os dias”, afirma. “Antes, só pelo computador, o que era difícil por causa das viagens.”

Um destino adequado para o lixo das cidades

Dez anos atrás, o sul-mato-grossense Daniel Arguello, de 36 anos, começou a catar lixo pelas ruas de Campo Grande. Foram tempos difíceis. Para manter a casa onde morava com a mulher, os dois filhos e a sogra, Arguello precisava cumprir jornadas extenuantes de até 16 horas de trabalho por dia. Havia meses em que o dinheiro mal dava para pagar as contas e fazer as compras básicas.

“Não havia um espaço para guardar o que eu arrecadava, e os compradores se aproveitavam”, diz. “Era comum ter de vender tudo bem abaixo do preço de mercado.”

Em 2011, a vida de Arguello começou a mudar. Ele fechou uma parceria com a Repram, empresa de Campo Grande que compra entulhos de catadores e grandes produtores de lixo e revende o material beneficiado para indústrias transformadoras que utilizam matéria-prima reciclável.

A Repram passou a comprar tudo o que Arguello arrecadava a um preço tabelado, o que garantiu a ele uma renda fixa mensal. Em troca, Arguello se comprometeu a convidar mais catadores para fornecer para a empresa. O combinado deu origem a uma cooperativa que hoje reúne 70 catadores. Todo mês, eles vendem para a Repram 60 toneladas de lixo, que ficam num barracão cedido pela prefeitura.

A Repram comprou máquinas com as quais os catadores podem compactar o volume do lixo — o que permitiu ganhar espaço para juntar mais material. Hoje, a renda de Arguello é três vezes maior do que antes da parceria.“O entulho se tornou um bom negócio para mim.”

Histórias como essa enchem de orgulho o empreen­dedor Lindolfo Ferreira Neto, de 72 anos. Neto fundou a Repram em 1991, quando se aposentou como auditor fiscal da Secretaria da Fazenda de Mato Grosso do Sul. “A chegada de novas indústrias melhorou a vida da população, que passou a produzir mais lixo”, afirma. “As cidades em plena expansão não estavam preparadas para lidar com o entulho.”

Empresas como a Repram desempenham papel importante ao impulsionar uma atividade de baixa escala. Ao reunir e beneficiar o entulho recolhido por vários catadores, a Repram facilita o reaproveitamento do lixo numa região em que isso não é tão comum.

Apenas um terço dos municípios da região tem iniciativas de coleta seletiva, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe). No Sul e no Sudeste, oito em dez cidades fazem reciclagem.

Neste ano, a Repram deverá faturar 84 milhões de reais — 10% mais do que em 2013. Parte dessa expansão acontecerá por causa da inauguração de três aterros sanitários que a empresa está construindo nos arredores de Campo Grande e Rondonópolis, no interior mato-grossense. “Queremos atender prefeituras que precisam dar um destino ao lixo que não tem valor comercial”, diz Neto.

De acordo com uma lei federal aprovada há quatro anos, a partir de agosto de 2014 todas as cidades precisarão depositar os resíduos em locais que não contaminem solos e mananciais — seja em usinas que queimem o lixo, seja em aterros sanitários com camadas impermeabilizantes, como os que a Repram está construindo.

No Centro-Oeste, apenas 29% do lixo é depositado em locais adequados. “Empresas capazes de resolver esse problema têm boas chances de crescer”, diz Carlos Roberto Silva Filho, diretor da Abrelpe.

Ajuda para aplicar bem a verba de inovação

No ano passado, a ONU divulgou um dado alarmante. Pelos cálculos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 150 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos são vítimas de trabalho infantil em todo o mundo. É quase uma a cada seis pessoas nessa faixa etária.

Chegar a informações desse tipo — com base nas quais governos de todo o mundo estabelecem políticas públicas — não é uma tarefa simples. Para essa pesquisa do Unicef, foi preciso cruzar indicadores demográficos e econômicos de 197 países que têm bases de dados, escalas de medição e, sobretudo, idiomas diferentes.

Para isso, a ONU utilizou um conjunto de softwares que organizam e transformam informações de várias fontes numa linguagem comum e comparável.

Parte desse trabalho foi feita com um sistema da Simple, empresa de Brasília fundada pelo administrador Lucio Fittipaldi, de 37 anos, que no ano passado faturou 12 milhões de reais — o dobro de 2012. A Simple surgiu em 2011 depois que Fittipaldi trabalhou com processamento de dados por 11 anos no escritório do Unicef em Brasília. “A experiência me animou a criar meu software de interpretação de informações”, diz Fittipaldi.

Um dos desafios de Fittipaldi tem sido melhorar a produtividade dos recursos públicos aplicados em ciência e tecnologia no Distrito Federal. A Simple foi a responsável por implantar um sistema que deve simplificar os processos de seleção dos projetos de pesquisa que recebem dinheiro da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF).

O programa, que está em fase de testes, parece uma rede social. Ele vai conectar mais de 7 000 pesquisadores aos 50 gestores da fundação responsáveis pela liberação de recursos. Será possível mandar formulários, fotos e vídeos sobre as pesquisas e tirar dúvidas online.

“O software deverá extinguir algumas etapas do processo e reduzirá o tempo de análise dos pedidos de financiamento”, diz Vinicius Vivas, diretor de tecnologia da FAPDF. “As chances de alocar recursos em projetos muito parecidos vão diminuir.”

Usar bem os recursos de ciência e tecnologia é um desafio no Centro-Oeste. De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, os estados da região destinam, em média, 0,8% do orçamento para pesquisa e inovação — a menor proporção entre as cinco regiões.

“Quando os recursos são escassos, é ainda mais importante garantir que sua aplicação seja bem-feita”, diz Roberto Alvarez, gerente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial.

Os softwares da Simple deverão facilitar a vida de pesquisadores como a zootecnista Concepta Pimentel, que faz parte de um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília que testa tecnologias para aumentar a fertilidade de rebanhos bovinos. Essa é uma área em que há muito a avançar — os produtores brasileiros demoram, em média, quase três vezes mais tempo do que os americanos para preparar os animais para o abate.

“Novas tecnologias que ajudem a identificar as pesquisas que merecem mais recursos terão um impacto muito positivo no avanço da ciência brasileira”, diz Concepta. “Isso vai permitir que os pesquisadores dediquem mais tempo à busca de respostas para os desafios do país.”

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