PME

O papel do dono

O que aprender com empreendedores que descobriram que lugar deveriam ocupar em seus próprios negócios

Norberto Duarte, dono da MGD (Daniela Toviansky)

Norberto Duarte, dono da MGD (Daniela Toviansky)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

No romance policial Acima de Qualquer Suspeita, o escritor americano Scott Turow conta o caso de um promotor encarregado de desvendar um assassinato. No decorrer das investigações, ele constata, totalmente assombrado, que as pistas conduzem a si mesmo. Foi mais ou menos
assim com os empreendedores que aparecem nas próximas páginas. Em certo momento da trajetória de suas empresas, alguns deles precisaram descobrir por que elas não cresciam mais ou o que as fazia perder dinheiro e bons funcionários. Para outros, o acúmulo de pequenas tarefas era tanto que, ao final do expediente, não restavam forças nem para pensar no dia seguinte — que dirá planejar o que precisava ser feito no longo prazo.

Como no livro, conforme a busca avançava, todos os indícios apontaram para um culpado improvável — eles próprios. Esclarecido o mistério, todos puderam atacar a causa dos problemas e trazer os negócios de volta aos trilhos. "Eu assumo: a culpa era minha", disse o arquiteto Lauro Miquelin ao contar como a falta de clareza de seu verdadeiro papel prejudicou sua empresa de projetos L+M Gets, de São Paulo. "Achei melhor que fosse assim; o lado bom é que a solução também estava comigo."

Depois de ler essas histórias, pergunte-se: alguém está atrapalhando o crescimento de sua empresa? É preciso responder com bastante sinceridade e coragem, como demonstraram os pequenos e médios empresários desta reportagem, para admitir que é humano não ser bom em tudo — e também é humano não dar conta de tudo em que se é bom. O que vem em seguida é a descoberta de que esse primeiro passo era o mais difícil.

Em busca do tempo perdido
Norberto Duarte achava melhor fazer quase tudo sozinho — até que o acúmulo de tarefas o impediu de agarrar boas oportunidades

Às vezes, pode ser difícil se livrar de velhos hábitos. Em 2007, o engenheiro Norberto Duarte, de 53 anos, já fizera sua empresa, a MGD, atingir receitas de 6 milhões de reais ao ano. Grandes companhias, como Bradesco e TAM, o contratavam para elaborar projetos de redução de consumo de energia. Ainda assim, Duarte se comportava como nos tempos em que tinha apenas um funcionário e precisava fazer quase tudo sozinho. Só Duarte visitava novos clientes. E mais ninguém, a não ser ele, preparava as propostas comerciais — um extenso relatório que demonstrava quanto poderia ser poupado ao reduzir o desperdício de eletricidade. “Cada relatório tomava pelo menos uma semana de trabalho”, diz ele.

Duarte só pensou em rever seu estilo centralizador quando percebeu ter fechado os olhos para boas oportunidades que estavam a seu alcance. Ao avaliar os resultados da empresa, ele se deu conta de que a execução das obras era um negócio bem mais rentável do que a elaboração de projetos. "Já estávamos recusando novos clientes porque não conseguia atender todos", diz. "Com uma nova divisão para fazer as obras, aí que faltaria tempo mesmo." Duarte contratou gerentes para administrar as finanças e os projetos de engenharia. Ao mesmo tempo, promoveu funcionários, que passaram a visitar clientes e elaborar as propostas. Em seguida, criou um departamento de obras, que ajudou a MGD a faturar 19 milhões de reais neste ano, mais que o triplo de 2007. — Carla Aranha


Personalidades múltiplas
O arquiteto Lauro Miquelin e seus sócios faziam um pouco de tudo na empresa de projetos L+M Gets. Uma terapia de grupo ajudou cada um a encontrar seu melhor papel

Para grande parte dos donos de pequenas e médias empresas em crescimento, não é fácil encontrar espaço numa agenda carregada de compromissos urgentes para poder cuidar de aspectos cujos resultados só vão aparecer no longo prazo. Era essa a situação do arquiteto Lauro Miquelin, de 50 anos, fundador da L+M Gets, empresa de São Paulo que faz projetos de hospitais, clínicas médicas e laboratórios. É verdade que ele e seus cinco sócios também contribuíam bastante para o problema. "Queríamos fazer um pouco de tudo", diz ele.

Essa tentativa os levava a uma gincana impossível de terminar. Eles começavam este projeto, mas tinham de sair para acompanhar a execução daquele outro — de forma a, no caminho, dar uma passada naquele potencial cliente e, na volta, checar as finanças da empresa. Além disso, como não estava claro quem deveria tomar conta do que, de vez em quando algo deixava de ser feito em meio à correria, pois cada um partira do pressuposto de que determinada tarefa era atribuição de alguém que não ele.

A confusão roubava energias que deveriam ser canalizadas para o ativo mais precioso da L+M Gets — a capacidade criativa para dar formas concretas às soluções técnicas encontradas para as necessidades dos clientes. “Ficávamos discutindo quem deveria ter feito isso ou aquilo”, diz Miquelin. "Era um tempo precioso, que poderia ter sido transformado em algo de valor para nossos clientes."

Havia uma razão para a L+M Gets ser desse jeito. Os sócios ainda arrastavam consigo velhos hábitos da época em que a empresa era um pequeno escritório e eles tinham tempo para se reunir, quase todo fim de tarde, para bater papo sobre o andamento dos trabalhos e dividir tarefas do dia seguinte. Essa tolerância a um certo grau de informalidade não estava mais dando certo numa companhia com 120 funcionários — mas isso era algo difícil de extirpar da mentalidade deles. "A gente achava legal aquele jeito meio improvisado de fazer as coisas", diz. "Mas estávamos ficando malucos."

Havia-se que organizar as tarefas de acordo com o que fosse melhor para os negócios — e também para cada um. A L+M Gets, então, contratou uma psicóloga para pôr um ponto final na crise. Ela entrevistou os sócios e alguns dos funcionários a fim de ajudá-los a fazer uma espécie de breve autoanálise. O "quem sou eu" e "o que estou fazendo aqui" resultaram num organograma, que nunca tinha sido feito em quase 20 anos da empresa.

No novo desenho, as funções administrativas ficaram com nove funcionários, revelados durante o processo de análise como os mais adequados — todos integram um grupo que recebeu participações na empresa. A expansão anual, que era de 8% antes de 2006, quando aconteceram as mudanças, aumentou para quase 20%. Em 2010, as receitas devem chegar a 22 milhões de reais.

Agora, dos seis arquitetos, cinco se dedicam à arquitetura. Foi fazer outra coisa — por livre e espontânea vontade — a sócia Iside Falzetta, de 43 anos, que preferiu administrar o marketing e o departamento comercial depois de chegar à conclusão de que não gosta da profissão. "Não quero mais fazer projetos", diz Iside. "E se tiver de reformar minha casa vou chamar um pessoal aí." — G.S.


Dize-me com quem andas
Como o carioca Celso Niskier salvou a UniCarioca da crise ao se cercar de gente preparada para lidar com aspectos da gestão que iam além da sala de aula

Antes de completar 30 anos, o carioca Celso Niskier, hoje com 48, já havia se formado em engenharia, feito mestrado e fundado sua própria faculdade de processamento de dados — o centro universitário UniCarioca, no Rio de Janeiro — após voltar de um doutorado em Londres. Quinze anos depois, em 2005, ele era dono de um pequeno império escolar. Com 6 000 alunos, a UniCarioca obteve naquele ano receitas de 25 milhões de reais. Foi quando Niskier detectou algo gravíssimo. "O faturamento crescia, mas as dívidas também", diz ele. "Eu havia construído uma boa escola, mas não uma boa empresa."

Faltou a Niskier a companhia de gente preparada para lidar com aspectos da gestão que iam além da sala de aula. Sem esse apoio, ele calculou mal o efeito da expansão nas finanças. Os investimentos para abrir três novas unidades, que elevaram a estrutura da UniCarioca para cinco campi, drenaram o caixa. Niskier também não havia se preparado para enfrentar concorrentes que começavam disputar jovens das classes C e D — o mesmo público atendido pela UniCarioca. O aumento do número de alunos foi seguido de um crescimento ainda maior na inadimplência, que Niskier também não soube solucionar. "Planejei tudo pensando num cenário ideal", diz ele. "Faltou alguém que trouxesse meus sonhos para a realidade."

Niskier chamou consultores para ajudá-lo a tirar a UniCarioca do vermelho. Eles o aconselharam a demitir professores e a fechar uma unidade para diminuir as despesas. "Foi triste encolher os negócios depois de tanta expectativa", diz. Os sacrifícios deram resultado. Em 2010, as receitas da UniCarioca devem fechar em 25 milhões de reais — o mesmo patamar de antes da crise. Agora, as finanças estão a cargo de um profissional com experiência na administração de faculdades, contratado neste ano. Na cadeira de reitor, Niskier se dedica a garantir a qualidade das aulas e dos professores. "É o que eu sempre soube fazer direito", diz ele. "Deixei as finanças com quem entende disso." — G.S.


Ponto-final na chatice
Para fazer a BluePex voltar a crescer, o paulista Jefferson Penteado se livrou das tarefas burocráticas que o deixavam de mau humor e sem boas ideias

O crescimento de muitas pequenas e médias empresas é fruto do entusiasmo de seus donos para vasculhar o mercado e identificar tendências e necessidades — quase sempre perguntando diretamente aos consumidores o que eles desejam. Esse era o caso da BluePex, fabricante de softwares de segurança e servidores de internet de Limeira, no interior paulista. A empresa foi criada, em meados dos anos 90, pelo paulista Jefferson Penteado, de 41 anos, que na época deixou o emprego de programador para se arriscar no nascente mercado de internet. "Eu passava dias viajando, conhecendo pessoalmente minha clientela e ajudando a instalar os servidores da minha marca", diz ele. "Eu sempre sabia o que melhorar para enfrentar a concorrência."

Por muito tempo, esse contato direto com o mercado foi fundamental para a BluePex crescer até 60% ao ano. Mas, aos poucos, Penteado foi se afastando da linha de frente das vendas para atender a necessidades que ganharam importância conforme a empresa crescia. Penteado precisava controlar custos. Penteado precisava entender aspectos tributários que mudavam sempre. Penteado precisava repor funcionários que não davam certo. Penteado precisava... — talvez tivesse sido mais fácil fazer uma lista do que ele não precisava fazer. Há dois anos, Penteado chegou a seu limite. "Eu passava metade do dia preso no escritório, lendo relatórios chatos e assinando papéis em vez de ter ideias", diz.

Ninguém fica mesmo satisfeito ao fazer um monte de coisas de que não gosta, embora isso faça parte da vida de quem conduz uma pequena ou média empresa. Mas, no caso de Penteado, o grande problema é que esse esforço não estava servindo para muita coisa — já havia dois anos que a BluePex não progredia. "O faturamento de repente estacionou em 2,5 milhões de reais", afirma ele.

Bem, não fora assim tão de repente. Penteado pode até ter se dado conta dos problemas quando os números os mostraram, mas já fazia tempo que a BluePex andava doente. Com o dono absorvido pelas tarefas internas, os clientes — logo os clientes — haviam passado para segundo plano. "Aos poucos, deixei de saber quem os vendedores procuravam e se as visitas eram produtivas", diz Penteado. "A dificuldade para crescer era reflexo dessa acomodação." Ele precisava agir rápido. Primeiro, contratou  dois gerentes, a quem repassou as atribuições
do dia a dia. Depois, organizou um sistema de prestação mensal de contas. "É um balanço dos resultados, mas não falamos de cada coisa feita para atingi-los", diz. Os vendedores, por sua vez, foram orientados a municiar os engenheiros que fazem os projetos sobre as necessidades dos clientes.

A nova estrutura permitiu a Penteado tirar conclusões concretas. Uma delas foi que os servidores da BluePex estavam em desvantagem
em relação aos asiáticos, o que o levou à China no ano passado para procurar fornecedores. Agora, os equipamentos são produzidos na Ásia, seguindo projetos feitos pela BluePex no Brasil. A criatividade também voltou. Recentemente, Penteado lançou um antivírus especial para o mercado brasileiro. As mudanças ajudaram a tirar a BluePex da letargia. Neste ano, as receitas da empresa devem chegar a 5 milhões de reais, quase 70% mais que em 2009. — G.S.


Ela foi uma mãe
A bioquímica Janete Vaz se esforçou para tomar conta de cada funcionário da rede de laboratórios Sabin — mas chegou um momento em que eles cresceram

Até alguns anos atrás, a bioquímica Janete Vaz, de 56 anos, tomava conta do RH da rede de laboratórios Sabin, em Brasília, da qual é sócia. Era assim desde que ela e a também bioquímica Sandra Soares, de 58 anos, fundaram a empresa, em 1984. Nos 26 anos que se seguiram, o Sabin expandiu muito, sobretudo a partir de 2001, com a inauguração de unidades nas imediações de Brasília. Desde então, o crescimento se deu ao ritmo de 30% ao ano e o faturamento chegou a 119,3 milhões de reais no ano passado.

Quando o Sabin foi inaugurado, havia apenas três funcionários. Não era difícil para Janete conversar com todos para entender os desejos de cada um. Mas, com a expansão, o número de funcionários se multiplicou rapidamente — e chegou a 290 em 2003. Mesmo com tanta gente, Janete insistia em tentar tomar conta de todos os funcionários — desde apontar quem seria promovido até escolher o tecido dos uniformes. "Gerenciar pessoas é tão importante que eu achava que só o dono da empresa poderia mandar nessa área", diz

Apesar das boas intenções, no final de 2000 surgiu o primeiro indício de que os funcionários talvez não estivessem tão satisfeitos assim. Feitas as contas, 10% deles haviam saído para trabalhar nos concorrentes. Em conversas pelos corredores, Janete descobriu que boa parte do problema estava na falta de perspectivas. "Muita gente tinha medo de não crescer, pois não havia plano de carreira nem critérios para promoções", diz ela.

Para Janete, não foi fácil aceitar o diagnóstico de que a falha estava na gestão de pessoas — justamente a tarefa que ela fizera questão de abraçar. Naquele momento, Janete teve de se perguntar se o RH não tinha se tornado grande demais para ela. Seria possível desempenhar
bem a função e ainda comandar os negócios num mercado cada vez mais competitivo? "Compreendi que era hora de delegar a gestão de pessoas a outros", diz ela.

Janete entregou a missão de desenhar uma política para o RH aos próprios funcionários. O gerente de cada uma das 11 áreas reuniu-se com os subordinados para ouvir queixas e conhecer melhor os anseios de cada um. Das conversas saíram propostas, como a de um programa para formar líderes. Todos os anos, os gerentes escolhem funcionários que se destacaram em sua área. Eles participam de um curso que ajuda a identificar quem tem talento para administrar equipes ou quem se sairia melhor cuidando de assuntos técnicos. "Hoje, a maior parte das chefias é preenchida por gente da casa", diz Janete. Além disso, o Sabin dá participação nos resultados, exames gratuitos e ajuda para
estudos, casas e até festas de casamento. "Os problemas para manter os melhores funcionários sumiram", diz ela. "A rotatividade não
chega a 1% ao ano." — Raquel Grisotto 

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