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O homem que veste as crianças com a Kyly

Nos anos 80, o empreendedor catarinense Salésio Martins abandonou o jornalismo para montar uma pequena tecelagem. Hoje, ele é dono da Kyly, fabricante de roupas infantis que faturou mais de 220 milhões de reais no ano passado

Martins: "Aprendi que só é possível profissionalizar um negócio familiar se o dono preparar a empresa para a transição no comando" (Michel Teo Sin)

Martins: "Aprendi que só é possível profissionalizar um negócio familiar se o dono preparar a empresa para a transição no comando" (Michel Teo Sin)

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Da Redação

Publicado em 1 de agosto de 2012 às 06h00.

São Paulo - Há pouco mais de duas décadas, o catarinense Salésio Martins, hoje com 63 anos, tomou uma decisão que mudaria o rumo de sua vida. Ele trabalhava como repórter e dava aulas de português quando decidiu comprar dois teares usados e montar uma pequena tecelagem.

"Eu tinha três filhas pequenas, acumulava dois empregos e, com a ajuda de minha mulher, Claudete, procurava um meio de aumentar a renda da família", diz Martins. Aquela foi a origem da Kyly, fabricante de roupas infantis de Pomerode, no interior catarinense. No ano passado, a empresa faturou mais de 220 milhões de reais, 10% acima de 2010.

Neste depoimento a Exame PME, Martins conta como foi sua trajetória até aqui e quais são seus planos para o futuro.  

"Nasci em Major Gercino, uma cidadezinha no interior catarinense. Mu­dei para Blumenau na juventude. Fiz faculdade de letras e, antes de ser empreendedor, ganhei a vida como jornalista. Fui repórter em jornais e rádios de Blumenau nos anos 70 e 80. Na época, também dava aulas de português e redação em escolas da cidade.

Minha mulher, Claudete, cuidava da casa e de nossas filhas, mas sempre procurava um modo de ajudar a pagar as contas. Foi assim que ela comprou uma máquina de costura para fabricar roupas que depois vendia diretamente aos consumidores.  

Um dia, em 1985, fui cobrir um incêndio no depósito de algodão de uma indústria têxtil para o jornal em que trabalhava. Acabei entrando num depósito onde havia um tear desativado. Naquele momento, pensei que seria bom ter uma máquina como aquela. Imaginei que poderia produzir malhas de boa qualidade a um custo mais baixo do que minha mulher comprava para costurar. 

Algum tempo depois, numa festa na casa de um cunhado, conheci um rapaz que trabalhava na Hering, que já era uma grande empresa na época. Ele cuidava da manutenção de teares. Contei meus planos de abrir uma pequena tecelagem e que estava à procura de um tear usado para comprar. Dias depois ele me ­ligou para dizer que a Hering esta­­va ven­dendo dez teares pequenos. Compramos duas das máquinas e nos tornamos sócios.


A tecelagem se tornou um bom negócio, e minha mulher parou de costurar. Fabricávamos o tecido na garagem de casa e o vendíamos para donos de pequenas confecções. Como no começo havia poucos clientes, incentivei meu pai a investir numa confecção em sociedade com meus irmãos e me comprometi a fornecer o tecido.

A empresa, que se chamava na época Martins Malhas, não deu muito certo e a fábrica de meu pai acumulou dívidas. Um ano e meio depois, eu e meu sócio assumimos o negócio. Foi só então que larguei os empregos como jornalista e professor para me dedicar à empresa. Mais tarde rebatizamos o negócio de Kyly.

No início, fazíamos um pouco de tudo - roupas para adultos e crianças, malhas masculinas e femininas. Blumenau já era conhecida como um polo da indústria têxtil. Muitos compradores de grandes redes de lojas de São Paulo e do Rio de Janeiro vinham para a região em busca de fornecedores.

Foi assim que conquistamos grandes clientes daquela época, como Mappin e Mesbla. Eles desenvolviam as próprias coleções e nos pediam para produzi-las. A empresa era bastante enxuta, e por isso podíamos atender os grandes clientes com preços competitivos. 

Em 1988, com apenas 3 anos, a Kyly havia crescido a ponto de não caber nas modestas instalações que alugávamos em Blumenau. Por isso, comprei um terreno maior numa cidade vizinha, Pomerode, onde construí um galpão industrial para abrigar a fábrica. A malharia foi transferida para a nova sede no dia 18 de julho de 1988.

Era para ser um momento feliz, mas acabou deixando uma lembrança triste - meu pai infartou e morreu enquanto dançava na festa de inauguração. 

Eu e Claudete tivemos quatro filhas. As mais velhas são Taciane, de 37 anos, e Carine, de 32. Elas começaram a trabalhar na Kyly quando ainda eram adolescentes, no começo dos anos 90. Achava importante que se envolvessem com o negócio. Desde muito cedo elas demonstraram vocação para lidar com marketing e criação.


Depois de trabalhar um tempo na loja de fábrica que mantínhamos, Taciane começou a atender os compradores dos grandes clientes. Sempre que chegava um pedido de uma nova coleção, ela entrava em contato para tirar dúvidas ou pedir esclarecimentos sobre o trabalho. Às vezes, Taciane sugeria modificações e apontava alternativas para melhorar as peças ou diminuir os custos. 

À medida que ganhou experiência, Taciane passou a criar as próprias coleções. As roupas infantis que ela desenhava faziam o maior sucesso com os clientes. Percebemos que, para a Kyly, era um bom negócio. Crianças crescem rápido e precisam renovar o guarda-roupa com mais frequência do que os adultos.

Além disso, havia menos concorrência na moda infantil e dava para incluir peças de valor mais alto nas coleções, com estampas, bordados e costuras especiais. No final da década de 90, já havíamos parado de produzir coleções para adultos.  

A Kyly, com peças de cores fortes e vibrantes, ganhou mercado rapidamente no varejo multimarcas de roupas infantis. Eu enxergava uma oportunidade para vender também no exterior, principalmente em mercados como França e Espanha, mas havia um empecilho - na Europa, a preferência é por roupas infantis de cores mais sóbrias e menos chama­tivas. Por isso, decidimos criar uma segunda marca, a Milon, que seguia a tendência europeia. 

Lançamos a Milon há seis anos, e fiquei surpreso com os resultados. Havia um grande mercado para a marca no Brasil, formado por mães que não gostam de vestir os filhos com cores chamativas. Nos últimos anos, a Milon cresceu aceleradamente e hoje já representa mais de 40% do faturamento da empresa. 

Desde o começo, mantive uma loja de fábrica para vender parte da produção diretamente ao consumidor. Com a Milon, achei que era hora de aumentar a presença da marca no varejo. Por isso, em 2010, comecei a abrir lojas da Milon em shopping centers. Hoje, a rede tem 17 unidades, e outras 13 serão abertas até o fim do ano. Por enquanto, todas as lojas são próprias. No futuro, pretendo expandir com uma rede de franquias, mas ainda não chegou o momento. 

Anos atrás, meu primeiro sócio saiu do negócio. Eu e um de meus irmãos compramos sua participação. Deixei o dia a dia da Kyly em 2010, quando a empresa completou 25 anos. Passei o comando para um executivo que trabalhou comigo durante sete anos. Infelizmente, os resultados não apareceram conforme o previsto. Meu relacionamento com o presidente ficou desgastado e, há pouco mais de um ano, ele saiu da empresa. 

A mudança não poderia ter dado certo mesmo. Não preparei a empresa adequadamente para a transição. Decidi não voltar. Minha filha Taciane, que era diretora de marketing, assumiu o comando. Agora, vamos fa­zer uma nova tentativa de profissionalizar o negócio. Recentemente, formalizamos um acordo de acionistas que determina qual é o papel da família e o dos administradores.

Estou criando um conselho de administração, formado por mim, meu irmão e três membros independentes. Nosso papel será definir as estratégias e acompanhar o trabalho de um novo presidente, que estamos selecionando no mercado. Taciane voltará para a área de marketing, que é a sua especialidade. 

Minha segunda filha, Carine, também trabalha na Kyly. Ela é responsável pela gestão das marcas e das lojas. As duas irmãs mais novas estão seguindo caminhos independentes e não trabalham na empresa. Desde que saí do comando da Kyly, tenho me dedicado a tocar novos negócios. Tenho uma indústria química que produz insumos para tinturaria. Também sou sócio de uma fábrica de cimento. Não vou parar de trabalhar. Como empreendedor, acho que ainda tenho muito para construir. "

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