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O futuro do transporte compartilhado pode chegar na garupa de uma moto

Estratégia que pode atender ao mesmo fim de um futuro autônomo, mas usando muito menos tecnologia, está ganhando espaço na Índia

Nomita D.P. e sua filha em uma scooter alugada da Bounce, em Bangalore (Índia): startups estão apostando no compartilhamento de "duas rodas" como opção mais adequada (Rebecca Conway/The New York Times)

Nomita D.P. e sua filha em uma scooter alugada da Bounce, em Bangalore (Índia): startups estão apostando no compartilhamento de "duas rodas" como opção mais adequada (Rebecca Conway/The New York Times)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 4 de junho de 2019 às 06h00.

Última atualização em 4 de junho de 2019 às 06h00.

BANGALORE, Índia – Na previsão da Uber para o futuro, carros autônomos nos levarão para todos os lados, eliminando a necessidade de milhões de motoristas humanos.

No entanto, enquanto a gigante do setor de transporte por aplicativos se preparou para vender 10 bilhões de dólares (mais de 40 bilhões de reais) em ações ao público para viabilizar a produção desses veículos, uma estratégia que pode atender ao mesmo fim de um futuro autônomo, mas usando muito menos tecnologia, está ganhando espaço na Índia: motocicletas que os clientes alugam e dirigem eles mesmos.

Diversas startups – apoiadas pelas grandes empresas de capital de risco do Vale do Silício e pela concorrente da Uber na Índia, a Ola – estão apostando no compartilhamento de "duas rodas" como opção mais adequada às necessidades financeiras e de locomoção do que os carros, que são a base da indústria de transporte por aplicativos.

O modelo tradicional tanto da Uber quanto da Ola já está atingindo seus limites, declarou Vivekananda Hallekere, cofundador e executivo-chefe da Bounce, que disponibiliza mais de seis mil motos que as pessoas podem pegar e devolver em qualquer lugar da cidade de Bangalore, no sul da Índia.

Ele completou que as viagens de carro são muito caras para a maioria dos indianos e os motoristas reclamam das longas horas e do baixo retorno, além da dificuldade que os aplicativos têm de lucrar. "Não tem como ser viável com um motorista. E, se os usuários sabem como manejar uma scooter, qual a necessidade dele?", questionou Hallekere.

Ao se concentrarem na grande parcela da população que não consegue arcar com os serviços de transporte via aplicativos, essas startups estão abrindo uma nova frente na batalha global pela oferta de serviços de compartilhamento de transporte.

Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Uber superou o mercado dos táxis e criou uma nova demanda por corridas ao convencer dezenas de milhares de consumidores a embarcar em um carro com um motorista qualquer chamado por um aplicativo.

Mas em países em desenvolvimento, como a Índia, onde a venda de veículos de duas rodas ultrapassa a de carros em 6 para 1, a Uber e seus concorrentes precisam descobrir uma abordagem diferente ou correm o risco de ter os negócios prejudicados.

A Índia, com 1,3 bilhão de habitantes, é o maior mercado mundial de motocicletas. São vendidos aproximadamente 20 milhões de novas unidades por ano, desde as scooters de baixa potência até as robustas Harley-Davidson. Agentes do mercado estimam que 200 milhões de pessoas possuem habilitação para dirigir pelo menos um veículo básico de duas rodas.

Recentemente, em um dia da semana de manhã, Mallikarjun D., engenheiro de software, sacou o smartphone e reservou uma moto elétrica pelo aplicativo da Vogo, concorrente da Bounce, para percorrer os 14 quilômetros e meio até seu trabalho na Infosys, gigante de TI e serviços de terceirização.

Enquanto colocava o capacete e buscava o veículo em um jardim que serve como estacionamento da Vogo no bairro, ele contou que costuma pegar o ônibus disponibilizado pela empresa. Mas como estava atrasado e por uma taxa promocional de 10 rupias (56 centavos de real) poderia ter a moto durante o dia inteiro, essa pareceu ser a solução perfeita. "É um custo razoável, além de ajudar o meio ambiente", disse Mallikarjun.

Vogo e Bounce estão competindo pelo domínio do mercado em Bangalore, polo de tecnologia da Índia onde também está estabelecida a Ola, que está observando o movimento de perto. A Vogo exige que os clientes retirem e deixem as motos em locais designados, ao passo que os produtos da Bounce podem ser coletados e devolvidos em qualquer lugar.

Nomita D. P., que estava comprando uniforme escolar com a filha de dez anos perto da estação de metrô Jayanagar, disse que usava a Bounce havia cinco meses. É mais barato do que pegar um tuk tuk, os táxis de três rodas populares na Índia, e mais confiável do que chamar um Uber ou Ola, "Você espera por um carro e depois eles cancelam. O motorista do tuk tuk se recusa a levá-lo porque você está indo na direção errada", exemplificou Nomita, editora de textos científicos que trabalha em casa.

Hoje em dia, não é fácil encontrar motocicletas nem da Vogo nem da Bounce. Ambas estão correndo para conseguir colocar números suficientes na rua – o objetivo é se aproximar de 50.000 cada uma –, para que os serviços que ofertam sejam verdadeiramente convenientes em Bangalore. O negócio se expandirá para outras cidades.

Esse mercado embrionário enfrenta outros desafios. Na estação de Jayanagar, o bagageiro de duas motos da Bounce não abria, impossibilitando o acesso ao capacete – um problema frequente. Já a scooter de Nomita estava sem o espelho retrovisor. Muitos veículos estavam sujos.

Ainda não está claro qual será a viabilidade desses serviços no longo prazo. Assim como fizeram Uber e Ola no início, as duas empresas estão oferecendo promoções para abaixar o preço das corridas, o que incorre em muitas despesas. "O propósito é que o consumidor crie o hábito", justificou Anand Ayyadurai, cofundador e executivo-chefe da Vogo, argumentando que os custos serão reduzidos com o passar do tempo.

Há também a lição ensinada pelo caso do compartilhamento de bicicletas na Índia, que foi anunciado como uma grande ideia, mas fracassou. O trânsito caótico do país e as longas distâncias entre o sistema de transporte público, as residências e os locais de trabalho fizeram com que o serviço não fosse atraente, forçando o encerramento de muitas operadoras.

"É um negócio muito complicado, muito difícil. Ainda assim, a demanda é insana", afirmou Shailesh Lakhani, sócio na empresa de capital de risco Sequoia Capital, investidora da Bounce. 

Tanto a Vogo quanto a Bounce esperam cortar custos constituindo frotas de motocicletas elétricas, que são menos dispendiosas para operar do que as que rodam com gasolina. Elas esperam que outra startup de Bangalore, a Ather Energy, possa ser a fornecedora.

A Ather desenvolveu uma scooter elétrica com a tática do premium price (manter o preço do produto artificialmente alto para atrair percepções favoráveis e o desejo do consumidor), uma das poucas qualificadas para receber os subsídios governamentais de energia limpa, e está construindo uma rede de estações para recarga rápida.

Hoje, porém, a empresa só consegue fabricar 500 unidades por mês na fábrica de Bangalore, mas está buscando uma fabricante parceira para aumentar a produção exponencialmente, revelou Tarun Mehta, cofundador e executivo-chefe da Ather.

Ather Energy, startup de Bangalore (Índia) que faz motocicletas para os negócios Bounce e Vogo

Ather Energy, startup de Bangalore (Índia) que faz motocicletas para os negócios Bounce e Vogo (Rebecca Conway/The New York Times)

A Bounce e a Vogo estão se preparando para intensificar sua briga com novos financiamentos.

A Bounce levantou 18,9 milhões de dólares (mais de 76 milhões de reais) com sociedades de capital de risco, como a Sequoia e a Accel, segundo os registros da empresa examinados pela Paper.vc, empresa que analisa dados corporativos, e está captando outros 80 milhões de dólares (324 milhões de reais).

Já a Vogo conseguiu 17,8 milhões de dólares (72 milhões de reais) com a Ola, a Matrix Partners – sociedade de capital de risco americana – e diversas organizações indianas. A Ola também planeja injetar até 100 milhões de dólares (mais de 400 milhões de reais) para ajudar a Vogo a implantar 100.000 motocicletas e prometeu incluir os veículos como opção em seu popular sistema de transporte por aplicativo.

A Uber não fez nenhum movimento na direção do mercado de compartilhamento de motos, apesar de reconhecer o potencial de veículos baratos que podem ser guiados pelos próprios consumidores.

No ano passado, a empresa adquiriu a Jump, serviço de aluguel de bicicletas elétricas e patinetes motorizados existente em duas dezenas de grandes cidades dos Estados Unidos e da Europa. Em fevereiro, anunciou que, em Sacramento, capital da Califórnia, mais clientes tinham alugado as opções da Jump do que solicitado carros tradicionais.

Scooters, bicicletas e bicicletas motorizadas têm o potencial de roubar parte do mercado de serviços de carro oferecidos pela Ola e pela Uber, acredita Chandrasekar Iyer, que estuda a disrupção da indústria automobilística como pesquisador do Instituto Clayton Christensen, em San Francisco. Por outro lado, Iyer, que também é consultor da Tata Consultancy Services, vaticinou que as gigantes do transporte via aplicativo não ficarão obsoletas.

Vivek Durai, cofundador da Paper.vc, que monitora de perto as empresas privadas na Índia, disse que uma quantidade massiva de dinheiro começa a invadir o país. "Existe uma grande vontade de resolver isso. As pessoas precisam de opções flexíveis para o transporte", concluiu.

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