Galápagos: os donos do tabuleiro
Não se engane, os videogames ainda não dominaram o mundo. Há quem ainda prefira os tabuleiros, as cartas, os dados e, mais recentemente, os bonecos e as naves espaciais. Prova disso é que o mercado de jogos deve faturar em torno de 600 milhões de reais em 2016 no Brasil, um crescimento de 12% em […]
Da Redação
Publicado em 7 de junho de 2016 às 19h52.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
Não se engane, os videogames ainda não dominaram o mundo. Há quem ainda prefira os tabuleiros, as cartas, os dados e, mais recentemente, os bonecos e as naves espaciais. Prova disso é que o mercado de jogos deve faturar em torno de 600 milhões de reais em 2016 no Brasil, um crescimento de 12% em relação ao ano passado.
Os bancos imobiliários da vida ainda têm seu espaço, mas quem garante essa expansão mesmo são os jogos no estilo RPG, em que os participantes assumem papéis de personagens. E, dentro desse nicho, ninguém cresce como a editora paulistana Galápagos, que faturou 15 milhões de reais em 2015. A previsão era chegar a 22 milhões de receita em 2016, mas o crescimento acelerado deve fazer a empresa superar esse valor.
Em comum, esses jogos exigem raciocínio, análise, estratégia, trabalho em equipe, e colocam o jogador na pele de um personagem — boa parte dos atributos, no fim das contas, que também fazem o sucesso dos games online. “Nesses jogos, o jogador torna-se o estrategista, em vez de o tabuleiro ou as cartas dizerem o que ele deve fazer”, afirma o fundador Yuri Fang.
É exatamente aí que jogos como Banco Imobiliário falham quando tentam atingir um público com maior poder aquisitivo: os adultos. Quase sempre, eles não necessitam de nenhum raciocínio além da escolha sobre comprar ou não a avenida Morumbi ou a Interlagos. Está baseada nisso a estratégia da Galápagos de não priorizar a venda em lojas de brinquedos e investir em livrarias e varejistas, além do próprio e-commerce, onde a empresa começou.
Hobby antigo
Os jogos de tabuleiro surgiram há cerca de 5.500 anos, no antigo Egito, mas os games de massa só começaram a fazer sucesso comercial com a Grande Depressão americana, em 1929, quando o Banco Imobiliário despontou nos Estados Unidos. Os jogos de tabuleiro modernos popularizaram-se na Alemanha na década de 90 e atualmente representam um negócio em ebulição.
Hoje, mais de 80.000 títulos da modalidade estão à disposição para jogadores em todo o mundo. “Os jogos que mais vendem são os que exigem pensamento”, diz Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). No Reino Unido, as vendas dos jogos de tabuleiro crescem de 25% a 40% ao ano — ritmo parecido com o de outros países desenvolvidos —, impulsionadas principalmente pelos hobby board games, que incluem os RPGs de tabuleiro, os jogos colecionáveis e os de miniatura.
No Brasil, a Galápagos atua praticamente sozinha nesse mercado e conta com mais de 50 linhas de jogos lançados. Em produtos, já são mais de 150, incluindo expansões e acessórios. “Conheci esses jogos no início dos anos 2000, quando morava na Austrália. Naquela época, eles até eram produzidos por aqui, mas de maneira artesanal e sob encomenda”, diz Fang.
Atualmente, até a crise deu uma forcinha. Como as pessoas têm saído menos de casa, os jogos de tabuleiro acabaram ganhando terreno. Além de vender os jogos, a Galápagos organiza torneiros, monta fóruns online entre os jogadores, estimula discussões em blogs e postagens em redes sociais.
Aqui entra outra semelhança entre os jogos de tabuleiro modernos e os games online: para evoluir, os jogadores precisam de novas cartas e novos apetrechos, o que impulsiona a receita da Galápagos. Quanto mais pegajoso o jogo, maior o faturamento da empresa, por isso o esforço para criar uma base de fãs, que se engajem em ter as melhores expansões, e não são apenas clientes.
No jogo Star Wars – X-Wing, por exemplo, o jogo-base custa 160 reais. Os jogadores, no entanto, podem comprar naves melhores, que possibilitam realizar manobras mais complexas — facilitando a vitória no game. Para manobrar a Millenium Falcon, nave usada por Han Solo, o guerreiro espacial tem de desembolsar 130 reais. A Transporte Rebelde custa 260 reais, 60% mais do que o próprio jogo.
Os jogos no estilo RPG, por enquanto, não são prioridade para as grandes fabricantes, que continuam focando títulos clássicos, como War, Banco Imobiliário e Jogo da Vida. Para Aires Fernandes, diretor de marketing da Estrela, ainda não há um grande mercado para esses jogos. “Nós chegamos a comercializar jogos mais complexos do tipo RPG, mas não venderam tanto quanto os clássicos”, diz. Por outro lado, a Estrela aposta na convergência tecnológica para seguir vendendo seus brinquedos mais conhecidos. “O Banco Imobiliário, que está no mercado desde a década de 40, agora vem com máquina de cartão de crédito”, diz Fernandes.
Apesar de atuar num nicho específico, a Galápagos atrai a atenção de gigantes. No portfólio de vendas, aparecem nomes como Star Wars e Game of Thrones. Quando a empresa iniciou suas operações, muitos jogos eram de fabricação própria ou em parceria com outros desenvolvedores. Agora boa parte da expansão vem do contrato com grandes licenciadoras.
Mesmo assim, a Galápagos segue lançando jogos produzidos em território nacional. O mais recente deles é o Arcadia Quest, ambientado numa cidade dominada pelo “terrível vampiro Lorde Presas”. A história continua: “Para a sorte do Reino, todas as Guildas enviaram seus heróis mais valentes para deter o alvoroço”. Para a sorte da Galápagos, não faltam pessoas dispostas a abrir a carteira para salvar Arcadia.
(Pedro Henrique Tavares)