PME

Os empreendedores do "faça você mesmo"

As estratégias de empreendedores que estão ganhando dinheiro com artesanato, matérias-primas e acessórios para trabalhos manuais -" um mercado que movimenta mais de 50 bilhões de reais por ano no Brasil

Wander e Rita Mazzotti, donos da WR, organizadora de eventos (Daniela Toviansky)

Wander e Rita Mazzotti, donos da WR, organizadora de eventos (Daniela Toviansky)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2012 às 18h15.

São Paulo - O artesanato muitas vezes pode passar a impressão de ser uma espécie de relíquia do passado — uma atividade tão antiga quanto a civilização que, com dificuldade, se mantém viva num mundo cercado de tecnologia e produtos fabricados em escala industrial. Nada mais falso.

De acordo com um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 8,5 milhões de brasileiros fazem algum tipo de trabalho manual, por passatempo ou para complementar a renda.

Esse contingente forma um mercado que movimenta, segundo estudos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em torno de 50 bilhões de reais por ano. A seguir, Exame PME mostra as histórias de cinco empresas que estão crescendo nesse mercado feito à mão.

1 Os donos da feira

Feiras de artesanato costumam ter um aspecto modesto — geralmente, um grupo de artistas reunidos num canto de praça vendendo sua produção diretamente aos consumidores. Nos últimos dez anos, o casal Wander Mazzotti, de 55 anos, e Rita Mazzotti, de 53, criaram um negócio em expansão com uma proposta bem mais ambiciosa.

Eles são donos da paulista WR, organizadora de eventos que no ano passado faturou 5,7 milhões de reais promovendo grandes feiras de artesanato. Seu principal evento é a Mega Artesanal, realizada entre junho e julho — a edição do ano passado reuniu quase 500 expositores e atraiu 114.000 visitantes ao Centro de Exposições Imigrantes, na zona sul de São Paulo.

"O artesanato movimenta um mercado enorme, e pouca gente percebe isso”, diz Mazzotti. “Em parte, nossas feiras ajudam a mostrar a força desse setor."

Mazzotti e Rita perceberam a oportunidade para fazer eventos ligados ao artesanato em 2002. Na época, a WR já existia, promovendo congressos de temas ligados à sustentabilidade ambiental — um nicho que começava a atrair grandes agências de marketing e eventos.


"A concorrência aumentou e ficou mais difícil crescer", diz Mazzotti. A opção pelo artesanato surgiu quase naturalmente. Por causa dos eventos de sustentabilidade, os sócios já tinham contato com artesãos que trabalhavam com material reciclado.

O mercado também não era desconhecido dos donos da WR — Rita é artista plástica, formada em desenho, e sempre se interessou pelo assunto. "Acabamos encontrando um mercado em que havia poucos concorrentes", diz ela. 

Além da Mega Artesanal, a WR promove eventos sobre tipos específicos de trabalhos manuais, como a Brazil Patchwork Show, para quem faz trabalhos como colchas e edredons de retalhos. A proposta das feiras da empresa é servir como ponto de encontro da cadeia produtiva do artesanato, reunindo fabricantes de insumos, artesãos e potenciais compradores, como donos de lojas de decoração.

"Nem sempre fechamos grandes vendas na feira, mas sempre saímos de lá com contatos que mais tarde podem gerar negócios", diz Mariana Yoshiumi, sócia do Kazari, ateliê de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, que expõe na Mega Artesanal. 

2 Clientes treinados

Quase todos os dias, o paulistano Peter Paiva, de 33 anos, ensina turmas de até 20 pessoas a fazer esculturas de sabonete, sachês perfumados e outros produtos artesanais. As aulas acontecem numa das lojas do Armazém Peter Paiva, empresa fundada por ele há 16 anos e que vende as matérias-primas usadas na elaboração dos produtos que os alunos aprendem a fazer, como perfumes e essências.

Os cursos geralmente duram um dia e custam em torno de 200 reais. "Em média, fecho 20 turmas por mês, mas os cursos não representam uma receita importante do negócio", diz ele. "Meu objetivo é formar a clientela para a loja."

Desde que começou a promover os cursos, há dez anos, Paiva calcula ter ensinado mais de 18.000 alunos. "Em média, 40% das pessoas­ que participam das aulas se tornam nossas clientes", diz Paiva. No ano passado, os ex-alunos ajudaram o Armazém Peter Paiva a faturar 2 milhões de reais.


Boa parte da clientela é formada por mulheres que complementam a renda vendendo artesanato — ou então por gente interessada em aprender algum passatempo. "Já tive alunos que queriam fazer trabalhos manuais para acabar com o estresse, como um delegado de polícia e um caminhoneiro", afirma Paiva.

As aulas também têm um papel na expansão do Armazém Peter Paiva. Às vezes, um aluno que se destaca ou demonstra aptidão para os negócios acaba sendo convidado para abrir uma nova unidade da rede em sociedade. Nesses casos, Paiva se encarrega de montar a loja e o novo sócio se compromete a vender determinado volume de produtos por mês.

Foi assim que surgiram as lojas da rede em Campinas e Santo André, em São Paulo, e em Salvador, na Bahia — outras duas unidades, em São Paulo, pertencem apenas a Paiva. "Neste ano serão abertas lojas em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro", afirma Paiva. "O momento é de expansão."

3 Armarinho online

Há pouco mais de quatro anos, o paulista Adriano Nunes, de 31 anos, e seus irmãos, Cristiano, de 34, e Renato, de 37, criaram o site Clickfios como uma tentativa de revigorar o negócio da família — um bazar fundado nos anos 80 por seus pais em São José dos Campos, no interior de São Paulo.

A ideia era recriar na internet o modelo dos antigos armarinhos, vendendo linhas, agulhas, botões e outros acessórios para costura e artesanato. Em 2011, as vendas pela internet representaram 20% de um faturamento de 3,6 milhões de reais. Com o crescimento das vendas online, os irmãos tomaram uma decisão — fechar uma das duas lojas físicas que a família mantinha.

"Queremos dedicar uma dose extra de energia ao negócio mais promissor", diz Adriano Nunes, responsável pela gestão do Clickfios desde o fim do ano passado. 

Há muitos sinais do potencial de crescimento do Clickfios. Em 2011, a cada venda, o site gerou receitas de 95 reais, mais que o triplo das lojas físicas. Seus clientes estão espalhados em quase 500 municípios de 14 estados, dando abrangência nacional a um negócio antes limitado a São José dos Campos e cidades vizinhas.


O Clickfios também ajudou a atrair clientes com um perfil cada vez mais comum — as mulheres que fazem algum tipo de artesanato como passatempo ou para complementar a renda e que trocam informações sobre técnicas de trabalhos manuais ou expõem suas criações pela internet. 

Para chegar a essas consumidoras, os sócios do Clickfios fazem parcerias com blogs de internautas interessadas em costura e artesanato para divulgar sua marca, põem vídeos no YouTube demonstrando técnicas artesanais e divulgam as novidades em redes sociais, como o Facebook.

Nesses blogs, elas postam fotos de suas criações, como cachecóis de lã e toalhas bordadas. Também trocam ideias para novas peças e indicam produtos e lojas. Hoje, a loja virtual tem mais de 15 000 clientes cadastrados e vende mais de 5.000 itens.

"Nos últimos anos, os computadores e o acesso à internet ficaram mais baratos", afirma Renato Meirelles, sócio do Data Popular, instituto de pesquisas especializado em consumo emergente. "Isso abriu um enorme campo para os negócios virtuais com os consumidores das classes C e D." 

4 Das lojas para a tela

Às vezes, uma empresa precisa se reinventar para descobrir o modelo mais rentável. Foi o que aconteceu com o grupo Mayo, de São Paulo. Em 2007, seu principal negócio era a African, rede que chegou a ter 12 lojas que vendiam matérias-primas para artesanato de cerâmica e madeira, entre outros produtos e ferramentas para trabalhos manuais.

Desde então, o negócio passou por uma transformação. Hoje, sobraram apenas quatro lojas, que representam menos de 40% das receitas da empresa.


O restante do faturamento, agora, vem de outras duas fontes — uma produtora de programas de televisão sobre artesanato e uma agência de viagens que promove cursos de trabalhos manuais nos fins de semana em hoteizinhos charmosos de cidades do interior de São Paulo, como Águas de Lindóia e São Roque. 

As mudanças foram uma virada e tanto nos planos dos sócios do grupo Mayo, fundado pela paulista Merav Mayo, de 40 anos, e seus irmãos, David, de 37, e Dotan, de 35. Há quatro anos, eles tinham metas arrojadas para a rede de lojas African.

"Nosso planejamento previa abrir 100 lojas até 2016", diz Merav. A expansão, no entanto, mostrou ser mais complicada do que parecia. "Começou a ficar difícil administrar um número cada vez maior de lojas", afirma Merav. "Também passamos a ficar insatisfeitos com a rentabilidade do negócio."

Foi quando os sócios enxergaram novas possibilidades para seus negócios com artesanato. Enquanto ainda sonhavam em transformar a African numa rede nacional de lojas de artesanato, o irmão mais novo dos três, Dotan, começou a participar de programas de TV para donas de casa.

"Percebemos que, sempre que ele entrava no ar, a audiência subia", diz David. Eles viram a oportunidade de produzir o próprio programa de TV sobre trabalhos manuais, hoje exibido nas emissoras paulistas TV Gazeta e RedeTV! Aos poucos, Dotan foi se transformando numa espécie de superstar do artesanato.

Os irmãos perceberam que poderiam aproveitar sua imagem para promover viagens em que ele desse aulas de artesanato para as telespectadoras. Em 2011, o grupo Mayo faturou 3,6 milhões de reais. "As receitas não cresceram muito desde a mudança, mas estamos mais satisfeitos com a lucratividade", diz Merav.

5 A química das cores

No fim dos anos 90, o químico Eduardo Brescancini, de 45 anos, começou a distribuir currículos nas empresas de Jundiaí, no interior de São Paulo, em busca de emprego. Na época, ele havia acabado de ser demitido da fábrica de papéis na qual trabalhava.


Um dos currículos foi parar nas mãos de uma artista plástica que, depois de ver a formação de Brescancini, o procurou com uma proposta: queria que ele desenvolvesse uma tinta para seda que fosse mais barata do que as disponíveis no mercado brasileiro, que eram todas importadas.

"Se eu conseguisse, ela garantiria a compra de parte da produção", diz Brescancini. "Como não tinha nada melhor para fazer, topei o desafio."

Brescancini improvisou um pequeno laboratório em casa e começou os primeiros testes. Em alguns meses, conseguiu desenvolver a tinta que lhe fora encomendada — e chegou à conclusão de que, em vez de procurar emprego, poderia abrir o próprio negócio e fabricar tintas que atendessem às necessidades dos artesãos.

Foi assim que surgiu a True Colors, que faturou 2 milhões de reais no ano passado, 15% mais que em 2010. Atualmente, a empresa produz mais de 500 itens, entre tintas, vernizes e texturas coloridas. 

Hoje, o negócio, que começou num quarto da casa de Brescancini, ocupa uma fábrica de 800 metros quadrados em Jundiaí. Seus produtos são distribuídos em lojas especializadas de 42 municípios paulistas e em capitais de 14 estados.

Brescancini ainda é o principal responsável pela pesquisa e desenvolvimento de novos produtos — a gestão está a cargo de sua mulher, a contadora Luciene Brescancini, de 39 anos. 

A especialização no mercado do artesanato é um dos diferenciais da True Colors em relação à concorrência, formada por outros fabricantes de tintas, que normalmente enxergam esse mercado como um negócio menor.

"É raro encontrar bons fornecedores de insumos para artesanato, porque a maioria não dá muita atenção à atividade", afirma o produtor cultural Cassius Gama, presidente da Agência Brasileira de Apoio à Cultura, organização não governamental que reúne artesãos de São Paulo. "Quem compreende as necessidades desse mercado tem mais chance de crescer."

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