Inclusão em alta: empresas investem em acessibilidade para inovar
Do turismo ao varejo, empresas buscam cada vez mais a inclusão de público com deficiência
Da Redação
Publicado em 7 de novembro de 2021 às 08h00.
Última atualização em 8 de novembro de 2021 às 10h32.
Por Marcos Leodovico e Mariel Mathias, do Jornal de Negócios do Sebrae-SP
Encontrar uma área de atuação que consiga atender a uma demanda do mercado ainda negligenciada é um caminho para quem está começando a empreender ou está em busca de ampliar seu mercado. Quando essa demanda diz respeito à dignidade e ao bem-estar das pessoas, esse negócio ganha ainda mais relevância.
É o caso de empresas que são pensadas para atender a pessoas com deficiência física, visual ou intelectual – um contingente de 17 milhões de pessoas no Brasil, segundo um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só no Estado de São Paulo, são mais de 3 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 7,29% da população total do Estado, de acordo com o Censo de 2010.
O empresário José Fernandes Franco, dono dos hotéis Rede dos Sonhos, localizados em Socorro (SP), tornou a unidade Campo dos Sonhos uma referência em atendimento para pessoas com deficiência. Com atividades como arvorismo, passeios a cavalo ou trator e tirolesa, todos adaptados, o hotel recebeu 7 mil visitantes com deficiência no ano de 2019.
Ex-engenheiro agrônomo, Franco decidiu usar o sítio que tinha para começar a empreender: ali, ele começou a produzir alimentos, mas a receita ainda era pequena. “Nós produzíamos leite, colhíamos café e algumas frutas. Mas para o meu negócio aumentar eu tinha de ter mais terra e também saber como eu poderia aumentar minha rentabilidade”, explica o empreendedor.
Na época em que ainda era engenheiro, Franco viajava muito para fora do País e observou um movimento interessante na Europa em relação ao turismo rural. Foi quando ele percebeu que poderia transformar seu sítio em um local para receber as pessoas e aumentar sua renda. Com as mudanças, o sítio começou a ser visitado; só no primeiro ano, o empreendimento recebeu mais de 40 ônibus de escolas para aprender um pouco mais sobre a vida rural.
O empreendedor começou a perceber que as escolas que vinham de mais longe se hospedavam em cidades próximas, como Águas de Lindoia, e foi nesse momento que Franco teve a ideia de começar a construir quartos para abrigar esses alunos que vinham de longe. Os apartamentos foram inaugurados em 1996.
Com o passar o tempo, com o negócio em expansão, as visitas escolares não eram mais o seu principal foco, mas sim todas as pessoas que queriam fazer turismo rural naquela região. Na época, houve também a necessidade de adaptar o hotel para torná-lo mais acessível.
“Em 2004, o governo federal instituiu uma lei com foco em acessibilidade, com um manual sobre o que precisava ser feito para tornar os locais os mais adaptados possíveis para as pessoas com algum tipo de deficiência. O documento não só citava como estruturar o negócio para receber as pessoas com deficiência, mas também sobre a parte de comunicação, como placas em braile ou em alto relevo”, lembra Franco.
Foi quando percebeu que, mais do que adaptar, poderia transformar o seu hotel em referência para receber pessoas com deficiência – seja qualquer uma delas. “Colocamos balanças adaptadas para cadeirantes, todos os passeios têm monitores e tudo foi estruturado para receber quem nunca teve a oportunidade de passear pelo campo. Nossos banheiros, quartos e restaurantes têm a estrutura necessária para que as pessoas com algum tipo de deficiência se preocupem só em ter o prazer de curtir o local”, conclui o empreendedor.
A consultora do Sebrae-SP Cintia Maretto, do Escritório Regional de Campinas, destaca que, além do diferencial da acessibilidade, o caso do Campo dos Sonhos é um exemplo a ser seguido por outros empresários que trabalham com turismo. “O José Franco está sendo um visionário na área de turismo. Ele foi um dos primeiros a reconhecer que precisava adaptar o seu negócio para todos os perfis e que, quanto mais adaptado para esse público, mais reconhecimento ele tem. Isso serve para todo empreendedor que quer ter o seu negócio aberto para receber todos os públicos possíveis”, diz.
Franco faz parte do Programa Líder, idealizado pelo Sebrae-SP, e que tem objetivo de fomentar o empreendedorismo na região de Campinas. Ao todo, são 45 líderes que recebem mentoria. A consultora conta que ele é uma das referências do grupo e que sempre está sendo acompanhado de perto pelo Sebrae “Desde a melhoria de processos até a gestão de pessoas, ele sempre fez questão de estar conosco. Hoje ele é uma das grandes referências de empreendedorismo que temos na região”, conta a consultora.
Dia a dia
Sentir as dificuldades no dia a dia de uma pessoa deficiente também pode ser o ponto inicial de um negócio voltado para esse público. Sonny Pólito, que é deficiente visual, e Rodrigo Pires, que tem síndrome de Asperger, se basearam nas próprias experiências para criar a startup “Inclue”, um aplicativo de celular voltado para auxiliar pessoas com deficiência a fazerem compras presencialmente.
“Nosso objetivo é inovar a experiência de consumo das pessoas com deficiência e mesmo de idosos no varejo. No app, os usuários vão poder saber quais estabelecimentos, lojas e supermercados oferecem um atendimento personalizado para que possam fazer compras com total autonomia e independência”, explica Pólito.
Com o aplicativo, basta se cadastrar, informar qual loja é de seu interesse e, a partir desse momento, o usuário poderá definir o dia e horário na agenda do app para ir até o estabelecimento. Após o agendamento, o gerente responsável pela loja escolhida irá receber uma notificação avisando da visita, qual a deficiência da pessoa e quando ela chegará à loja. Mas esse processo não é tão simples quanto parece. “Para que a loja esteja preparada para receber nossos usuários, nós treinamos e capacitamos os funcionários do estabelecimento, assim eles estarão aptos a receberem pessoas com deficiência da melhor forma”, diz Pólito. O acompanhamento do gerente ou funcionário é feito desde a chegada da loja até a saída.
O empreendedor relata que, em muitos estabelecimentos, até existe acessibilidade arquitetônica – afinal, é uma exigência da legislação –, mas não há um treinamento para que os funcionários saibam atender pessoas com deficiência da maneira correta. “Nós não vendemos apenas o treinamento, pois apenas ele não será eficaz. Os consumidores também precisam saber quais lojas contam com esse atendimento, então acaba sendo uma via de mão dupla”, afirma.
Hoje o aplicativo já atende varejistas, como o Grupo Pão de Açúcar, mas os empreendedores continuam trabalhando para ganhar um mercado maior, com variedade de estabelecimentos e bairros. “Quanto mais lojas, mais as pessoas irão aderir e usufruir do app da melhor forma. As pessoas têm costumes de fazer compras perto de onde moram, por isso a importância de cada vez ter mais lojas em nosso aplicativo”, finaliza Pólito.
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