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Empreendedoras deixam suas carreiras para trás para abrir negócios

Conheça a história de mulheres que encontraram realização profissional ao investir em empresas diferentes de suas áreas de formação

Renata Garcia, dona da padaria De Forno e Fogão: empreendedora abandonou carreira médica para se dedicar ao negócio (Ricardo Matsukawa/Jornal de Negócios do Sebrae/SP)

Renata Garcia, dona da padaria De Forno e Fogão: empreendedora abandonou carreira médica para se dedicar ao negócio (Ricardo Matsukawa/Jornal de Negócios do Sebrae/SP)

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Carolina Ingizza

Publicado em 7 de março de 2020 às 06h00.

Última atualização em 7 de março de 2020 às 06h00.

Boa parte dos brasileiros segue o padrão de estudar para uma determinada profissão e conseguir um emprego na área a fim de construir uma carreira que lhe renda bons ganhos financeiros e estabilidade. Mas será que a realização profissional pode ser representada por um registro na carteira de trabalho? Renata Garcia, por exemplo, se formou em 1996 em medicina, fez duas especializações – uma delas de oncologia clínica direcionada à quimioterapia para adultos –, mestrado, doutorado e ficou até 2014 atuando no setor, tanto na área acadêmica, coordenando o centro de pesquisas de sua clínica, quanto na área assistencial, em hospitais.

Mineira de Belo Horizonte, deixou o Estado rumo a São Paulo e tomou um novo caminho profissional: abriu a padaria De Forno e Fogão, que em 2020 irá completar seis anos. Uma mudança tão grande como essa pode levantar diversas questões, tais como decepção com a profissão, algum acontecimento trágico ou até mesmo o insucesso. Mas Renata explica que não foi nada disso. Ela sempre exerceu a medicina com gosto e valorizou muito a dificuldade para entrar na faculdade.

Mas dois fatores pessoais a fizeram repensar sua vida: o desejo de ter mais filhos e, claro, a vontade de empreender. “Brinco ao dizer que três filhos não combinam com medicina. A rotina não permite. Não queria sair de casa de manhã e voltar apenas à noite. Já perto dos 40 anos, começar do zero em São Paulo dentro da medicina estava fora de cogitação”, comenta. “Na época fiquei meio confusa, mas hoje eu sei que eu abriria a padaria de qualquer forma, pois é o que fazia e ainda faz meus olhos brilharem. Sempre foi algo com que eu vibrava. Então, como dizem, juntei a fome com a vontade de comer”, completa Renata.

O segmento de alimentação surgiu na vida de Renata muito antes de ela pensar em fazer medicina, já que seus pais tinham um restaurante de culinária contemporânea. “Eu não sabia o que seria, mas tinha certeza de que faria algo nessa área um dia”, relembra. Após o período de experiência no restaurante dos pais, começou a fazer alguns bolos, tortas e pães de queijo em casa para vender aos vizinhos no Real Parque, bairro dentro do distrito do Morumbi, na zona sul de São Paulo. “Foi quando uma amiga arquiteta, que depois virou designer de sapatos, me pediu para fazer as comidinhas para o evento de lançamento do seu projeto.

A partir desse momento, seu negócio decolou. Passou a fazer mais eventos e comandou um café dentro de uma agência de publicidade. Renata, no entanto, produzia pães em pequena quantidade, longe do ideal para atender uma clientela maior. A ideia da padaria surgiu em uma conversa com o marido. Decidiram que o pão, mais do que qualquer outro tipo de alimento, faria com que as pessoas fossem todos os dias ao estabelecimento.

Ela então encontrou o ponto físico perfeito em seu bairro para transformar o sonho em realidade. Aproveitando o gosto pelos estudos, a empreendedora conta que se debruçou nos livros, principalmente os gastronômicos, para entender mais sobre o assunto. “Tenho uma biblioteca de dar inveja a muito chef”, brinca. Além disso, foi estudar panificação em uma escola de São Francisco, nos Estados Unidos, e cuidou da parte de gestão com alguns cursos do Sebrae-SP, como o “Boas Práticas nos Serviços de Alimentação” e “Fluxo de Caixa”.

Hoje, além dos pães, a De Forno e Fogão oferece tortas, pães de queijo, sanduíches, antepastos e geleias, alguns fabricados na própria padaria e outros por parceiros que seguem a mesma linha artesanal. A padaria reúne um público mais familiar no dia a dia, principalmente aos finais de semana, já que enxergam na padaria uma extensão da própria cozinha. “Aos domingos recebemos muitas famílias, casais, netos, filhos, carrinhos de bebê para todo lado e isso é muito legal”, comenta. Renata conta que, apesar do apoio do marido edos filhos, seus pais não entenderam muito bem a mudança no rumo de sua carreira. Ela chegou a estudar 16 horas por dia, pois a família não tinha condições de arcar com os custos de uma faculdade particular, então precisava entrar em uma pública. Após toda a dedicação, sucesso e a decisão de mudar, seu pai sempre a questiona quando tem oportunidade.

“Respondo que hoje posso ser muito mais do que eu já fui, posso escrever uma nova história a qualquer momento. Uso muito da minha curiosidade, disciplina e inovação da medicina na padaria. Hoje eu me sinto realizada colocando literalmente a mão na massa todos os dias”, explica. A empreendedora diz que se pega às vezes às 4 horas da manhã assando pão e questionando o que está fazendo ali. “A rotina na medicina, apesar dos perrengues, é mais controlada e rentável. Mas fazer o seu produto chegar ao ponto exato, mesmo em meio às dificuldades, é extremamente satisfatório. Meus filhos fazem parte disso, vibram e acham superlegal falar que a mãe é padeira.

Adeus, engenharia

Twyla Vieira é outro exemplo de que é possível mudar completamente de direção. Formou-se em engenharia ambiental em 2016, pois se identificava com temas relacionados ao meio-ambiente e sustentabilidade. Fez intercâmbio para os Estados Unidos a fim de estudar mais sobre o assunto e, ao retornar, iniciou seu mestrado sobre os impactos ambientais na indústria têxtil, exatamente no momento em que teve seu “estalo”.

Twila Vieira: formada em engenharia ambiental, ela hoje trabalha com moda e estilo (Flávio Florido)

A empreendedora conta que demorou para conseguir a bolsa de estudos, então buscou alternativas de renda abrindo com uma amiga um closet compartilhado. A ideia era juntar pessoas e guarda-roupas com peças paradas e alugá-las para ocasiões específicas. “Queríamos mudar a mentalidade do consumo”, explica. Com o passar do tempo, percebeu que não gostava de fazer o mestrado e decidiu empreender definitivamente. “O tema do mestrado me fez estudar muito o mundo da moda e acabei me apaixonando, principalmente por consultoria de imagem.”

Desse momento até a criação de sua marca foi um caminho de muito aprendizado. Buscou especializações, fez cursos de personal stylist e de acessórios, se tornando referência no tema na região de Sorocaba, onde vive. “Minhas clientes sempre elogiavam meus acessórios e me procuravam para dicas. Pensei, então, por que não ter a minha própria marca? Uni a consultoria de estilo e a marca de acessórios para hoje ter um modelo de negócios de consumo mais consciente, vendendo personalidade”, explica.

Apesar de ter tido sua primeira experiência empreendedora aos 13 anos, quando ia para as ruas vendendo semijoias para juntar dinheiro para viajar, Twyla reconhece que nunca tinha tido conhecimento em gestão. “Procurei o Sebrae-SP e fiz alguns cursos de administração e gestão financeira. Hoje faço parte do programa ALI (Agentes Locais de Inovação), que está sendo ótimo para os meus negócios.”

Ela explica que o ALI vem ajudando em algumas questões importantes, como o incentivo a fazer entrevistas com seu público-alvo. Apesar de conhecer bem o segmento, percebeu que cada mulher tem um jeito. “Elas gostam muito do formato de vendas personalizadas com assessoria de estilo. Vou na casa delas combinar os acessórios com suas roupas. Identifiquei que era uma dor das clientes”, explica. Hoje detentora da marca que leva seu nome, a empreendedora não pensa em abrir uma loja física fixa ou um e-commerce, mas sim ter uma loja itinerante, sem deixar de lado, é claro, as redes sociais.

Twyla entende que largar toda uma formação inicial para empreender é um grande dilema para muitas pessoas, mas evidencia que o caminho percorrido até aqui é justamente o que a credencia a tomar as melhores decisões. “Tudo o que a gente faz na vida é válido. É muito difícil no começo, mas hoje me proporciona um sentimento de liberdade indescritível”, revela.

“Hoje eu corro atrás e faço acontecer do meu jeito e o resultado me traz uma satisfação muito grande. Tudo é uma consequência do que fazemos com amor, de estar conectado com as coisas que fazem sentido para você, atrelado aos nossos valores e personalidades”, conclui. Para o consultor do Sebrae-SP Davi Paunovic, tomar uma decisão tão corajosa como fizeram Renata e Twyla não é nada fácil.

O potencial empreendedor precisa se sentir disposto a perder, perceber essa força, olhar em volta e deixar tudo muito claro. Conversar com outros empreendedores é uma ação válida nessas horas. “As pessoas precisam identificar seus pontos fortes, fugir de modismos, planejar o negócio e buscar capacitação antes de abandonar o emprego, fazendo uma transição mais segura”, aconselha.

O especialista destaca que as pessoas devem ter muito claro quais são os ‘gatilhos’ que as motivam. “Ganhar mais ou fugir de uma rotina estressante e do chefe que persegue não são motivos consistentes para empreender. A frustração poderá ser ainda maior”, alerta. “É o propósito que segura a pessoa viva. Se ele for menor do que as dores do dia a dia não será suficiente. Se for maior, com certeza vão se tornar empreendedores de sucesso.”

 

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