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Dos brinquedos aos carros, brasileiro troca a compra pelo aluguel

Pequenos negócios da economia compartilhada têm encontrado cada vez mais espaço com consumidores brasileiros

Denise Andrade, proprietária da Oki Poki: a loja é especializada no aluguel de brinquedos para crianças de 0 a 4 anos (Ricardo Matsukawa/Jornal de Negócios do Sebrae/SP)

Denise Andrade, proprietária da Oki Poki: a loja é especializada no aluguel de brinquedos para crianças de 0 a 4 anos (Ricardo Matsukawa/Jornal de Negócios do Sebrae/SP)

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Carolina Ingizza

Publicado em 28 de março de 2021 às 08h00.

Última atualização em 29 de março de 2021 às 08h34.

Conveniência, senso de comunidade, respeito ao meio ambiente e sustentabilidade. Esses são alguns dos fatores que levam cada vez mais pessoas a aderirem a negócios baseados na economia compartilhada – um sistema de consumo em que não é mais necessário adquirir um produto ou serviço para usufruir de seus benefícios. São os casos, por exemplo, de plataformas de vídeo em streaming ou de aplicativos de transporte.

O modelo vem se expandindo no mundo todo, já que alugar – e não mais comprar – tem ganhado a preferência do consumidor. Por aqui, muitos brasileiros já descobriam as vantagens desse modelo, principalmente quando o uso não é tão frequente. “A mudança de comportamento do cliente, que vem se tornando cada vez mais engajado com o consumo consciente, já é visível”, diz o analista de negócios do Sebrae-SP Marcos Gomes Rabello. “O consumidor brasileiro está começando a se familiarizar e se envolver com esse segmento econômico. A prova disso é a grande adesão a modelos de negócios compartilhados”, observa.

Segundo o consultor, essa mentalidade do consumidor estimula o surgimento de mais oportunidades no mercado. “A abertura do brasileiro à experimentação de novos formatos de negócios e o sucesso de algumas empresas desse segmento são um forte indicativo de que ainda há muito mercado a se explorar”, afirma.

A empresária Denise Della Nina Andrade é uma das empreendedoras que fizeram dessa nova realidade um negócio bem-sucedido. Em 2015, ela inaugurou a OkiPoki, empresa de aluguel de brinquedos voltada para crianças de um a três anos de idade. Ela teve a ideia a partir de sua própria experiência com a maternidade. “Eu era aquela mãe que queria comprar tudo o que via para a minha filha. Mas, o fim, eu via que era tudo muito caro e usaria pouco. Então, pensei que se houvesse uma forma de alugar e compartilhar esses objetos, outras mães também iriam querer”, lembra.

Em um primeiro momento, Denise começou com o aluguel pela OkiPoki apenas pelo site. Depois, o negócio foi crescendo e ela viu a necessidade de ter um galpão para administrar o estoque e manter um ponto físico de atendimento para oferecer um contato mais direto com o cliente. Hoje, ela consegue atender a toda a capital paulista e também a região do ABC.

Além dos brinquedos, seu negócio conta com o aluguel de outros itens para crianças pequenas, como cadeirinhas para carro e para alimentação – sempre de acordo com a necessidade e pedidos dos clientes. Seu estoque tem cerca de 350 peças e seu tíquete médio é de R$ 170 por cliente ao mês. “Quando a pessoa vem alugar algum produto, ela pode escolher desde ficar com ele por 15 dias ou até por alguns meses, de acordo com a sua necessidade. ”

Depois que o produto volta para o galpão, ele passa por um processo de higienização e é embalado para ser disponibilizado a outra criança. Com o dia a dia do negócio, a empresa também começou a receber pedidos para higienizar brinquedos e itens infantis na casa dos clientes, bem como fazer a manutenção de outros brinquedos. Denise decidiu incorporar o serviço, mas sem perder o foco do negócio – a locação de brinquedos para uso em casa.

Na opinião de Denise, a OkiPoki tem ainda um outro diferencial na comparação com as lojas de brinquedo tradicionais. Segundo ela, seu negócio envolve uma relação de confiança, respeito, cuidado com o produto e a consciência de que ele será usado por outras pessoas. “Dei um tiro no escuro. Não fazia ideia de como seria essa relação dos clientes com os brinquedos. Até o momento não tive um cliente que pegou o produto e sumiu, por exemplo. ”

Como em qualquer negócio, os contratempos existem, mas a empresa tem assimilado bem essas situações, diz a empreendedora.

“Os acidentes que acontecem – o cachorro comeu a bolinha, o bebê quebrou o brinquedo – não chegam a 2% das nossas locações. Estamos preparados para lidar com isso. ” Atualmente, a empresa realiza de 80 a 130 locações de brinquedos mensalmente. O número cresceu com a pandemia: houve um aumento de demanda e também procura de pais com crianças com idades diferentes da inicialmente estipulada.

“Tivemos de aumentar nosso estoque e registramos aumento de cerca de 30% no faturamento. Apesar de o futuro ainda ser incerto, nossa expectativa é de um crescimento entre 30% e 50% para os próximos dois anos”, comemora. A perspectiva positiva de Denise também está baseada na confiança de que o mercado de itens compartilhados veio para ficar e que ainda há muito espaço para se expandir. “Vejo como tendência a opção de alugar produtos em vez de comprá-los. Estamos há seis anos no mercado e percebemos que não é algo passageiro. Não só a parte financeira é vantajosa. Tem também a questão ecológica, ambiental; imagina o quanto de plástico se gasta para produzir um brinquedo. ”

Para viagem

O empreendedor Luciano Bello também aposta na tendência de compartilhamento de produtos. Atualmente, ele está à frente da Volume4Trip, uma startup voltada para o aluguel e compartilhamento de equipamentos para viagem como bagageiros, suporte para bicicletas e racks para teto. A inspiração para o negócio também veio de uma experiência pessoal: após o nascimento do filho, a bagagem nas viagens da família cresceu consideravelmente.

Os equipamentos para acoplar mais malas no carro passaram a ser itens essenciais, mas os preços são elevados. A ideia, então, foi que poderia ser interessante alugar os produtos enquanto não estivessem em uso. E Bello foi além: considerou a possibilidade de que qualquer pessoa pudesse fazer o mesmo ao se cadastrar em uma plataforma. A ideia surgiu em 2018. Após a participação de Bello no Programa Startup SP e um período de reformulação, ele relançou seu site em 2020. Já começou colhendo os frutos da alta demanda do fim do ano.

“Em um mês no ar, tivemos mais de cem pessoas cadastradas. A demanda pelo aluguel de equipamentos é real, principalmente na época de férias e festas de fim de ano”, afirma.

Hoje, Bello tem em seu estoque equipamentos próprios que disponibiliza para aluguel e também pessoas cadastradas dispostas a alugar seus produtos por meio da Volume4Trip. A dinâmica é simples: o usuário se cadastra no site e anuncia gratuitamente. O anúncio passa por moderação, é publicado e, após a locação, a plataforma fica com 30% do valor e o dono do equipamento, 70%.

Entre os desafios de seu negócio, Bello aponta a resistência de algumas pessoas em ceder temporariamente seus pertences. “Estou trabalhando para mostrar que é possível ter garantias para empréstimo de equipamentos também. É importante trabalhar a mudança dessa ideia da posse e também a confiança de que o equipamento voltará em bom estado”, explica. Bello acredita que usufruir de um bem é o mais importante, independentemente de ser ou não o dono. Por isso, ele tem focado em políticas de segurança e transparência para que cada vez mais pessoas tenham acesso a ferramentas e ao conceito que deseja passar. “O futuro pós-pandemia contempla muito turismo ao ar livre. Acredito que isso também tem tudo a ver com a minha proposta.

E o compartilhamento de produtos veio para ficar. ” O empreendedor observa que os mais jovens são os mais favoráveis a essa tendência, mas ele também tem conversado com o público entre 45 e 50 anos. “Recebemos muitas famílias em viagens e também grupos de esportistas procurando suporte para bikes, por exemplo. ”

O analista do Sebrae-SP Marcos Rabello confirma que, de fato, os jovens são mais propensos a experimentar esse modelo de negócio, porque buscam maior liberdade, além de exercerem forte influência com sua maneira de consumir produtos e serviços. “Quando eles não querem mais, simplesmente fazem as malas e partem para outro desafio sem muitas amarras ou itens para levar”, diz. O consultor ressalta também outro perfil que faz muito uso desse modelo de negócio: o “poupador convicto”, que analisa todas as possibilidades antes de decidir por uma compra.

Modelos para o futuro

O conceito de economia compartilhada é popular desde meados da década passada principalmente nos EUA e em países europeus – antes da pandemia da Covid-19, a expectativa era de que, em 2025, esse mercado movimentasse algo em torno de US$ 335 bilhões. Com o impacto do distanciamento social em atividades de lazer, viagens, aluguel de casas e mesmo o trabalho presencial, esse número deve ser reavaliado. Mesmo assim, a pandemia trouxe novas possibilidades de compartilhamento e também a necessidade de custos mais controlados.

O mercado de economia compartilhada envolve, basicamente, três modelos: acesso de bens e serviços, em que as pessoas pagam para ter acesso durante algum tempo; redistribuição, um modelo baseado no remanejamento de mercadorias que não estão sendo mais usadas para lugares onde existe demanda; e estilo de vida colaborativo, que busca a contratação de comunidades de pessoas e tem como objetivo final compartilhar desde bens até espaço e tempo.

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