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Crise derruba renda de microempreendedor para um salário mínimo

Pesquisa mostra que quase 90% dos profissionais tiveram queda na renda, em maior ou menor grau, na crise do coronavírus

Sete em cada dez microempreendedores estão ganhando abaixo de U$ 200 por mês (Alex de Jesus/O Tempo/Agência Estado)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 29 de junho de 2020 às 12h43.

Última atualização em 29 de junho de 2020 às 12h46.

Sete em cada dez microempreendedores estão ganhando abaixo de U$ 200 por mês no Brasil (R$ 1.088 considerando o dólar de sexta-feira, 26, valor próximo ao salário mínimo, de R$ 1.045). Antes da pandemia do coronavírus, a situação era inversa: oito em cada dez profissionais ganhavam acima desse valor e apenas um tinha renda inferior ao salário mínimo, segundo levantamento feito pela fintech Neon e pelo fundo de venture capital Flourish com apoio da empresa de pesquisa de impacto 60 Decibels.

Os pesquisadores entrevistaram, durante o mês de maio, 1.600 microempreendedores individuais (MEIs) sobre os reflexos da pandemia no trabalho e nas finanças. O resultado mostrou que quase 90% dos profissionais tiveram queda na renda, em maior ou menor grau. Se antes da pandemia mais da metade dos empreendedores ganhavam acima de US$ 400 (R$ 2,176) por mês, agora apenas 10% estão nessa faixa.

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Os MEIs são um dos mais importantes instrumentos de formalização da economia. Desde 2008, quando foi criado, o programa têm sido responsável por tirar milhões de trabalhadores da informalidade, diz o Sebrae. No total, são mais de 10 milhões de microempreendedores individuais. "A preocupação é que esses profissionais, com as micro e pequenas empresas, representam entre 30% e 40% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro", afirma o diretor da área de pessoa jurídica da Neon, Marcelo Moraes, um dos responsáveis pela pesquisa. Ou seja, o impacto desse grupo de trabalhadores na economia do País é grande.

Os profissionais que mais tiveram redução na renda, segundo a pesquisa, foram os motoristas de aplicativos, esteticistas e comércio de rua, como mercadinhos e lanchonetes. Segundo Moraes, metade dos entrevistados teve de usar a poupança ou reduzir despesas para se adequar à nova realidade. Além disso, 39% pegaram dinheiro emprestado para honrar compromissos (em muitos casos, o cheque especial) e 18% penhoraram ou venderam algum ativo durante a pandemia.

"Esses números revelam uma tragédia. Essa é a parte da população que mais vai sofrer com os reflexos da crise do coronavírus", diz o professor do Insper David Kállas. Para ele, as grandes e médias empresas têm mais condições de caixa e acesso a crédito e ao mercado de capitais para atravessar esse momento complicado. Mas os microempreendedores não têm essa saída.

Os MEIs, diz o professor, são a categoria mais vulnerável, que não têm reserva para enfrentar a falta de renda por muito tempo. "Como diz um colega, estamos na mesma tempestade, mas cada um no seu barco." Neste momento, é para esse pessoal que o governo precisa estender a mão, uma vez que representa a maior força de trabalho do País, completa Kallas.

Até agora, o auxílio e os programas de ajuda dos órgãos públicos não têm se mostrado eficientes para atender quem mais precisa. De acordo com a pesquisa da Neon e da Flourish, a maioria não se sente amparada pelo governo e entende que as propostas estão distantes da realidade. Marcelo Moraes afirma que um dos dados mais impressionantes do levantamento é o índice de desesperança dos profissionais. "O sentimento de desamparo é grande: 42% deles não têm esperança de sair da crise", diz o executivo.

Renda x preços

Na avaliação do presidente da Trevisan, VanDick Silveira, a situação desse grupo de trabalhadores é muito delicada. A renda per capita do brasileiro, diz ele, recuou dez anos, mas o patamar de preços continua inalterado. "Apesar de a inflação estar controlada, o índice de preços não recuou dez anos como a renda. Ou seja, é uma perda em dobro. Isso tem impacto direto no consumo."

Esse reflexo também foi detectado na pesquisa da Neon e da Flourish. Para conviver com a queda na renda provocada pela pandemia, os microempreendedores tiveram de cortar despesas. O surpreendente é que mais da metade cortou o consumo de comida para se adequar à nova realidade. Muitos disseram que deixaram de jantar para fazer apenas um lanche, revela o levantamento.

Para o pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV Ibre, Daniel Duque, esse grupo de profissionais terá grandes dificuldades para sair da crise. "A recuperação será lenta, uma vez que dependem de setores que também vão demorar para superar a crise, como serviços."

O presidente do Sebrae, Carlos Melles, afirma que neste momento os microempreendedores precisam de mais acesso ao crédito para aliviar a pressão sobre o fluxo de caixa. "Por isso, estamos trabalhando com o governo e o Congresso para a criação de novas linhas de crédito voltadas aos pequenos negócios", diz ele.

Contas atrasadas

Desde que a pandemia atingiu o Brasil, a vida do motorista de Uber Emerson Melo virou de cabeça para baixo. Com uma queda de 40% na renda, as contas começaram a se acumular. "Em três meses, tive atraso no pagamento de quase todas as despesas", conta Melo de 31 anos. Em alguns dias, afirma ele, a renda não dava nem para pagar o combustível do carro.

A solução foi começar a trabalhar à noite, período que tem menos concorrência. "Mas estimo que vou gastar, pelo menos, seis meses para regularizar toda a minha situação", diz Melo. Ele conseguiu postergar por dois meses a parcela do carro, renegociou com a concessionária de água e luz e ainda conversa com o banco para acertar sua situação no cheque especial.

Na casa da esteticista Eunice Reis, de 56 anos, a situação não é diferente. Com o salão fechado desde março, ela faz alguns serviços de urgência, como podologia. A demanda caiu 70%. "Tudo que ganho vai para pagamentos." Eunice teve de reduzir gastos até mesmo com alimentação. "Minha geladeira não tem o que tinha antes. Estou comendo o básico." Mas a esteticista não perde as esperanças. "Estou aproveitando o momento e fazendo um curso para aprender a vender pela internet. Tenho de me virar."

Mesmo sentimento tem a modelo Bruna Misio Col, de 43 anos. Com eventos e o mundo da moda praticamente parados, sua renda despencou. Para piorar, ela não tinha reservas para se manter. Numa rede social, teve a ideia de começar a fazer tie dye - técnica de pintura de roupas. Fez umas peças e começou a vender pelo Instagram. Um amigo viu e a chamou para vender as peças na loja dele. Ela espera ganhar fôlego para bancar as despesas do dia a dia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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