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As empresas que fazem bons negócios com cinema e TV

Os canais de TV a cabo estão em busca de filmes e séries e há mais recursos para o cinema. Conheça cinco empresas que estão crescendo no mercado audiovisual

Patrícia Atina, da White Gorilla: a companhia já atendeu produtoras de filmes como Confissões de Adolescente e de séries como O Negócio (Germano Lüders / EXAME PME)
DR

Da Redação

Publicado em 5 de março de 2015 às 06h00.

São Paulo - Desde a época da faculdade, os amigos Daniel Ribeiro, de 32 anos, e Diana Almeida, de 31, tinham o sonho de levar para o cinema uma história universal — a descoberta do primeiro amor. O protagonista seria Leonardo, um adolescente cego que descobre a homoafetividade ao se apaixonar por um colega de turma. Ribeiro, que estudava cinema , e Diana, que fazia jornalismo, tinham o roteiro na cabeça — mas faltava o dinheiro para concretizá-lo.

Eles criaram, então, um plano para levantar recursos. Primeiro, filmaram um curta-metragem, Eu Não Quero Voltar Sozinho, lançado no YouTube em 2010. No primeiro mês, o vídeo foi acessado cerca de 145 000 vezes. Em um ano, o curta atingiu mais de 1 milhão de visualizações.

A repercussão ajudou Ribeiro e Diana a tornar seu sonho realidade. Três anos depois do lançamento do curta, a dupla levantou 3 milhões de reais por meio de editais públicos para adaptar a história de Leonardo para o cinema numa versão estendida. O longa-metragem Hoje Eu Quero Voltar Sozinho estreou em abril de 2014 — e levou mais de 200 000 pessoas aos cinemas.

Nos últimos meses, o filme obteve várias conquistas. As principais foram o prêmio máximo da mostra Panorama do Festival de Berlim e a indicação do Brasil para disputar uma vaga entre os candidatos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “Fomos mais longe do que nosso sonho permitia”, diz Diana.

Casos como o de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho representam bem o momento atual do mercado audiovisual brasileiro. Uma conjunção de fatores tem impulsionado a produção local nos últimos anos. De um lado, há mais recursos para a produção de filmes e séries. De outro, há consumidores dispostos a pagar para ter acesso a mais entretenimento. Eis alguns indicadores:

Em 2014, o Fundo Setorial do Audiovisual — operado pela Agência Nacional de Cinema — liberou 124 milhões de reais para projetos de cinema e televisão . É mais do que o quádruplo dos recursos usados em 2009.

Em julho de 2014, o governo federal anunciou que vai investir cerca de 1,5 bilhão de reais na produção e distribuição de filmes e programas de televisão nos próximos anos. Há também iniciativas de fomento promovidas por prefeituras de grandes centros culturais. Em janeiro, a cidade de São Paulo lançou o SPCine, órgão que tem 20 milhões de reais para financiar a produção audiovisual nos próximos meses. Algo parecido é feito no Rio de Janeiro há mais tempo. Em 2014, a RioFilme aplicou 40 milhões de reais em projetos audiovisuais — quase o triplo do valor investido em 2009.

Segundo a consultoria PwC, em 2015 os brasileiros deverão desembolsar 2,4 bilhões de dólares com cinema, TV a cabo, DVDs e filmes online — 14% mais do que em 2013. A estimativa é que, em 2017, os gastos cheguem a 3 bilhões de dólares.

Fatores como esses têm mexido com a dinâmica do mercado audiovisual. Antigamente, alguém com uma boa ideia na cabeça e certa habilidade para transformá-la num filme não chegava muito longe sem ter o apoio de grandes empresas do setor, como a Globo Filmes, ou de um parceiro internacional. Mesmo as produtoras que reúnem alguns dos melhores profissionais do mercado não conseguiam sobreviver só da produção de filmes e séries.

Veja o caso da paulistana O2. Criada no começo dos anos 90, a empresa tem entre seus sócios fundadores um dos mais importantes nomes do atual cinema brasileiro, o paulista Fernando Meirelles, indicado ao Oscar de Melhor Direção pelo filme Cidade de Deus, em 2004. Até quatro anos atrás, 95% do faturamento da O2 vinha da produção de vídeos para a publicidade (esse, sim, um campo em que o Brasil é protagonista na cena internacional).

Com o aumento dos recursos públicos destinados à produção audiovisual, a empresa mudou de perfil. No ano passado, a parcela que o mercado publicitário ocupava nas receitas da O2 caiu para 70% — o restante vem dos filmes de entretenimento. Entre os produzidos com recursos públicos captados em editais de incentivo estão Cidade dos Homens, de 2007, e À Deriva, de 2009.

“Juntos, esses filmes levaram 330 000 pessoas ao cinema”, diz a produtora Andrea Barata Ribeiro, de 52 anos, sócia da O2. Estimativas de mercado apontam que a O2 teve receitas de cerca de 120 milhões de reais em 2014.

Além do aumento de recursos, há alguns anos a indústria nacional ganhou um empurrão extra. Em 2011 entrou em vigor a Lei no 12.485, que torna obrigatória a transmissão de pelo menos 3 horas e meia de conteúdo nacional por semana nos canais de TV a cabo. Com a lei, ganhou fôlego a produção de séries.

No caso da O2, o salto da produção foi drástico. Das 17 séries produzidas pela empresa em seus 25 anos de história, 12 foram lançadas de 2011 para cá. Um dos maiores sucessos foi Contos do Edgar, uma adaptação de algumas obras do escritor americano Edgar Allan Poe para a cidade de São Paulo, exibida pela Fox em 2013.

“Para os próximos três anos, estamos preparando outras 11 séries de televisão”, diz Andrea. De 2011 a 2013, mais do que triplicou o número de horas de conteúdo nacional nos principais canais de TV a cabo, como Cinemax, Warner e HBO, segundo a Ancine.

Se por um lado a lei aumentou a visibilidade das produções nacionais, de outro forçou uma situação com a qual o mercado ainda está se acostumando. De maneira geral, as emissoras de TV a cabo estão tendo de correr para criar o conteúdo nacional que preenche sua cota semanal obrigatória. Acontece que uma cadeia produtiva não se cria de uma hora para a outra.

Alguns gargalos já são evidentes. Um dos principais é a falta de mão de obra — procuram-se roteiristas, produtores e outros profissionais essenciais para o setor. “Aos poucos, o mercado suprirá as carências, mas isso leva tempo”, diz Leonardo Brant, dono de uma consultoria especializada em projetos culturais.

O atual momento oferece oportunidades para empreendedores como a gestora cultural Alice Coutinho, de 29 anos. Ela é sócia da Cemec, escola de São Paulo que oferece cursos para profissionais de várias áreas do entretenimento, como produtores culturais ligados ao teatro e à música.

Fundada em 2010, há pouco mais de um ano a Cemec tem se especializado em capacitar profissionais que desejam atuar na cadeia audiovisual. Entre os cursos mais procurados estão os de elaboração de projetos de cinema e de televisão. “Muitos produtores não sabem fazer um plano de captação de recursos para um filme ou uma série”, diz Alice. “Aqui eles aprendem a buscar capital nas fontes certas e como prestar contas no final do projeto.”

Em 2014, a Cemec faturou 800 000 reais, um terço mais do que em 2013. Até o fim de 2015, a empresa deverá lançar novos cursos da área audiovisual, como o de roteirista. “Devemos encerrar o ano com 1 milhão de reais em receitas”, diz Alice.

Abrahao Sochaczewski, da Bureau de Cinema e Vídeo:fornecimento de câmeras e lentes para a gravação de séries como Sessão de Terapia e de programas como Chegadas e Partidas (Germano Lüders / EXAME PME)

O apagão de profissionais não se limita às áreas de criação e produção. Falta gente até para funções básicas, como operar equipamentos de filmagem. Esse problema colocou o empreendedor paulista Abrahao Sochaczewski, de 48 anos, numa situação inusitada. Há cada vez mais demanda pelos produtos de sua empresa, a Bureau de Cinema e Vídeo, que aluga e vende equipamentos de filmagem.

Mas onde encontrar gente suficiente para operar câmeras de última geração? Mistério. Nos próximos meses, Sochaczewski deverá começar a resolver esse problema ao lançar um treinamento para operadores de câmera amadores.

“Novos equipamentos são lançados a cada semestre e as produtoras sempre querem o melhor para atender às exigências técnicas das emissoras”, afirma Sochaczewski. “Capacitar pessoas para operar equipa-men­tos de ponta é crucial para o crescimento da Bureau.”

Em 2014, a Bureau faturou 3,5 milhões de reais — e a expectativa é crescer 20% em 2015. Metade das receitas veio do aluguel de equipamentos de última geração para produtoras responsáveis por programas exibidos em canais fechados.

É o caso da paulistana Mixer, que produziu a série Sessão de Terapia, sobre a relação entre um psicanalista e seus pacientes, que foi ao ar de 2013 a 2014 pelo canal GNT. A outra metade do faturamento da Bureau foi obtida com a venda de equipamentos mais simples para produtoras que exibem suas produções em emissoras menores.

À medida que o mercado brasileiro evolui, a cadeia de fornecedores começa a se aperfeiçoar para oferecer soluções que aumentem a eficiência do processo produtivo. Um exemplo disso é o que faz a White Gorilla, da paulista Patricia Átina, de 32 anos. Em 2012, a empresa patenteou um sistema que resolve um problema antigo das produtoras — mas que ultimamente tem ficado mais evidente com o ritmo acelerado de lançamentos.

Trata-se de uma máquina e de um software que passam um pente-fino nas filmagens brutas em busca de imperfeições nas cenas. Imagine uma tomada em que um jogo de luz e sombra chama mais atenção do que o que acontece com os personagens. Pelo método tradicional, a equipe de filmagem só descobria essas incorreções ao assistir à produção inteira com atenção, o que poderia durar horas e horas.

Com o sistema da White Gorilla, é possível encontrar as imperfeições em minutos — e decidir, na hora, se será preciso refazer a cena ou simplesmente deletá-la. “No cinema e na televisão, tempo é mesmo dinheiro. Os equipamentos são alugados por dia, e os atores, pagos com cachê de duração predefinida”, diz Patricia. “O que vendemos é a chance de tornar o processo mais eficiente para enxugar custos das produções.”

Com pouco mais de dois anos de vida, a White Gorilla já conquistou importantes clientes para seu portfólio. Pelo seu sistema busca-falha já passaram as cenas de filmes como Confissões de Adolescente — comédia sobre quatro irmãs às voltas com as dificuldades financeiras da família — e de séries como O Negócio, sobre o dia a dia de três garotas de programa de luxo, exibida pelo canal HBO. No ano passado, a empresa alcançou um faturamento de 1,2 milhão de reais — um quinto mais do que em 2013.

Embora as últimas novidades tenham gerado impacto significativo em negócios que se relacionam diretamente com cinema e televisão, outra parte do mercado audiovisual também está em plena efervescência. Trata-se dos vídeos feitos especialmente para a internet. Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos países com mais acessos ao YouTube — atrás apenas dos Estados Unidos.

Em dezembro de 2014, os brasileiros passaram, em média, 157 minutos vendo vídeos no site — quase 30% mais do que em dezembro de 2013, segundo a consultoria comScore, especializada em medir a audiência da internet.

“São números significativos para um país onde a conexão à internet deixa a desejar”, diz Alex Banks, vice-presidente para a América Latina da comScore. “O mercado tende a se desenvolver mais rapidamente quando a banda larga for mais disseminada.”

O publicitário João Henrique de Souza, de 36, e o administrador Felipe Almeida, de 35, ambos de Recife, souberam aproveitar a audiência dos brasileiros que já nasceram na era da internet. Eles são donos da Mr. Plot, produtora de desenhos animados que deverá faturar 1 milhão de reais em 2015, o dobro do ano passado.

A principal criação da Mr. Plot é o desenho Bita e os Animais, lançado no YouTube em 2012. Bita, o personagem principal, é um homenzinho ruivo que passeia pela floresta enquanto ensina o nome dos bichos aos espectadores mirins. A história caiu no gosto da criançada.

O canal no Youtube teve mais de 150 000 acessos no primeiro mês, o que animou os sócios a traçar planos para o futuro do personagem. “Enxergávamos potencial pa­­ra que Bita se tornasse uma mar­­­ca muito maior”, diz Almeida.

Ele tinha razão. O número de acessos dos desenhos no YouTube chamou a atenção dos executivos do canal a cabo Discovery Kids, que fechou contrato com a Mr. Plot para transmitir Bita e os Animais em sua programação. Em 2015, o desenho também estreará na TV Brasil, emissora pública especializada em conteúdo nacional.

Recentemente, a Mr. Plot deu um passo além. Bita, que começou suas aventuras na internet e pulou para a televisão, agora vai ganhar as prateleiras das lojas. “Estamos licenciando produtos como os instrumentos musicais que aparecem no desenho para empresas que fabricam brinquedos”, diz Almeida. Nos próximos meses, a Sony Music deverá lançar DVDs de Bita e os Animais em países como México e Argentina. “Nosso objetivo agora é fazer de Bita um personagem conhecido pelas crian­ças mundo afora”, diz Almeida.

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São Paulo - Desde a época da faculdade, os amigos Daniel Ribeiro, de 32 anos, e Diana Almeida, de 31, tinham o sonho de levar para o cinema uma história universal — a descoberta do primeiro amor. O protagonista seria Leonardo, um adolescente cego que descobre a homoafetividade ao se apaixonar por um colega de turma. Ribeiro, que estudava cinema , e Diana, que fazia jornalismo, tinham o roteiro na cabeça — mas faltava o dinheiro para concretizá-lo.

Eles criaram, então, um plano para levantar recursos. Primeiro, filmaram um curta-metragem, Eu Não Quero Voltar Sozinho, lançado no YouTube em 2010. No primeiro mês, o vídeo foi acessado cerca de 145 000 vezes. Em um ano, o curta atingiu mais de 1 milhão de visualizações.

A repercussão ajudou Ribeiro e Diana a tornar seu sonho realidade. Três anos depois do lançamento do curta, a dupla levantou 3 milhões de reais por meio de editais públicos para adaptar a história de Leonardo para o cinema numa versão estendida. O longa-metragem Hoje Eu Quero Voltar Sozinho estreou em abril de 2014 — e levou mais de 200 000 pessoas aos cinemas.

Nos últimos meses, o filme obteve várias conquistas. As principais foram o prêmio máximo da mostra Panorama do Festival de Berlim e a indicação do Brasil para disputar uma vaga entre os candidatos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “Fomos mais longe do que nosso sonho permitia”, diz Diana.

Casos como o de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho representam bem o momento atual do mercado audiovisual brasileiro. Uma conjunção de fatores tem impulsionado a produção local nos últimos anos. De um lado, há mais recursos para a produção de filmes e séries. De outro, há consumidores dispostos a pagar para ter acesso a mais entretenimento. Eis alguns indicadores:

Em 2014, o Fundo Setorial do Audiovisual — operado pela Agência Nacional de Cinema — liberou 124 milhões de reais para projetos de cinema e televisão . É mais do que o quádruplo dos recursos usados em 2009.

Em julho de 2014, o governo federal anunciou que vai investir cerca de 1,5 bilhão de reais na produção e distribuição de filmes e programas de televisão nos próximos anos. Há também iniciativas de fomento promovidas por prefeituras de grandes centros culturais. Em janeiro, a cidade de São Paulo lançou o SPCine, órgão que tem 20 milhões de reais para financiar a produção audiovisual nos próximos meses. Algo parecido é feito no Rio de Janeiro há mais tempo. Em 2014, a RioFilme aplicou 40 milhões de reais em projetos audiovisuais — quase o triplo do valor investido em 2009.

Segundo a consultoria PwC, em 2015 os brasileiros deverão desembolsar 2,4 bilhões de dólares com cinema, TV a cabo, DVDs e filmes online — 14% mais do que em 2013. A estimativa é que, em 2017, os gastos cheguem a 3 bilhões de dólares.

Fatores como esses têm mexido com a dinâmica do mercado audiovisual. Antigamente, alguém com uma boa ideia na cabeça e certa habilidade para transformá-la num filme não chegava muito longe sem ter o apoio de grandes empresas do setor, como a Globo Filmes, ou de um parceiro internacional. Mesmo as produtoras que reúnem alguns dos melhores profissionais do mercado não conseguiam sobreviver só da produção de filmes e séries.

Veja o caso da paulistana O2. Criada no começo dos anos 90, a empresa tem entre seus sócios fundadores um dos mais importantes nomes do atual cinema brasileiro, o paulista Fernando Meirelles, indicado ao Oscar de Melhor Direção pelo filme Cidade de Deus, em 2004. Até quatro anos atrás, 95% do faturamento da O2 vinha da produção de vídeos para a publicidade (esse, sim, um campo em que o Brasil é protagonista na cena internacional).

Com o aumento dos recursos públicos destinados à produção audiovisual, a empresa mudou de perfil. No ano passado, a parcela que o mercado publicitário ocupava nas receitas da O2 caiu para 70% — o restante vem dos filmes de entretenimento. Entre os produzidos com recursos públicos captados em editais de incentivo estão Cidade dos Homens, de 2007, e À Deriva, de 2009.

“Juntos, esses filmes levaram 330 000 pessoas ao cinema”, diz a produtora Andrea Barata Ribeiro, de 52 anos, sócia da O2. Estimativas de mercado apontam que a O2 teve receitas de cerca de 120 milhões de reais em 2014.

Além do aumento de recursos, há alguns anos a indústria nacional ganhou um empurrão extra. Em 2011 entrou em vigor a Lei no 12.485, que torna obrigatória a transmissão de pelo menos 3 horas e meia de conteúdo nacional por semana nos canais de TV a cabo. Com a lei, ganhou fôlego a produção de séries.

No caso da O2, o salto da produção foi drástico. Das 17 séries produzidas pela empresa em seus 25 anos de história, 12 foram lançadas de 2011 para cá. Um dos maiores sucessos foi Contos do Edgar, uma adaptação de algumas obras do escritor americano Edgar Allan Poe para a cidade de São Paulo, exibida pela Fox em 2013.

“Para os próximos três anos, estamos preparando outras 11 séries de televisão”, diz Andrea. De 2011 a 2013, mais do que triplicou o número de horas de conteúdo nacional nos principais canais de TV a cabo, como Cinemax, Warner e HBO, segundo a Ancine.

Se por um lado a lei aumentou a visibilidade das produções nacionais, de outro forçou uma situação com a qual o mercado ainda está se acostumando. De maneira geral, as emissoras de TV a cabo estão tendo de correr para criar o conteúdo nacional que preenche sua cota semanal obrigatória. Acontece que uma cadeia produtiva não se cria de uma hora para a outra.

Alguns gargalos já são evidentes. Um dos principais é a falta de mão de obra — procuram-se roteiristas, produtores e outros profissionais essenciais para o setor. “Aos poucos, o mercado suprirá as carências, mas isso leva tempo”, diz Leonardo Brant, dono de uma consultoria especializada em projetos culturais.

O atual momento oferece oportunidades para empreendedores como a gestora cultural Alice Coutinho, de 29 anos. Ela é sócia da Cemec, escola de São Paulo que oferece cursos para profissionais de várias áreas do entretenimento, como produtores culturais ligados ao teatro e à música.

Fundada em 2010, há pouco mais de um ano a Cemec tem se especializado em capacitar profissionais que desejam atuar na cadeia audiovisual. Entre os cursos mais procurados estão os de elaboração de projetos de cinema e de televisão. “Muitos produtores não sabem fazer um plano de captação de recursos para um filme ou uma série”, diz Alice. “Aqui eles aprendem a buscar capital nas fontes certas e como prestar contas no final do projeto.”

Em 2014, a Cemec faturou 800 000 reais, um terço mais do que em 2013. Até o fim de 2015, a empresa deverá lançar novos cursos da área audiovisual, como o de roteirista. “Devemos encerrar o ano com 1 milhão de reais em receitas”, diz Alice.

Abrahao Sochaczewski, da Bureau de Cinema e Vídeo:fornecimento de câmeras e lentes para a gravação de séries como Sessão de Terapia e de programas como Chegadas e Partidas (Germano Lüders / EXAME PME)

O apagão de profissionais não se limita às áreas de criação e produção. Falta gente até para funções básicas, como operar equipamentos de filmagem. Esse problema colocou o empreendedor paulista Abrahao Sochaczewski, de 48 anos, numa situação inusitada. Há cada vez mais demanda pelos produtos de sua empresa, a Bureau de Cinema e Vídeo, que aluga e vende equipamentos de filmagem.

Mas onde encontrar gente suficiente para operar câmeras de última geração? Mistério. Nos próximos meses, Sochaczewski deverá começar a resolver esse problema ao lançar um treinamento para operadores de câmera amadores.

“Novos equipamentos são lançados a cada semestre e as produtoras sempre querem o melhor para atender às exigências técnicas das emissoras”, afirma Sochaczewski. “Capacitar pessoas para operar equipa-men­tos de ponta é crucial para o crescimento da Bureau.”

Em 2014, a Bureau faturou 3,5 milhões de reais — e a expectativa é crescer 20% em 2015. Metade das receitas veio do aluguel de equipamentos de última geração para produtoras responsáveis por programas exibidos em canais fechados.

É o caso da paulistana Mixer, que produziu a série Sessão de Terapia, sobre a relação entre um psicanalista e seus pacientes, que foi ao ar de 2013 a 2014 pelo canal GNT. A outra metade do faturamento da Bureau foi obtida com a venda de equipamentos mais simples para produtoras que exibem suas produções em emissoras menores.

À medida que o mercado brasileiro evolui, a cadeia de fornecedores começa a se aperfeiçoar para oferecer soluções que aumentem a eficiência do processo produtivo. Um exemplo disso é o que faz a White Gorilla, da paulista Patricia Átina, de 32 anos. Em 2012, a empresa patenteou um sistema que resolve um problema antigo das produtoras — mas que ultimamente tem ficado mais evidente com o ritmo acelerado de lançamentos.

Trata-se de uma máquina e de um software que passam um pente-fino nas filmagens brutas em busca de imperfeições nas cenas. Imagine uma tomada em que um jogo de luz e sombra chama mais atenção do que o que acontece com os personagens. Pelo método tradicional, a equipe de filmagem só descobria essas incorreções ao assistir à produção inteira com atenção, o que poderia durar horas e horas.

Com o sistema da White Gorilla, é possível encontrar as imperfeições em minutos — e decidir, na hora, se será preciso refazer a cena ou simplesmente deletá-la. “No cinema e na televisão, tempo é mesmo dinheiro. Os equipamentos são alugados por dia, e os atores, pagos com cachê de duração predefinida”, diz Patricia. “O que vendemos é a chance de tornar o processo mais eficiente para enxugar custos das produções.”

Com pouco mais de dois anos de vida, a White Gorilla já conquistou importantes clientes para seu portfólio. Pelo seu sistema busca-falha já passaram as cenas de filmes como Confissões de Adolescente — comédia sobre quatro irmãs às voltas com as dificuldades financeiras da família — e de séries como O Negócio, sobre o dia a dia de três garotas de programa de luxo, exibida pelo canal HBO. No ano passado, a empresa alcançou um faturamento de 1,2 milhão de reais — um quinto mais do que em 2013.

Embora as últimas novidades tenham gerado impacto significativo em negócios que se relacionam diretamente com cinema e televisão, outra parte do mercado audiovisual também está em plena efervescência. Trata-se dos vídeos feitos especialmente para a internet. Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos países com mais acessos ao YouTube — atrás apenas dos Estados Unidos.

Em dezembro de 2014, os brasileiros passaram, em média, 157 minutos vendo vídeos no site — quase 30% mais do que em dezembro de 2013, segundo a consultoria comScore, especializada em medir a audiência da internet.

“São números significativos para um país onde a conexão à internet deixa a desejar”, diz Alex Banks, vice-presidente para a América Latina da comScore. “O mercado tende a se desenvolver mais rapidamente quando a banda larga for mais disseminada.”

O publicitário João Henrique de Souza, de 36, e o administrador Felipe Almeida, de 35, ambos de Recife, souberam aproveitar a audiência dos brasileiros que já nasceram na era da internet. Eles são donos da Mr. Plot, produtora de desenhos animados que deverá faturar 1 milhão de reais em 2015, o dobro do ano passado.

A principal criação da Mr. Plot é o desenho Bita e os Animais, lançado no YouTube em 2012. Bita, o personagem principal, é um homenzinho ruivo que passeia pela floresta enquanto ensina o nome dos bichos aos espectadores mirins. A história caiu no gosto da criançada.

O canal no Youtube teve mais de 150 000 acessos no primeiro mês, o que animou os sócios a traçar planos para o futuro do personagem. “Enxergávamos potencial pa­­ra que Bita se tornasse uma mar­­­ca muito maior”, diz Almeida.

Ele tinha razão. O número de acessos dos desenhos no YouTube chamou a atenção dos executivos do canal a cabo Discovery Kids, que fechou contrato com a Mr. Plot para transmitir Bita e os Animais em sua programação. Em 2015, o desenho também estreará na TV Brasil, emissora pública especializada em conteúdo nacional.

Recentemente, a Mr. Plot deu um passo além. Bita, que começou suas aventuras na internet e pulou para a televisão, agora vai ganhar as prateleiras das lojas. “Estamos licenciando produtos como os instrumentos musicais que aparecem no desenho para empresas que fabricam brinquedos”, diz Almeida. Nos próximos meses, a Sony Music deverá lançar DVDs de Bita e os Animais em países como México e Argentina. “Nosso objetivo agora é fazer de Bita um personagem conhecido pelas crian­ças mundo afora”, diz Almeida.

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