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Alicerces abalados na construtora BS

A construtora BS cresceu muito em poucos anos, as contas saíram do controle e vieram as dívidas. Cabe a seu fundador, o ex-pedreiro Sidnei dos Santos, reerguê-la

Sidnei Borges dos Santos, dono da BS Construtora: "Perdi a conta de quantas conversas difíceis tive com credores em 2011. Até ameaças de morte eu recebi" (Raul Junior)
DR

Da Redação

Publicado em 4 de junho de 2012 às 09h00.

São Paulo - Até recentemente, o catarinense Sidnei Borges dos Santos, de 37 anos, era dono de um negócio em ascensão. Sua empresa, a construtora BS, cresceu 125% entre 2008 e 2010, quando faturou 180 milhões de reais construindo galpões e casas pré-montadas. Santos, um ex-pedreiro que estudou até a 5a série, contratava profissionais egressos de grandes companhias como Ambev, Procter &Gamble e Gerdau .

Os diretores da BS recebiam até oito salários por ano de participação nos lucros. A empresa estava no auge, e Santos sentia-se à vontade para rejeitar propostas de investidores interessados em comprar uma participação na BS.

No começo de 2011, a trajetória de expansão foi interrompida. O pagamento de fornecedores atrasou. Obras pararam. O escritório em Porto Velho, onde a BS construía um condomínio de 500 casas, fechou, deixando descontente gente como o sonoplasta Carlos José Oliveira, de 29 anos. "Dei 5 000 reais de entrada numa casa e fiquei sem nada", diz ele.

Os problemas fizeram o Ministério Público de Rondônia pedir quebra do sigilo fiscal e bancário dos sócios da BS. Em decisão liminar, o pedido foi acatado.

Em novembro, Santos entrou com um pedido de recuperação judicial na comarca de Sorriso, em Mato Grosso, onde fica a sede da BS, que foi deferido pelo juiz Wanderlei dos Reis. (A recuperação judicial é um instrumento legal que permite a uma empresa renegociar débitos para tentar se reerguer. ).

O total da dívida da BS é estimado em 90 milhões de reais. Entre seus principais credores estão os bancos Itaú, Safra e Credit Suisse, fornecedores, funcionários e clientes que compraram casas.

Em maio de 2011, sem ter como pagar fornecedores de cimento e salários, Santos convocou uma reunião e, às lágrimas, demitiu a maior parte do pessoal. “Perdi a conta de quantas conversas já tive com credores”, diz Santos. “Até ameaças de morte recebi.”

O faturamento da BS em 2011 fechou em 22 milhões de reais — pouco mais de 25% do que a empresa obteve em 2008. Dos 150 funcionários que a empresa mantinha em Brasília, onde a intenção era construir casas populares próximas ao plano piloto, restaram nove.


O caso da BS mostra como pode ser arriscado o caminho de uma pequena ou média empresa — quando mal administrada, uma fase de crescimento muito acelerado pode passar de bênção a maldição. É um exemplo, também, de como pode ser complicada a transição de um negócio familiar para uma estrutura mais profissional.

Os tempos de bonança duravam desde 2007. Naquele ano, para atender a uma demanda da Sadia, Santos teve a ideia de fabricar casas em que as paredes e a laje formavam uma peça única — um bloco, como uma caixa de sapatos. Foi uma inovação que permitiu à BS entregar uma casa em 24 horas, cinco vezes mais rápido que do jeito tradicional.

Depois da Sadia, outras grandes empresas procuraram a BS. Por vários anos, boa parte das receitas da construtora vinha de clientes que a contratavam para levantar armazéns e casas para os funcionários. Os negócios deslancharam, e, em julho de 2009, Santos chegou à conclusão de que tinha chegado a hora de profissionalizar a gestão.

Convidou, para o cargo de vice-presidente, o engenheiro Marcelo Miranda, ex-funcionário da construtora brasiliense Caenge e recém-chegado de um mestrado na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Em torno de Miranda, Santos formou uma equipe de executivos profissionais.

Naquele ano, definiu-se que a BS passaria a expandir também com incorporação de imóveis. "Esperávamos vender muitas casas financiadas com recursos de programas habitacionais", diz Santos.

Era um jogo diferente do anterior, em que os clientes corporativos pagavam um adiantamento no início das obras.  No novo modelo era preciso adquirir terrenos, desenhar projetos, contratar operários e tocar as obras.

Poderiam se passar meses até que as casas fossem vendidas e o dinheiro voltasse para o caixa — a clássica situação em que a necessidade de capital de giro tende a aumentar conforme se cresce. Para piorar, muitos terrenos eram adquiridos à vista.

Com o tempo, Santos começou a ficar meio aflito. “Os resultados estavam demorando demais para aparecer”, diz. Ele queria rever a estratégia, pois achava melhor voltar a trabalhar no sistema antigo. Miranda discordou. Em julho de 2010, pediu demissão.


Acontece que nem tudo ia bem também no modelo antigo. O maior contrato corporativo da BS previa a construção de 1 600 casas numa cidade nas proximidades da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. De acordo com o contrato, fechado em 2008 com a Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária responsável por obras da usina, a BS receberia 207 milhões de reais.

"Achei que era o contrato da minha vida", afirma Santos. "Mas a ESBR sempre pedia serviços extras, que atrasavam as obras, e depois nos culpava pela demora."

Ele afirma que o negócio acabou não sendo rentável para a BS — que não tinha uma reserva de caixa suficiente para atravessar a crise. "Tivemos de recorrer a empréstimos para concluir as casas da ESBR", diz Santos. "As obras foram inauguradas em janeiro de 2011."

Santos conta que, antes disso, quando as contas não fechavam mais, tentou negociar um aporte de capital do BNDESPar, braço de participações do BNDES , na construtora. Ele também procurou bancos que pudessem emprestar 50 milhões de reais à BS. “Foi o que calculei ser suficiente para manter a empresa por  seis meses”, diz.

Santos acreditava que esse seria um prazo suficiente para concluir as negociações com o BNDESPar. Acabou conseguindo um crédito de 20 milhões de reais com o Credit Suisse. Àquela altura, a BS já havia atrasado alguns pagamentos a alguns de seus fornecedores. Uma parte deles protestava em cartório para receber a sua parte.

No primeiro trimestre de 2011, o BNDESPar encerrou as negociações. Nos meses seguintes, as despesas continuavam maiores que as receitas e o dinheiro do empréstimo acabou. "Não tive outra alternativa a não ser demitir as pessoas", diz ele.

A maior parte das obras que já estavam em andamento teve de ser interrompida. Para tocar as demais e fazer algum dinheiro, Santos vendeu uma das três fábricas de casas pré-montadas da BS.


Desde novembro, quando o pedido de recuperação da BS foi deferido, Santos vem comparecendo ao escritório de Brasília todos os dias, onde faz planos para reerguer a empresa. O momento agora é de elaborar um plano para a retomada, e esperar que os credores o aprovem.

Nesse caso, Santos seguiria no comando da construtora e passaria a prestar contas de seus atos ao administrador judicial do processo. "Vou buscar investidores e parceiros interessados", diz Santos. "Quero concluir as obras que ficaram pela metade em Sorriso e em Rio Branco, e devolver aos clientes o dinheiro dos imóveis vendidos em Porto Velho."

Enquanto atravessa a fase difícil, Santos se apega à fé. "À noite, converso com Deus e me acalmo", diz. Evangélico, ele nunca deixou de doar 10% de seu salário como presidente da BS à Assembleia de Deus. Quando a situação ficou difícil, os funcionários começaram a criticar o pagamento do dízimo. "Nunca tirei dinheiro da empresa", diz ele.

Santos também fez ofertas — nome que os evangélicos dão às doações além do dízimo. Em tempos melhores, eles doou dinheiro para vítimas de enchentes e para orfanatos. Por enquanto, as ofertas estão suspensas. "Deus não permite nada por acaso", diz Santos. "Na pior das hipóteses, tudo isso terá servido como aprendizado."

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São Paulo - Até recentemente, o catarinense Sidnei Borges dos Santos, de 37 anos, era dono de um negócio em ascensão. Sua empresa, a construtora BS, cresceu 125% entre 2008 e 2010, quando faturou 180 milhões de reais construindo galpões e casas pré-montadas. Santos, um ex-pedreiro que estudou até a 5a série, contratava profissionais egressos de grandes companhias como Ambev, Procter &Gamble e Gerdau .

Os diretores da BS recebiam até oito salários por ano de participação nos lucros. A empresa estava no auge, e Santos sentia-se à vontade para rejeitar propostas de investidores interessados em comprar uma participação na BS.

No começo de 2011, a trajetória de expansão foi interrompida. O pagamento de fornecedores atrasou. Obras pararam. O escritório em Porto Velho, onde a BS construía um condomínio de 500 casas, fechou, deixando descontente gente como o sonoplasta Carlos José Oliveira, de 29 anos. "Dei 5 000 reais de entrada numa casa e fiquei sem nada", diz ele.

Os problemas fizeram o Ministério Público de Rondônia pedir quebra do sigilo fiscal e bancário dos sócios da BS. Em decisão liminar, o pedido foi acatado.

Em novembro, Santos entrou com um pedido de recuperação judicial na comarca de Sorriso, em Mato Grosso, onde fica a sede da BS, que foi deferido pelo juiz Wanderlei dos Reis. (A recuperação judicial é um instrumento legal que permite a uma empresa renegociar débitos para tentar se reerguer. ).

O total da dívida da BS é estimado em 90 milhões de reais. Entre seus principais credores estão os bancos Itaú, Safra e Credit Suisse, fornecedores, funcionários e clientes que compraram casas.

Em maio de 2011, sem ter como pagar fornecedores de cimento e salários, Santos convocou uma reunião e, às lágrimas, demitiu a maior parte do pessoal. “Perdi a conta de quantas conversas já tive com credores”, diz Santos. “Até ameaças de morte recebi.”

O faturamento da BS em 2011 fechou em 22 milhões de reais — pouco mais de 25% do que a empresa obteve em 2008. Dos 150 funcionários que a empresa mantinha em Brasília, onde a intenção era construir casas populares próximas ao plano piloto, restaram nove.


O caso da BS mostra como pode ser arriscado o caminho de uma pequena ou média empresa — quando mal administrada, uma fase de crescimento muito acelerado pode passar de bênção a maldição. É um exemplo, também, de como pode ser complicada a transição de um negócio familiar para uma estrutura mais profissional.

Os tempos de bonança duravam desde 2007. Naquele ano, para atender a uma demanda da Sadia, Santos teve a ideia de fabricar casas em que as paredes e a laje formavam uma peça única — um bloco, como uma caixa de sapatos. Foi uma inovação que permitiu à BS entregar uma casa em 24 horas, cinco vezes mais rápido que do jeito tradicional.

Depois da Sadia, outras grandes empresas procuraram a BS. Por vários anos, boa parte das receitas da construtora vinha de clientes que a contratavam para levantar armazéns e casas para os funcionários. Os negócios deslancharam, e, em julho de 2009, Santos chegou à conclusão de que tinha chegado a hora de profissionalizar a gestão.

Convidou, para o cargo de vice-presidente, o engenheiro Marcelo Miranda, ex-funcionário da construtora brasiliense Caenge e recém-chegado de um mestrado na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Em torno de Miranda, Santos formou uma equipe de executivos profissionais.

Naquele ano, definiu-se que a BS passaria a expandir também com incorporação de imóveis. "Esperávamos vender muitas casas financiadas com recursos de programas habitacionais", diz Santos.

Era um jogo diferente do anterior, em que os clientes corporativos pagavam um adiantamento no início das obras.  No novo modelo era preciso adquirir terrenos, desenhar projetos, contratar operários e tocar as obras.

Poderiam se passar meses até que as casas fossem vendidas e o dinheiro voltasse para o caixa — a clássica situação em que a necessidade de capital de giro tende a aumentar conforme se cresce. Para piorar, muitos terrenos eram adquiridos à vista.

Com o tempo, Santos começou a ficar meio aflito. “Os resultados estavam demorando demais para aparecer”, diz. Ele queria rever a estratégia, pois achava melhor voltar a trabalhar no sistema antigo. Miranda discordou. Em julho de 2010, pediu demissão.


Acontece que nem tudo ia bem também no modelo antigo. O maior contrato corporativo da BS previa a construção de 1 600 casas numa cidade nas proximidades da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. De acordo com o contrato, fechado em 2008 com a Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária responsável por obras da usina, a BS receberia 207 milhões de reais.

"Achei que era o contrato da minha vida", afirma Santos. "Mas a ESBR sempre pedia serviços extras, que atrasavam as obras, e depois nos culpava pela demora."

Ele afirma que o negócio acabou não sendo rentável para a BS — que não tinha uma reserva de caixa suficiente para atravessar a crise. "Tivemos de recorrer a empréstimos para concluir as casas da ESBR", diz Santos. "As obras foram inauguradas em janeiro de 2011."

Santos conta que, antes disso, quando as contas não fechavam mais, tentou negociar um aporte de capital do BNDESPar, braço de participações do BNDES , na construtora. Ele também procurou bancos que pudessem emprestar 50 milhões de reais à BS. “Foi o que calculei ser suficiente para manter a empresa por  seis meses”, diz.

Santos acreditava que esse seria um prazo suficiente para concluir as negociações com o BNDESPar. Acabou conseguindo um crédito de 20 milhões de reais com o Credit Suisse. Àquela altura, a BS já havia atrasado alguns pagamentos a alguns de seus fornecedores. Uma parte deles protestava em cartório para receber a sua parte.

No primeiro trimestre de 2011, o BNDESPar encerrou as negociações. Nos meses seguintes, as despesas continuavam maiores que as receitas e o dinheiro do empréstimo acabou. "Não tive outra alternativa a não ser demitir as pessoas", diz ele.

A maior parte das obras que já estavam em andamento teve de ser interrompida. Para tocar as demais e fazer algum dinheiro, Santos vendeu uma das três fábricas de casas pré-montadas da BS.


Desde novembro, quando o pedido de recuperação da BS foi deferido, Santos vem comparecendo ao escritório de Brasília todos os dias, onde faz planos para reerguer a empresa. O momento agora é de elaborar um plano para a retomada, e esperar que os credores o aprovem.

Nesse caso, Santos seguiria no comando da construtora e passaria a prestar contas de seus atos ao administrador judicial do processo. "Vou buscar investidores e parceiros interessados", diz Santos. "Quero concluir as obras que ficaram pela metade em Sorriso e em Rio Branco, e devolver aos clientes o dinheiro dos imóveis vendidos em Porto Velho."

Enquanto atravessa a fase difícil, Santos se apega à fé. "À noite, converso com Deus e me acalmo", diz. Evangélico, ele nunca deixou de doar 10% de seu salário como presidente da BS à Assembleia de Deus. Quando a situação ficou difícil, os funcionários começaram a criticar o pagamento do dízimo. "Nunca tirei dinheiro da empresa", diz ele.

Santos também fez ofertas — nome que os evangélicos dão às doações além do dízimo. Em tempos melhores, eles doou dinheiro para vítimas de enchentes e para orfanatos. Por enquanto, as ofertas estão suspensas. "Deus não permite nada por acaso", diz Santos. "Na pior das hipóteses, tudo isso terá servido como aprendizado."

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