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O que a revolução dos dados pode fazer por sua empresa?

Entenda como o big data - a extraordinária quantidade de informações coletadas por novas tecnologias - pode ser usado para tornar sua empresa muito mais competitiva

Eldes Mattiuzzo, da Bidu (Daniela Toviansky)

Eldes Mattiuzzo, da Bidu (Daniela Toviansky)

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Da Redação

Publicado em 29 de outubro de 2013 às 12h06.

São Paulo - Você sabia que quem compra fraldas descartáveis para nenê é um consumidor potencial de cerveja? A rede de supermercados Walmart, nos Estados Unidos, descobriu essa correlação inusitada ao cruzar números de vendas nas lojas com padrões de comportamento de quem tem cartões de fidelidade.

O que a fralda tinha a ver com a cerveja? Antes mesmo de entender se havia um motivo ou era mera casualidade, os dois produtos foram colocados lado a lado nas prateleiras. Somadas as receitas, as vendas dos dois itens aumentaram 40%. As pesquisas posteriormente revelaram que os consumidores eram homens que saíam à noite para comprar fralda numa emergência e aproveitavam para levar algumas latinhas.

Ocorrido no fm dos anos 90, o caso até hoje é um exemplo clássico de como o cruzamento de dois bancos de dados pode ajudar nos negócios. De lá para cá, nada mudou. Ao mesmo tempo, tudo mudou.

O que não mudou: as empresas continuam em busca de um Santo Graal que permita extrair conclusões úteis das informações captadas
no relacionamento com os clientes.

Mas também tudo mudou. Na grande maioria das empresas, até um passado não muito distante o jeito de coletar informações não ia muito além de pedir ao cliente que ele preenchesse um cadastro com nome, aniversário e passatempo preferido.

Agora, bilhões de consumidores deixam pegadas digitais por todo o lado ao pesquisar no Google, fazer comentários no Facebook, assistir a um vídeo no YouTube ou programar um endereço no GPS do carro, o que está gerando um banco de dados descomunal, denominado big data.

Para negócios de todos os tamanhos, o volume, a velocidade e a variedade de dados são ingredientes para um mundo novo de oportunidades. Quando é bem-feita, a análise do oceano de informações pode revelar padrões de comportamento, correlações entre dados até então escondidos, signifcados antes ocultos e ajudar a prever tendências de consumo.


"As empresas nunca colecionaram tantos detalhes sobre o comportamento de seus clientes como agora", afirma Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias da IBM no Brasil. "Quanto mais elas conhecem seus clientes, mais conseguem fazer sugestões adequadas a eles."

As estimativas dizem que até 2016 será acumulado no mundo pelo menos 1 zettabyte de dados por mês, o equivalente a quase 50 bilhões de iPads. Você consegue imaginar? Nós também não. O que os donos de empresas emergentes podem fazer com tudo isso? De que forma esse zizilhão de dados pode ser usado para tornar uma empresa mais competitiva?

Ninguém sabe, com toda a certeza, qual é a resposta. Mas há quem saiba o que não deve ser feito diante da possibilidade de se perder em análises e análises que não levam a nada útil. "Nenhum empreendedor deve cair na tentação de remexer montanhas de dados para tentar fazer uma descoberta mágica", diz o brasileiro Mário Faria, um dos maiores especialistas em big data do mundo .

"É preciso se concentrar primeiro em algum problema objetivo e, depois de obtidas as respostas, aperfeiçoar o método. Trata-se de uma aprendizagem em que perguntas conduzem a respostas, que geram novas perguntas."

É o que estão fazendo os cinco donos de pequenas e médias empresas que aparecem nesta reportagem. Eles estão conseguindo transformar uma parte das muitas informações coletadas dentro e fora de suas empresas em ferramentas de inteligência competitiva, que os estão ajudando a aperfeiçoar produtos, descobrir mercados, aumentar as vendas e conquistar clientes.

Esses empreendedores são a prova de como o acesso à tecnologia está, muito rapidamente, deixando de ser um obstáculo para o crescimento dos pequenos e médios negócios. Antigamente, guardar e acessar com eficiência um volume relativamente pequeno de informações exigia investimento pesado em hardware, e a instalação levava meses.

"Nos anos 90, estocar 1 gigabyte custava 1.000 dólares para as empresas. Hoje, custa 6 centavos", diz Federico Grosso, diretor da unidade de softwares para análise de dados da HP na América Latina. Também houve certa popularização dos sofwares de inteligência artifcial, capazes de interpretar fotos e vídeos e classifcar mensagens de acordo com o provável estado de espírito do autor — como reclamações, ofensas ou elogios.

É o caso dos algoritmos que monitoram tudo o que é dito sobre uma empresa nas redes sociais. Um serviço desses pode ser contratado hoje por menos de 2.000 reais por mês. "O big data é uma evolução natural da computação em nuvem, em que o poder de arquivamento e processamento das máquinas migrou para a internet. Os custos são rateados com milhares de outros usuários", diz Grosso.


Uma das possibilidades mais interessantes abertas pelo big data é trabalhar com o que os especialistas chamam de micromercados. Em linguagem simples, significa identifcar perfs de clientes que compartilham certas características e oferecer a eles atendimento personalizado — algo muito bonito no discurso, mas que fca cada vez mais complicado de praticar à medida que uma empresa cresce.

"Geralmente, as empresas separam seus clientes por localização geográfca ou alguma importância financeira", diz Vladimir Motta, gerente da paulista Stone Age, que desenvolve softwares para análise de dados. “Os algoritmos de alto desempenho podem subdividir os grupos em centenas de outros, classificados de acordo com o comportamento de clientes com hábitos semelhantes."

 A Target, loja de departamentos americana com 1.800 pontos de venda, é capaz de adivinhar, com boa chance de acerto, se uma cliente está grávida, mesmo que ela não tenha dado essa informação em nenhum formulário. Funcionários do departamento de análise de dados da empresa analisaram o histórico de mulheres que haviam entregado lista de presentes que queriam receber em seu chá de bebê.

Descobriram-se alguns padrões de consumo. Por volta do terceiro mês de gestação, as grávidas passaram a comprar hidratante sem perfume. Alguns meses depois, tendiam a comprar suplementos de magnésio, cálcio e zinco. Será que o caminho inverso dava certo? Ou seja, mulheres que compram suplementos de vitaminas poucos meses depois de ter comprado hidratantes sem perfume estariam
grávidas?

A resposta para essa pergunta um tanto ridícula foi sim em vários casos. Por fim, o departamento de análise identifcou uma série de produtos e atribuiu a eles notas de acordo com o provável vínculo que eles poderiam ter com a possibilidade de gravidez. O acompanhamento do consumo de mulheres que usavam seus cartões de fidelidade permitiu acertar, com pequena margem de erro, quantas estavam esperando bebê — e até estimar o dia do parto.

Além de mostrar o que os clientes querem, análises por meio do big data podem ajudar a empresa a mudar o comportamento dos consumidores. Se uma pessoa costuma comprar café todos os dias em uma loja, mas muda o hábito no fim do mês porque o salário
está acabando, é possível enviar a ela cupons promocionais que valem naquele período.


Com isso, a loja pode tentar evitar a migração para um concorrente que cobra menos. "A interpretação correta dos dados permitirá às empresas ser mais proativas", afirma José Coscelli, presidente da ReachLocal, desenvolvedora de softwares de data marketing. Outra utilidade para o big data é acompanhar indicadores estratégicos em tempo real.

"Quando a maioria dos dados precisava ser organizada e analisada manualmente, muitos aspectos que podiam atrapalhar as vendas só eram descobertos tarde demais, quando não era possível tomar providências a tempo de reverter a situação", diz Fábio Elias, diretor de big data da Oracle no Brasil. "Hoje, os dados são processados a uma velocidade que beira o instantâneo". 

Recentemente, a loja de departamentos americana Nordstrom encontrou no Pinterest, rede social utilizada por jovens para compartilhar fotos, uma maneira de descobrir rapidamente se as coleções de sua marca própria agradaram.  Ao lançar novos modelos de vestidos, bolsas e calçados, a Nordstrom divulga imagens de seu catálogo para mais de 4 milhões de pessoas que seguem o perfil da marca no Pinterest.

Diariamente, os gerentes das lojas recebem relatórios que consolidam dados obtidos no Pinterest com outras informações, como previsão do tempo e comportamento de vendas em outras unidades. O material ajuda a defnir que peças precisam ser destacadas na vitrine para correr menos risco de fcar mofando na prateleira. Os exemplos mais bem-acabados de bom uso de big data estão nas grandes lojas de varejo.

Mas a tendência é que cada vez mais empresas de diferentes setores encontrem seu caminho na selva. Bancos e outras instituições financeiras, que monitoram milhares de transações por segundo, vêm tentando — nem sempre com muito sucesso — saber o que fazer com as informações que constam numa simples fatura de cartão de crédito.

"Cada vez mais empresas nascem com seu modelo de negócios inteiramente com base na análise de dados em tempo real", diz Coscelli, da ReachLocal. Trata-se de uma mudança cultural tremenda.


"Sempre foi dito aos vendedores que eles precisam entender o que faz o consumidor comprar e compreender as razões por trás das decisões. É uma realidade em que anos de experiência são extremamente valorizados", escreve Viktor Mayer-Schönberger, professor de governança corporativa da Universidade de Oxford, na Inglaterra, no livro Big Data — Como Extrair Valor da Avalanche de Informação Cotidiana.  "O big data indica que há outras formas de abordagem, menos intuitivas e mais pragmáticas."

Num ambiente em que há fartura de dados, também há fartura de comparações aleatórias inúteis. O maior obstáculo, portanto, não é tecnológico — é humano. Que perguntas devem ser feitas ao oráculo do big data continua a ser missão do dono da empresa. Quem não
entender seu próprio negócio não vai saber também que tipo de informação buscar.

Corre-se o risco de fazer perguntas erradas e interpretar as respostas de um jeito mais errado ainda. Como se diz, bem torturados os números revelam qualquer coisa.

Contato imediato

Quais dados coleta: Quem entra no site da corretora de seguros Bidu costuma preencher um formulário com informações cadastrais como sexo, data de nascimento, endereço, modelo e ano do carro. "O site estima para o usuário quanto custa a apólice do automóvel

dele em sete seguradoras", diz Eldes Mattiuzzo, de 45 anos, fundador da Bidu.

O que faz com os dados: Um algoritmo dá nota de 1 a 100 para cada potencial cliente que preenche o cadastro. Quanto maior a nota, maior a probabilidade de ele comprar uma apólice. O sistema considera mais de 30 variáveis. Quem é muito jovem ou tem carro importado, por exemplo, ganha nota baixa. 


Quem mora no interior, onde há menos concorrência entre corretoras, ganha nota alta. A soma determina o prazo máximo em que um funcionário da Bidu precisa entrar em contato com o cliente e o canal mais adequado — chat online, e-mail ou telefone. "Nossos corretores têm de ligar no mesmo dia para quem recebeu nota alta, mas saiu do site sem comprar", diz Mattiuzzo.

Resultado: "De cada dez ligações telefônicas que fazemos, cinco geram novos contratos", diz Mattiuzzo. 

Possibilidades: A Bidu quer reunir mais dados sobre quem preenche o cadastro — mas sem aumentar o tamanho do formulário, o que pode ser um tiro no pé. "Vamos rastrear quem curte marcas de carros no Facebook", diz Mattiuzzo. "A ideia é que nosso vendedor esteja com o máximo possível de informações sobre o cliente para abordá-lo na hora certa e com o melhor discurso."

O cliente tem voz

Quais dados coleta: A fabricante de lingeries Dilady recebe cerca de 2.000 contatos por mês de consumidoras e lojistas por e-mail, telefone e redes sociais. "Muitos são para sugerir novos modelos de lingerie", diz Márcio Pereira, de 33 anos, sócio da Dilady. 

O que faz com os dados: Um sistema identifica palavras -chave que indicam alta possibilidade de várias pessoas estarem sugerindo algo parecido — como mudar um tipo de elástico, por exemplo. Periodicamente, os executivos da Dilady se reúnem para discutir a viabilidade de fabricação das ideias sugeridas. "Quando decidimos fabricar, o primeiro lote é colocado à venda em poucas cidades
para testar o potencial de consumo", diz Pereira.


Resultado: Cerca de 70% das receitas da Dilady vêm de lingeries lançadas nos últimos dois anos. "Criamos um sutiã para mulheres que
passaram por cirurgia de mastectomia a pedido de quem já era cliente. Vendeu muito", diz Pereira. "Ao debruçarmos sobre nossos próprios dados, economizamos um bocado ao dispensar consultorias caras e pesquisas de mercado tradicionais."

Possibilidades: A empresa pretende aperfeiçoar os relatórios incluindo informações do que é citado sobre as marcas concorrentes nas redes sociais. "Também queremos fazer monitoramento automático do que as principais blogueiras de moda dizem sobre lingeries, mas estamos pensando num jeito que não torne nossos relatórios cheios de blá-blá-blá e pouco práticos para tomar decisões", afirma Pereira.

Ofertas da hora

Quais dados coleta: Desde o primeiro momento que um potencial cliente visita o Hotel Urbano, site que vende pacotes turísticos pela internet, todos os seus passos são monitorados — todos mesmo. Um sistema detecta onde ele clica, onde o mouse para por mais tempo para ler alguma coisa, quais palavras são digitadas e o que coloca e tira do carrinho de compras.

"Nosso sistema faz um raio X para identifcar quais das mais de 3.000 opções de viagem oferecidas a pessoa tem propensão a comprar", diz João Ricardo Mendes, de 32 anos, sócio do Hotel Urbano. 

O que faz com os dados: O sistema cruza os dados capturados e encaixa cada visitante em um dos 300 grupos predefinidos pela empresa. Para cada grupo, são armadas diferentes campanhas de marketing, o que inclui ofertas personalizadas que vão por e-mail ou aparecem nos links patrocinados do Google e do Facebook.


"Os grupos são defnidos por região, idade, e experiências preferidas, como cruzeiro ou avião, neve ou montanha", diz Mendes. Os anúncios de determinados destinos perseguem os usuários na internet por duas semanas, em média. 

Resultado: Em 2013, o custo com a conversão em vendas por cliente caiu 30% como consequência de anúncios mais precisos. 

Possibilidades: Até agora, o sistema estava focado na obtenção de novos clientes. A empresa quer usar a mesma lógica para aumentar o indíce de recompras. "Atualmente, 30% de nossas vendas são para quem já comprou com a gente antes", diz Mendes.

Máquina de bônus

Quais dados coleta: Todos os 25 funcionários da paulista Betalabs, desenvolvedora de softwares por encomenda, são avaliados por produtividade, cumprimento de prazos e qualidade do trabalho entregue aos clientes. "As metas fcam registradas num sistema que controla as atividades de todos", diz Felipe Cataldi, de 23 anos, sócio da Betalabs. "Os melhores recebem bônus maiores."

A variável que mais conta pontos para a avaliação de um funcionário são as notas que os próprios clientes dão a ele. "Cada vez que um trabalho é entregue, o sistema dispara um formulário online de pesquisa de satisfação para o cliente", diz Luan Gabellini, de 23 anos, o outro sócio. "Cerca de 90% aceitam responder."

O que faz com os dados: O sistema cruza as opiniões dos clientes com as notas dadas pelos chefes — e compara o resultado com as metas estipuladas para cada funcionário. No final, a ferramenta gera uma pontuação que indica aqueles que devem receber os bônus maiores. 

Resultado: Depois da implantação da ferramenta que permitiu incluir a opinião dos clientes, a rotatividade de funcionários caiu 35%. 

Possibilidades: Os sócios agora estudam como usar um sistema com um princípio de análise semelhante para contratar funcionários e estagiários. 


"Quando abrimos uma vaga, recebemos muitos currículos e não damos conta de analisar todos", diz Cataldi. "O objetivo é que o sistema ajude na filtragem de currículos antes das últimas fases de entrevista pessoal, separando aqueles que atendem aos requisitos da vaga."

No lugar certo

Quais dados coleta: O negócio da paulista Horus Group é vender um software que ajuda as empresas a identifcar tentativas de compras suspeitas por meio de cartões de crédito. O sistema classifca em notas o risco de fraude em cada venda. "Para alimentar o sistema  de notas, um robozinho indexa mais de 100 fontes de dados públicos na internet", diz Eduardo Daghum, de 46 anos, sócio da Horus Group.

São índices de inadimplência do consumidor, estudos sobre setores da economia, regiões com crédito em expansão e números que relatam o aumento de fraudes.

O que faz com os dados: Há dois anos, a empresa começou a usar os dados já coletados na web para identifcar empresas de setores que estão enfrentando um aumento repentino na ocorrência de fraudes — e que ainda não são atendidos pela Horus. "A área comercial recebe regularmente um relatório com uma espécie de guia de quais empresas procurar para tentar vender o software", diz Daghum.

Resultado:  Recentemente, a Horus notou um aumento de fraudes relacionadas a compras de aparelhos e planos de celular. "Fomos atrás das operadoras de telefonia no momento exato em que elas buscavam fornecedores de TI e já fechamos alguns contratos", diz Daghum.

Em 2012, o alvo foram as empresas de crédito consignado, o que ajudou a Horus a crescer 30% em receitas. 

Possibilidades: O robozinho de coleta de dados só identifca conteúdos em texto. "Queremos indexar e processar também conteúdos em vídeo e áudio", diz Daghum.

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