A receita do unicórnio das plantas Beyond Meat para conquistar Wall Street
Para seus acionistas, startup de hambúrgueres, carnes e salsichas vegetarianos vale o equivalente a mais de um terço da gigante de alimentação Kraft Heinz
Mariana Fonseca
Publicado em 28 de julho de 2019 às 06h00.
Última atualização em 29 de julho de 2019 às 10h37.
Quanto vale o unicórnio de proteínas alternativas Beyond Meat ? De acordo com os acionistas de Wall Street, dez vezes mais do que seus investidores achavam pré-estreia na bolsa de valores americana Nasdaq -- e o equivalente a mais de um terço da gigante de alimentação Kraft Heinz.
O negócio cria réplicas de produtos de origem animal,como bacon, hambúrgueres e salsichas, por meio de aminoácidos, lipídios e minerais retirados de plantas. A Beyond Meat irá divulgar seus resultados do segundo trimestre amanhã (29). Até o momento, Wall Street ainda está encantada.
Para continuar crescendo, a startup das proteínas alternativas terá de continuar a estratégia de conquistar o público que não cogitava saborear tais produtos e comprovar seu diferencial de mercado diante de uma concorrência que só aumenta -- com players inclusive em terras brasileiras.
Quanto valem carnes que não são carnes?
Desde sua estreia, as ações da Beyond Meat foram de 25 dólares a 234,90 dólares -- uma multiplicação de 9,4 vezes.Enquanto isso, sua avaliação de mercado está em 14,12 bilhões de dólares. Em outubro de 2018, o último investimento antes da ida à Nasdaq avaliou a startup em 1,3 bilhão de dólares e a transformou em unicórnio (avaliação de um bilhão de dólares ou mais). É um aumento de quase 11 vezes em valuation.
O valor de mercado já representa 36% da avaliação de mercado da Kraft Heinz, dos fundos de investimentos Berkshire Hathway (criado pelo megainvestidor Warren Buffett) e 3G Capital (criado pelos empresários brasileiros Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles).
Para argumentar essa avaliação, a Beyond Meat se apoia em estudos sobre o mercado de proteínas alternativas. O banco suíço UBS afirma que as carnes vegetais foram de piada a mercado meteórico nos últimos 20 anos. Em 2018, o mercado foi estimado em cinco bilhões de dólares. O banco projeta uma expansão média anual de 28%, chegando a uma indústria de 85 bilhões de dólares em 2030.
Outro ponto ressaltado pela Beyond Meat é a conquista dos consumidores de carne -- mercado estimado em 1,4 trilhão de dólares globalmente pela empresa. Se lidasse apenas com vegetarianos e veganos, respectivamente 5% e 3% da população americana, dificilmente a Beyond Meat teria firmado parcerias como a vista com a rede americana de fast food Dunkin’ Donuts.
É difícil a startup se vender com base em lucros ainda, assim como outros unicórnios que foram a Wall Street. Em 2018, a Beyond Meat apresentou uma receita de 87,9 milhões de dólares, 133% acima do visto no ano anterior. Mas apresenta perdas líquidas desde sua criação, há dez anos. O prejuízo foi de 29,9 milhões de dólares no ano passado, pouco abaixo dos 30,4 milhões de dólares vistos em 2017. No primeiro trimestre de 2019, a Beyond Meat reportou receitas de 40,2 milhões de dólares, mas prejuízo de 6,6 milhões de dólares.
A startup afirmou em documentos para a estreia no mercado acionário que continuará focando em crescimento para atender a demanda por seus produtos vegetais, gastando receitas em inovação, capacidade logística, produção e marketing.
Concorrência peso-pesado
A Beyond Meat é a primeira startup do setor de foodtech a fazer uma oferta pública inicial de ações, mas já possui concorrentes capitalizados.
A principal competidora é a Impossible Foods (ou “Comidas Impossíveis”), também uma startup californiana. Criada dois anos depois da Beyond Meat, a missão da Impossible Foods é “ salvar a carne e o mundo ”, produzindo alimentos tão saborosos quanto a carne e o queijo sem a necessidade de seus geradores naturais. A Impossible Foods já obteve 687,5 milhões de dólares em investimentos e é avaliada em 2 bilhões de dólares.
A startup fechou recentemente uma parceria com a rede de fast food Burger King. O "Whopper Impossível" começou em 59 lojas no estado americano Missouri e irá ao resto dos Estados Unidos até o final deste ano.
Na América Latina, um exemplo de competidor é a startup The Not Company, que usa inteligência artificial em alimentos a base de plantas. Sua não-maionese conquistou o Jeff Bezos, o homem mais rico do planeta e criador do comércio eletrônico Amazon. Em abril deste ani, a empresa chilena chegou ao Brasil por meio de uma parceria com o grupo varejista Pão de Açúcar. A startup recebeu 30 milhões de dólares em aportes.
Algumas empresas brasileiras do ramo estão começando a tracionar. A Fazenda Futuro recebeu um aporte de 8,5 milhões de dólares do fundo de investimentos Monashees e foi avaliada em 100 milhões de dólares.
A concorrência vem também de grandes redes. O fast food McDonald’s já criou um lanche vegetariano, com queijo coalho no lugar do hambúrguer, e está testando um nugget vegano, feito de grão-de-bico, milho e batata. Redes como Taco Bell e Chipotle, de comida mexicana, estão respectivamente testando menus vegetarianos e expandindo opções vegetarianas e veganas.
Outro obstáculo que afeta tanto a Beyond Meat quanto suas concorrentes é a regulação governamental. Países como Canadá e Estados Unidos procuram passar legislações que proíbam tais startups de chamarem seus produtos com o mesmo nome da contrapartida animal, como hambúrguer ou salsicha, de acordo com o UBS. Se aprovada, a regulação poderia afetar as vendas para os consumidores de carne e reforçaria o caráter de nicho das proteínas alternativas.
Nem empresas e nem governos, porém, conseguiram ainda desanimar os investidores da Beyond Meat.