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O cliente é o herói para Nike, Mastercard e Dove

Para o americano Jonah Sachs, uma empresa tem mais chances de ser lembrada quando consegue construir uma mitologia em torno de sua relação com os consumidores

Neymar, jogador de futebol do Barcelona, em anúncio da Nike: construção de um mito (Divulgação/Nike)
DR

Da Redação

Publicado em 22 de agosto de 2013 às 12h32.

São Paulo - Para os gregos da antiguidade, as erup­ções vulcânicas eram causadas por sangrentas batalhas entre os deuses no Hades, e que a flor do narciso teria surgido da morte de um jovem envaidecido. Em tempos mais recentes, as tradições orais e mitológicas que, em diversas culturas, forneciam explicações para os mistérios perderam espaço para uma visão mais científica e racional do mundo.

Haveria, portanto, um espaço nesse vácuo simbólico, próprio das sociedades modernas, a ser ocupado pelo marketing. Essa é a ambiciosa tese do publicitário Jonah Sachs, autor do livro Winning the Story Wars (algo como "Vencendo a guerra das histórias", numa tradução livre). "Vivemos em um mundo desconectado dos mitos tradicionais e estamos tentando encontrar mitos novos", diz ele.

Para Sachs, uma empresa terá mais chance de ser lembrada caso consiga criar, em torno de si, histórias com elementos mitológicos. Para isso, explica Sachs, a publicidade precisa abandonar a mensagem convencional segundo a qual é preciso comprar algo para atingir a felicidade.

É mais eficaz adotar no discurso alguma lição universal. Compreender como atingir esse objetivo pode ser fundamental para os empreendedores em­penhados em construir uma marca forte.

"Nos primórdios da propaganda, as peças publicitárias criavam, primeiro, uma sensação de ansiedade no público", diz Sachs. "Em seguida, apresentavam um produto como solução mágica para essa ansiedade." As campanhas eram feitas de forma a estimular sentimentos como o medo, o desejo e a vaidade.

Sachs relembra uma peça da Listerine, emblemática nesse sentido. Era a história da "triste Edna", uma moça que nunca arranjava marido. O motivo: mau hálito. "O insidioso sobre tudo isso é que você nunca sabe quando o tem" e "Fique do lado seguro" eram algumas das frases da campanha, veiculada nos Estados Unidos durante a década de 30.

Com o tempo, a propaganda se tornou mais sutil. “Deixou-se de criar ansiedade e passou-se a evocá-la de modo implícito”, afirma Sachs. A referência às imperfeições do consumidor não é mais direta — o produto surge como uma solução mágica para um problema ou um desejo subentendido.


Boa parte da publicidade dos fabricantes de automóveis e de cosméticos ainda segue essa lógica. Para Sachs, esse modelo também está se esgotando. Tantos produtos prometeram felicidade que aguçaram, ao longo dos anos, a desconfiança dos consumidores. Além disso, as novas tecnologias, como a internet e as mídias sociais, deram ao público a possibilidade de interagir com a publicidade.

Com isso, as pessoas podem facilmente comentar anúncios, espalhá-los, criticá-los, acrescentando significados, como antigamente ocorria com os mitos ou com as histórias populares. "As histórias bem-sucedidas na era digital serão submetidas aos mesmos testes de tradição oral", afirma Sachs. "Para funcionar, sua mensagem central precisa ser poderosa."

A mensagem é poderosa quando, em vez de um apelo ao consumo, encarna alguma verdade compartilhada por uma ampla maioria na sociedade — algo bem próximo às lições de moral dos contos populares.

Um exemplo é a campanha da Dove produzida para valorizar a beleza de mulheres comuns, em vez de contratar modelos com o rosto e o corpo quase perfeitos. Nesse caso, a lição é que não vale a pena ser refém de padrões distorcidos de beleza.

A noção de ritual — outro conceito presente nas teorias do mito — também pode ser aplicada nas peças publicitárias. Sachs conta a história de uma campanha de marketing produzida nos anos 30 pelo publicitário Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, para uma marca de cigarros.

Na época, a indústria tabagista procurava uma forma de aumentar as vendas para o público feminino. Para isso, precisaria derrubar um tabu — as mulheres que fumavam em público eram malvistas pela sociedade.

Bernays se aproveitou dos movimentos feministas para promover seu produto: durante uma passeata pelo direito ao voto, ele enviou um enorme grupo de mulheres bonitas para fumar nas ruas, como símbolo de afirmação da igualdade dos sexos. Fumar em público tornou-se, portanto, um ritual que reforçava o conceito de independência feminina.


O herói é outro elemento fundamental na publicidade estruturada com base na teoria do mito. "As histórias que funcionam tendem a ser sobre heróis relutantes ou improváveis conduzidos a uma perigosa jornada de autodescobrimento", diz Sachs. Seguem esse padrão centenas de narrativas — desde a Odisseia, de Homero, até O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tokien.

Na publicidade moderna, o herói é, naturalmente, o consumidor, até recentemente visto pelos publicitários como um ser repleto de imperfeições, necessitado de um produto para sanar suas deficiências.

Um bom exemplo dessa mudança é a estratégia recentemente adotada pela Nike, que alterna garotos-propaganda como o brasileiro Neymar com cenas de atletas amadores. Na campanha intitulada Courage ("Coragem"), de 2008, conquistas de superastros mesclam-se a conquistas humanas cotidianas — surge na tela a frase "Tudo o que você precisa já está dentro de você".

Ao se sentir enaltecido, o consumidor replica avidamente esse tipo de mensagem. É um meio eficaz para uma marca se expandir. "O marketing hoje tem a chance de ser algo muito além de uma intrusão na vida das pessoas", diz Sachs.

O cliente é o herói

Como é uma campanha de marketing voltada para a construção de mitos — e as diferenças para a publicidade convencional

O cliente

Nas campanhas convencionais: É um indivíduo incompleto, que precisa do produto para suprir uma deficiência

Na construção de um mito: É um herói que precisa ser chamado para viver uma grande aventura

Exemplo: A marca de produtos esportivos Nike busca transmitir aos clientes a ideia de que eles são esportistas e aventureiros com slogans como “Encontre sua grandeza”

A marca

Nas campanhas convencionais: Serve para ajudar o consumidor a vencer o medo e as rejeições ou a aplacar a vaidade

Na construção de um mito: É uma espécie de mentor que ajuda o herói a ter uma vida mais plena de sentido

Exemplo: A clássica campanha da Mastercard com o mote "Não tem preço" convida o cliente a delegar as questões financeiras à bandeira do cartão para cuidar do que realmente importa

A mensagem

Nas propagandas convencionais: Ao consumir um produto, o cliente tem acesso a uma fonte de felicidade, beleza e força, entre outras qualidades

Na construção de um mito: Há alguma lição de moral compartilhada por grande parte da sociedade e abraçada pela empresa

Exemplo: A campanha pela real beleza, da Dove, transmite que, para ser bonita, uma mulher não precisa seguir padrões estéticos ditados pela moda

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São Paulo - Para os gregos da antiguidade, as erup­ções vulcânicas eram causadas por sangrentas batalhas entre os deuses no Hades, e que a flor do narciso teria surgido da morte de um jovem envaidecido. Em tempos mais recentes, as tradições orais e mitológicas que, em diversas culturas, forneciam explicações para os mistérios perderam espaço para uma visão mais científica e racional do mundo.

Haveria, portanto, um espaço nesse vácuo simbólico, próprio das sociedades modernas, a ser ocupado pelo marketing. Essa é a ambiciosa tese do publicitário Jonah Sachs, autor do livro Winning the Story Wars (algo como "Vencendo a guerra das histórias", numa tradução livre). "Vivemos em um mundo desconectado dos mitos tradicionais e estamos tentando encontrar mitos novos", diz ele.

Para Sachs, uma empresa terá mais chance de ser lembrada caso consiga criar, em torno de si, histórias com elementos mitológicos. Para isso, explica Sachs, a publicidade precisa abandonar a mensagem convencional segundo a qual é preciso comprar algo para atingir a felicidade.

É mais eficaz adotar no discurso alguma lição universal. Compreender como atingir esse objetivo pode ser fundamental para os empreendedores em­penhados em construir uma marca forte.

"Nos primórdios da propaganda, as peças publicitárias criavam, primeiro, uma sensação de ansiedade no público", diz Sachs. "Em seguida, apresentavam um produto como solução mágica para essa ansiedade." As campanhas eram feitas de forma a estimular sentimentos como o medo, o desejo e a vaidade.

Sachs relembra uma peça da Listerine, emblemática nesse sentido. Era a história da "triste Edna", uma moça que nunca arranjava marido. O motivo: mau hálito. "O insidioso sobre tudo isso é que você nunca sabe quando o tem" e "Fique do lado seguro" eram algumas das frases da campanha, veiculada nos Estados Unidos durante a década de 30.

Com o tempo, a propaganda se tornou mais sutil. “Deixou-se de criar ansiedade e passou-se a evocá-la de modo implícito”, afirma Sachs. A referência às imperfeições do consumidor não é mais direta — o produto surge como uma solução mágica para um problema ou um desejo subentendido.


Boa parte da publicidade dos fabricantes de automóveis e de cosméticos ainda segue essa lógica. Para Sachs, esse modelo também está se esgotando. Tantos produtos prometeram felicidade que aguçaram, ao longo dos anos, a desconfiança dos consumidores. Além disso, as novas tecnologias, como a internet e as mídias sociais, deram ao público a possibilidade de interagir com a publicidade.

Com isso, as pessoas podem facilmente comentar anúncios, espalhá-los, criticá-los, acrescentando significados, como antigamente ocorria com os mitos ou com as histórias populares. "As histórias bem-sucedidas na era digital serão submetidas aos mesmos testes de tradição oral", afirma Sachs. "Para funcionar, sua mensagem central precisa ser poderosa."

A mensagem é poderosa quando, em vez de um apelo ao consumo, encarna alguma verdade compartilhada por uma ampla maioria na sociedade — algo bem próximo às lições de moral dos contos populares.

Um exemplo é a campanha da Dove produzida para valorizar a beleza de mulheres comuns, em vez de contratar modelos com o rosto e o corpo quase perfeitos. Nesse caso, a lição é que não vale a pena ser refém de padrões distorcidos de beleza.

A noção de ritual — outro conceito presente nas teorias do mito — também pode ser aplicada nas peças publicitárias. Sachs conta a história de uma campanha de marketing produzida nos anos 30 pelo publicitário Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, para uma marca de cigarros.

Na época, a indústria tabagista procurava uma forma de aumentar as vendas para o público feminino. Para isso, precisaria derrubar um tabu — as mulheres que fumavam em público eram malvistas pela sociedade.

Bernays se aproveitou dos movimentos feministas para promover seu produto: durante uma passeata pelo direito ao voto, ele enviou um enorme grupo de mulheres bonitas para fumar nas ruas, como símbolo de afirmação da igualdade dos sexos. Fumar em público tornou-se, portanto, um ritual que reforçava o conceito de independência feminina.


O herói é outro elemento fundamental na publicidade estruturada com base na teoria do mito. "As histórias que funcionam tendem a ser sobre heróis relutantes ou improváveis conduzidos a uma perigosa jornada de autodescobrimento", diz Sachs. Seguem esse padrão centenas de narrativas — desde a Odisseia, de Homero, até O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tokien.

Na publicidade moderna, o herói é, naturalmente, o consumidor, até recentemente visto pelos publicitários como um ser repleto de imperfeições, necessitado de um produto para sanar suas deficiências.

Um bom exemplo dessa mudança é a estratégia recentemente adotada pela Nike, que alterna garotos-propaganda como o brasileiro Neymar com cenas de atletas amadores. Na campanha intitulada Courage ("Coragem"), de 2008, conquistas de superastros mesclam-se a conquistas humanas cotidianas — surge na tela a frase "Tudo o que você precisa já está dentro de você".

Ao se sentir enaltecido, o consumidor replica avidamente esse tipo de mensagem. É um meio eficaz para uma marca se expandir. "O marketing hoje tem a chance de ser algo muito além de uma intrusão na vida das pessoas", diz Sachs.

O cliente é o herói

Como é uma campanha de marketing voltada para a construção de mitos — e as diferenças para a publicidade convencional

O cliente

Nas campanhas convencionais: É um indivíduo incompleto, que precisa do produto para suprir uma deficiência

Na construção de um mito: É um herói que precisa ser chamado para viver uma grande aventura

Exemplo: A marca de produtos esportivos Nike busca transmitir aos clientes a ideia de que eles são esportistas e aventureiros com slogans como “Encontre sua grandeza”

A marca

Nas campanhas convencionais: Serve para ajudar o consumidor a vencer o medo e as rejeições ou a aplacar a vaidade

Na construção de um mito: É uma espécie de mentor que ajuda o herói a ter uma vida mais plena de sentido

Exemplo: A clássica campanha da Mastercard com o mote "Não tem preço" convida o cliente a delegar as questões financeiras à bandeira do cartão para cuidar do que realmente importa

A mensagem

Nas propagandas convencionais: Ao consumir um produto, o cliente tem acesso a uma fonte de felicidade, beleza e força, entre outras qualidades

Na construção de um mito: Há alguma lição de moral compartilhada por grande parte da sociedade e abraçada pela empresa

Exemplo: A campanha pela real beleza, da Dove, transmite que, para ser bonita, uma mulher não precisa seguir padrões estéticos ditados pela moda

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