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A desigualdade é colorida

Com roupas alegres e um modelo de negócios parecido com o da Zara, a também espanhola Desigual cresceu cinco vezes nos últimos quatro anos

Loja da Desigual em Nova York (Divulgação)

Loja da Desigual em Nova York (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

Numa manhã de setembro deste ano, mais de 300 pessoas — a maioria jovens — se aglomeraram diante de uma vitrine de roupas no bairro do Soho, em Nova York. Um detalhe chamava mais a atenção do que o tamanho da fila: todos vestiam somente roupas íntimas. Quem estava na frente precisou chegar de madrugada. Os 100 primeiros puderam entrar, vestir-se como lhes pareceu bem e sair sem pagar absolutamente nada. Os demais ganharam 50% de desconto. Todos eram consumidores comuns que haviam respondido ao anúncio da campanha de inauguração da loja da grife espanhola Desigual, que vende camisetas, calças, jaquetas, saias e vestidos com estampas coloridas para o público jovem. Dias depois, em Berlim, centenas de casais se beijavam num parque também a convite da marca, que aproveitou a paz e o amor para distribuir camisetas e balões com seu logotipo estampado.

Com promoções assim espalhafatosas, a Desigual vem chamando a atenção de jovens que frequentam lojas onde se encontra de tudo para vestir no dia a dia e se toca música alta, como as americanas Gap e Banana Republic, a sueca H&M e a também espanhola Zara. Num momento em que a maioria das empresas de bens de consumo da Europa e dos Estados Unidos pena para atravessar os tempos pós-crise, a Desigual avança a um ritmo espantoso nesses mercados. No ano passado, o faturamento chegou a 300 milhões de euros — 85% mais que em 2008. Nos últimos quatro anos, o número de lojas mais que triplicou e neste ano chegou a 180.

Boa parte do modelo de negócios da marca, criada pelo estilista suíço Tomas Meyer, de 46 anos, vem do manual usado pela Zara, do grupo Inditex, a maior varejista de moda do mundo. Da Zara, a Desigual emprestou, entre outros aspectos essenciais para sua expansão, a globalização agressiva e a logística muito bem azeitada. Seguir essa cartilha fez a Desigual tornar-se um negócio 50 vezes maior do que há oito anos, quando Meyer iniciou a expansão mundial. "Nossos produtos têm qualidade, bom preço e a operação é enxuta”, diz Manel Adell, de 47 anos, sócio da empresa. "É daí que vem nosso crescimento."

Como a Zara, que colhe 75% das receitas fora da Espanha, a Desigual depende cada vez menos da economia interna. Hoje, a Espanha responde por metade das vendas — há dois anos, era 65%. Reduzir o peso das compras espanholas revelou-se especialmente importante. No ano passado, 19% dos espanhóis estavam desempregados e todos sofriam com o mau desempenho da economia, que decresceu 3,6% em relação a 2008.

Meyer fundou a Desigual em 1984, na ilha espanhola de Ibiza. Começou vendendo camisetas que ele desenhava. Logo passou a criar outras peças, como jaquetas feitas de retalhos de jeans, e expandiu o negócio pela Espanha, iniciando por Barcelona e cidades vizinhas. Três anos mais tarde, ele tentou fazer a marca avançar em outros países da Europa, principalmente na França e em Portugal, mas não deu certo.

Quase 20 anos depois, com a etiqueta já conhecida em outros países europeus, Meyer colocou em prática um plano de ganhar o mercado externo novamente. Desta vez, a missão foi confiada ao então consultor Adell, que já tinha planejado a expansão internacional de empresas como a fabricante dinamarquesa de produtos eletrônicos Bang & Olufsen. Durante o processo, aceitou o convite para ser sócio e principal executivo da marca e Meyer pôde se dedicar exclusivamente à criação das coleções.

Diferentemente do que faz a Zara, Adell levou a Desigual para outros canais além das lojas próprias. Ele pôs a grife em quase 8.000 pontos espalhados pelo mundo, entre lojas multimarcas, quiosques e estandes de magazines. Com uma presença mais pulverizada que a Zara, a Desigual se compromete a entregar os pedidos em no máximo um dia. Para isso, montou um centro de distribuição na cidade espanhola de Gavá, que processa simultaneamente até 5.000 pedidos. "Nosso sistema logístico é ainda mais complexo que o dos concorrentes", diz Adell. "Além das lojas próprias, temos que atender as multimarcas."

Para a Desigual, é estratégico ter Meyer, o gênio criativo sem o qual nada acontece, concentrado no que sabe fazer melhor: inventar roupas novas. A Desigual, assim como a Gap e a H&M, coloca no mercado pelo menos 2.000 diferentes peças ao ano. É uma boa variedade, mas bem abaixo das cerca de 10.000 produzidas pela Zara. Elas são distribuídas em lotes reduzidos, que não chegam exatamente da mesma forma em todas as lojas. Essa enorme agilidade é um ponto forte, fortíssimo. A diversidade alta e a distribuição
limitada diminuem a probabilidade de duas mulheres se encontrarem num mesmo lugar com vestidos iguais — horror dos horrores que se corre ao comprar um item de massa. Além disso, desperta o senso de urgência do consumidor que se interessou por uma roupa hoje mas cogita comprá-la só amanhã — pode ser que não a encontre nunca mais, nem mesmo na Zara logo adiante.

Agora, Meyer e Adell pretendem ampliar a presença da Desigual nos países das Américas. Desde o ano passado foram inauguradas sete unidades próprias nos Estados Unidos — os americanos já respondem pela segunda maior parte das vendas da rede, atrás apenas dos espanhóis. Também já há novas unidades na Colômbia e na República Dominicana. Em alguns países do Caribe, as roupas da grife começaram a ser encontradas em lojas multimarcas. A chegada ao Brasil está prevista para 2011. "A Zara deu certo por aqui, mas muitos brasileiros já a conheciam antes de sua chegada", diz Celina Kochen, consultora especializada em varejo de moda. "Com a economia aquecida, o terreno também é ótimo para a Desigual, desde que a marca vença o desafio de se tornar conhecida."

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