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A dama dos vales da Nutricash

Rosane Manica pagou a faculdade trabalhando como modelo após vencer um concurso de beleza. Hoje, comanda a Nutricash, administradora de vales para refeição e combustível que movimentou mais de 600 milhões de reais em 2011

Rosane: "Fiquei arrasada ao ser demitida por me recusar a mudar de cidade - e foi assim que decidi abrir meu próprio negócio" (Jonas Grebler)

Rosane: "Fiquei arrasada ao ser demitida por me recusar a mudar de cidade - e foi assim que decidi abrir meu próprio negócio" (Jonas Grebler)

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Da Redação

Publicado em 1 de maio de 2012 às 06h00.

São Paulo - Ao falar, a nutricionista Rosane Manica, de 52 anos, mistura sotaques de duas partes diferentes do Brasil — numa mesma frase, ela pode usar expressões típicas do Rio Grande do Sul, onde nasceu, com outras da Bahia, onde vive há 30 anos. Ela é a fundadora da Nutricash, administradora de cartões de benefícios para trabalhadores, como vales para refeição e combustível.

No ano passado, a empresa movimentou 660 milhões de reais, atendendo clientes como a operadora de telefonia Oi e os Correios. Rosane decidiu empreender após ser demitida da empresa em que trabalhava."Fiquei tão decepcionada que decidi nunca mais ser empregada de ninguém", diz. Neste depoimento a Exame PME, ela conta um pouco de sua trajetória.

"Nasci em São Leopoldo, no interior do Rio Grande do Sul. Sou filha de um caminhoneiro e de uma dona de casa. Eu ainda era menina quando nos mudamos para Ca­noas­, na Grande Porto Alegre, onde meu pai virou motorista de táxi. Nessa época, minha mãe começou a trazer roupas de São Paulo para vender. As principais clientes eram suas amigas e, ao vê-la trabalhar, aprendi minhas primeiras lições de negócios.

Aos 15 anos, eu era magrinha e tinha os cabelos loiros. Diziam que eu parecia com as modelos das revistas de moda, e acabei sendo convidada para um concurso de beleza em um clube de Canoas. Ganhei o título de Rainha das Piscinas e virei uma celebridade local.

Comecei a fazer desfiles e a posar para catálogos de lojas da cidade que vendiam vestidos de noiva, maiôs e biquínis. Com isso consegui ganhar algum dinheiro, que usei para pagar as primeiras mensalidades da faculdade de nutrição.

Meu namorado, na época, era gerente da Kodak em Porto Alegre. Ele recebeu um convite para gerenciar a filial de Salvador. Decidimos nos casar e mudar para a Bahia, onde continuei a faculdade. Pouco tempo depois, engravidei de meu único filho, Alan, hoje com 31 anos.

Prestes a me formar, fui indicada por meus professores para trabalhar na Apetik, uma administradora de vales-refeição que pertencia ao extinto banco Crefisul. A empresa era nova e eu não tinha nenhuma experiência. Mesmo assim, eles precisavam de uma nutricionista para cuidar da filial na Bahia e acabaram me contratando. Aos 22 anos, só havia trabalhado como modelo.

Venci a inexperiência com trabalho duro. Certa vez, queria muito conquistar um cliente grande, que poderia aumentar em 40% as receitas que obtínhamos na Bahia. Perdi a conta das reuniões que precisei fazer com o pessoal da área de recursos humanos, reticentes em fechar contrato com uma empresa iniciante.


Só depois de um ano de muita insistência, consegui me encontrar com o responsável por fechar os contratos, que gostou da minha proposta. Foi trabalhoso, mas no fim deu certo.

Conquistas assim me ajudaram a crescer na empresa. No fim dos anos 80, já era responsável pelos negócios da Apetik em todo o Norte e o Nordeste. Minha carreira como executiva ia bem, até que, em 1989, as coisas mudaram repentinamente.

O Crefisul vendeu a Apetik para a Ticket, uma de nossas maiores concorrentes. Os novos donos quiseram me transferir para Belém, no Pará, mas não aceitei. Acabei sendo demitida, o que me deixou arrasada.

Pouco tempo depois, fui procurada por uma operadora de  planos de saúde de São Paulo. Eles pretendiam entrar no mercado de vales-refeição e me contrataram para fazer um plano de negócios. No meio do caminho, desistiram da ideia e fiquei a ver navios. Foi quando decidi abrir minha própria empresa. Não queria mais ser funcionária de ninguém, correr o risco de ser demitida ou depender da vontade do patrão.

Aproveitei o plano de negócios que já tinha em mãos e fui atrás de um sócio que me ajudasse a juntar o capital necessário para abrir minha própria administradora de vales-refeição. Um antigo cliente dos tempos da Apetik, que era dono de uma empresa de participações que investia em novas empresas, acabou gostando muito da ideia. Não foi nada difícil convencê-lo a se tornar meu sócio. Assim nasceu a Nutricash.

No fim da década de 90, passamos por um período difícil. Na época, os vales-refeição ainda eram de papel e os carros que os transportavam até os clientes começaram a ser atacados por quadrilhas. Uma forma de resolver o problema era substituir os tíquetes por cartões.

Para isso, era preciso negociar com as operadoras de cartões de crédito para que seus terminais em restaurantes, lanchonetes e supermercados aceitassem os vales em forma de cartão.

O problema é que meus principais concorrentes fecharam contratos de exclusividade com as grandes ope­radoras de cartões de crédito, impedindo que meus vales fossem rece­bidos em suas maquininhas. Então, decidi criar minha própria rede.

Em 2006, a Nutricash já tinha mais de 10.000 terminais de recebimento de cartão no Norte e no Nordeste. Crescemos tanto que a Redecard nos convidou a fazer parte da sua rede de bandeiras. Acabei vendendo as maquininhas para me concentrar nos negócios com os vales.


Meus grandes competidores são multinacionais como Ticket, Sodexo e Visa Vale. Para vencê-los, tenho de me adaptar às necessidades do cliente, algo que as empresas grandes nem sempre estão dispostas a fazer. Exemplo disso ocorreu em 2008, quando fechei contrato com o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia para entregar vales-refeição a quem trabalhava nas eleições.

Fomos escolhidos porque concordamos em levar os vales para seções eleitorais localizadas em vilarejos remotos, onde só se pode chegar de barco em viagens que duram mais de um dia.

Nos últimos anos, minha estratégia foi diversificar os negócios. Hoje, 60% do faturamento da Nutricash vem de produtos como o MaxiFrota, um cartão usado por empresas que mantêm frotas como vale-combustível e para pagar reparos nos veículos em oficinas autorizadas.

Minha meta é lançar algum novo produto ou serviço a cada dois anos. A última novidade é um cartão chamado Multiprêmio, bastante procurado por empresas que recompensam com dinheiro os funcionários com melhor desempenho — nesse cartão, os premiados recebem um crédito para gastar em lojas credenciadas.

Com a expansão do mercado no Nordeste, a Nutricash cresceu bastante. Espero chegar ao faturamento de 1,5 bilhão de ­reais em 2016 — o valor inclui o dinheiro que nossos clientes repassam para pagar pelas transações dos cartões de vale e a nossa comissão sobre as operações.

Acabamos de abrir uma filial em São Paulo. Ainda temos muito mercado para expandir, principalmente nos estados do Sudeste e do Sul do Brasil.

Meu sócio me ajuda muito nas decisões estratégicas, mas sempre fui a principal executiva  da Nutricash. Agora, meu plano é trabalhar mais dez anos. Aos poucos, estou delegando algumas das minhas responsabilidades para os funcionários. Assim, sobra tempo para que eu possa fazer atividades que me dão prazer, como viajar, frequentar aulas de dança e correr.

Terminei meu primeiro casamento há uma década e acabo de ser pedida em noivado. Estou entrando numa nova fase da vida e pretendo aproveitá-la. "

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