Ariel Lambrecht e Renato Freitas: o teste agora está no mercado corporativo (Germano Lüders / EXAME PME)
Da Redação
Publicado em 26 de fevereiro de 2015 às 06h00.
Última atualização em 2 de março de 2017 às 16h56.
São Paulo - Alguém que resolva baixar, pelo site, os aplicativos das principais empresas de chamada de táxi — a Easy Taxi e a 99Taxis — pode ficar confuso se o tamanho for motivo para escolher uma ou outra. A Easy Taxi se apresenta como “o maior aplicativo de serviço móbile do mundo”. A 99Taxis, como “o maior aplicativo para pedir táxi pelo celular do Brasil”. Qual é a maior no mercado nacional?
A resposta correta é: as duas, dependendo do critério. O número de pessoas que baixaram o aplicativo da Easy Taxi é o dobro das que carregam o da 99Taxis. A frota da 99Taxis tem 11% mais carros. Do ponto de vista do passageiro, portanto, a 99Taxis é a maior do país.
Mas, do ponto de vista dos taxistas, a líder é a Easy Taxi. “Fomos nós que entramos primeiro nesse mercado”, diz o mineiro Tallis Gomes, de 28 anos, que criou o aplicativo da Easy Taxi. “Fomos nós que conquistamos o principal mercado no país”, diz Ariel Lambrecht, de 33, um dos fundadores da 99Taxis.
A carioca Easy Taxi e a paulista 99Taxis dominam amplamente o mercado de aplicativos no país, concentrando 95% das chamadas. Além do porte, ambas são parecidas em vários aspectos — foram fundadas por três empreendedores, receberam aportes de fundos de investimento de risco, têm parcerias com grandes empresas para dar descontos aos passageiros e, na prática, suas ferramentas funcionam do mesmo jeito. Até o logotipo delas é amarelo e preto, as cores usadas no layout desta reportagem.
Nos dois casos, a maior parte dos recursos vem de fundos. Na Easy Taxi, foram aportados 170 milhões de reais de 2012 ae 2014 de fundos que colocam dinheiro em negócios inovadores e com grande potencial de crescer, como o alemão Rocket Internet, o russo Phenomen Ventures e o iMena, dos Emirados Árabes Unidos.
No começo de fevereiro, a 99Taxis recebeu uma quantia superior a 5 milhões de reais do fundo americano Tiger Global Management, que detém participações em empresas como Netshoes, Decolar, Mercado Livre e B2W. Outros dois aportes vieram do brasileiro Monashees e do Qualcomm Ventures, dos Estados Unidos.
Quando os aplicativos de táxi começaram, pensava-se que o retorno desses investimentos viria de comissões, pagas pelos taxistas, sobre o valor das corridas. Boa parte não entendeu que, se o aplicativo trouxesse mais passageiros, a féria aumentaria, mesmo com esse desembolso.
Também não ajudou o fato de os outros aplicativos menores que estavam pipocando no mercado não cobrarem nada. Depois de mais de um ano pelejando para fazer a cabeça dos motoristas, a Easy Taxi desistiu da cobrança.
A 99Taxis, que surgiu em agosto de 2012, quatro meses depois da Easy Taxi, nem chegou a tentar. Paulo Veras, de 42 anos, achava que seria possível obter receitas com a intermediação do pagamento entre passageiro e motorista. Recentemente, a empresa fechou um acordo com o sistema de pagamentos PayPal, cujo grande atrativo para os passageiros é dar descontos.
O PayPal, assim como vários outros meios de pagamento eletrônico pela internet, transfere o dinheiro estocado na conta do passageiro em seu sistema para a conta PayPal do motorista. Nesse tipo de parceria, quem costuma bancar o desconto é a empresa parceira, que espera atrair novos clientes e mais movimento para o negócio.
“Cerca da 50% das nossas corridas já são pagas com esse sistema”, diz Ariel Lambrecht. Como é comum nesse tipo de operação, os meios de pagamento podem cobrar uma comissão do estabelecimento conveniado, da mesma forma que os cartões de crédito cobram uma taxa pelo uso da maquininha.
A Easy Taxi foi a primeira a atrair um grande nome como parceiro. O Santander passou a subsidiar 50% do valor das corridas entre 8 da noite e 6 da manhã, pagas com cartão de crédito do banco. Em novembro, a marca de uísque Johnnie Walker bancou 1 milhão de quilômetros para os usuários do 99Taxis numa campanha ao estilo “se beber, não dirija”. O investimento foi de 4 milhões de reais.
Para o consumidor, os dois aplicativos fazem, na prática, a mesma coisa. Muitos passageiros ligam os dois ao mesmo tempo. Assim que um motorista é localizado por um deles, a busca no outro aplicativo é cancelada antes de ser completada. Mas as estratégias que as trouxeram até esse nível de competição foram diferentes. Tallis executou uma estratégia de ocupação geográfica.
Foi assim que a Easy Taxi colocou o pé num número maior de cidades (350) do que a 99Taxis (300). A 99Taxis, que tem 100 000 motoristas no Brasil, apostou grande parte de suas fichas em São Paulo, cidade com a maior frota do país, com 34 000 veículos. (O Rio de Janeiro tem a segunda maior frota, com 33 000 veículos. Salvador, com 7 000, é a terceira.)
Entre passageiros e taxistas, os aplicativos são um sucesso — o passageiro espera o mínimo possível, uma vez que o taxista também o encontra o mais rapidamente possível. O teste mais difícil está começando agora — conquistar o mercado das corridas para empresas.
Cerca de 60% das receitas no Brasil são geradas por empresas, que reembolsam o táxi dos funcionários que precisam se locomover a serviço ou pagam uma fatura mensal diretamente ao fornecedor, geralmente uma cooperativa ou empresa de radiotáxi. A Easy Taxi investiu 4 milhões de reais para adaptar a ferramenta e criar um departamento de vendas e suporte.
O discurso dos vendedores das duas empresas é convidativo. Eles argumentam que a tecnologia elimina os boletos de papel e muitas etapas dos processos de reembolso — uma saga burocrática que irrita os funcionários e está sujeita a fraudes. O aplicativo monitora tudo por GPS, indica horário e distância percorrida, gera relatórios de gastos por departamento e emite alertas em casos de uso fora das regras estipuladas. “O funcionário só digita uma senha para autorizar o valor da corrida”, diz Renato Freitas, de 30 anos, sócio da 99Taxis.
A parte chata é que os aplicativos cobram uma mensalidade e uma comissão por chamada, que varia conforme o volume de viagens. Na outra ponta, os taxistas pagam uma taxa a cada corrida. Somando tudo, os aplicativos ficam com 7%, em média, do total de receitas que chegam por meio desses contratos.
Juliana Brandão, gerente de recursos humanos da rede Livraria Cultura, encontrou na Easy Taxi a solução para os problemas com transporte de funcionários. “Utilizamos cooperativas há mais de dez anos”, diz Juliana. “Para nós, era uma confusão enorme.”
Antes, o funcionário de uma das 19 lojas tinha de solicitar um boleto ao departamento responsável, ligar para a cooperativa conveniada, dizer seu nome e destino e esperar o retorno da telefonista com os dados do motorista. Dependendo de onde o motorista mais próximo estivesse ou da intensidade do tráfego, o táxi poderia demorar mais de meia hora para chegar. Quem quer que os executivos percam tempo com isso?
O boleto de uma cooperativa grande, como a Use Taxi, contém 16 campos — nome da empresa contratante, código da empresa contratante, número do carro, data da corrida, de onde saiu, onde chegou, horário em que começou, horário em que terminou, quilometragem inicial, quilometragem final, valor por extenso, valor em algarismos, nome do funcionário em letra de forma, assinatura do funcionário, a misteriosa sigla Q.R.U., que representa a corrida, e mais um número (que pode ter mais de seis algarismos) que representa o próprio boleto.
Caso ainda seja necessária outra informação importante, há um campo extra para observações. Uma via fica com o motorista, outra vai para a cooperativa e a terceira fica com o funcionário, que costuma perdê-la — o que não faz muita diferença, já que, a essa altura, as informações estão ilegíveis, pois o papel carbono (branco) não funciona mais como deveria. É tanta coisa que foram necessárias 22 linhas só para descrever o boleto.
Para a controladoria da empresa contratante, é um pesadelo. Se o motorista esquecer de entregar sua via para o funcionário da cooperativa responsável por notificar a empresa, a corrida não é cobrada. Parece bom para o fluxo de caixa, mas a vantagem não compensa a dor de cabeça de quem confere tudo isso no lado da empresa.
“As cobranças das lojas mais distantes apareciam com dois, três meses de atraso”, diz Juliana. “Nossas contas nunca batiam com as da fatura, e era difícil saber se era um erro ou não.” Desde o início do ano passado, a Cultura está usando o aplicativo Easy Taxi. Juliana agora consulta tudo no computador — corridas por funcionário, gasto por unidade e setor, e datas de pagamento.
Outra vantagem de um sistema automatizado é que é mais difícil enganá-lo. Gastos esquisitos, fora do padrão, chamam a atenção logo. O funcionário sabe disso, o que desestimula usar o veículo para fins pessoais, como buscar a namorada em casa ou parar para fazer compras no supermercado. “Nossos gastos com táxi diminuíram 40%”, diz Juliana. “Foi um bom negócio.”
Até aqui, pode parecer que não há motivo nenhum para uma empresa continuar com contrato cativo com uma cooperativa. Mas nada é fácil no mundo das pequenas e médias empresas. O obstáculo mais óbvio são as comissões dos aplicativos — as cooperativas não cobram nada além da corrida.
O prazo para receber é um problemão. As cooperativas podem demorar até 45 dias para repassar o pagamento ao motorista. (É tanto tempo que alguns recorrem a uma figura de legalidade duvidosa, o “boleteiro” — um sujeito, geralmente outro motorista de táxi, que se dispõe a, por baixo dos panos, adiantar o dinheiro da corrida, com deságios que giram em torno de 10%.
Quando o motorista recebe, o valor integral é pago ao “boleteiro”.) Mas os aplicativos, que transferem logo o pagamento aos taxistas, não têm capital de giro para esperar tanto. “Uma empresa de aplicativos que nos procurou queria receber toda semana”, diz um executivo de uma grande empresa. “Todos os nossos fornecedores são pagos em 40 dias. Por que abriríamos uma exceção e ainda pagar as comissões?”
Que o diga o paulista Armindo Mota, de 36 anos. “Ganhar um cliente corporativo exige ter produtos específicos para ele”, diz Mota. Em 2001, ele fundou a Wappa, que mantém um aplicativo feito exclusivamente para empresas. Entre seus mais de 1 700 clientes estão, por exemplo, a rede de lojas Riachuelo e o banco Itaú. “Em 2014, a Wappa faturou 100 milhões de reais”, diz Mota. “Foram 66% mais do que em 2013.”
No contrato, a empresa cliente define cotas para cada funcionário e cadastra trajetos e horários mais prováveis, de acordo com sua função. Quem precisa de táxi escreve a justificativa da corrida num formulário online e não paga nada ao taxista.
A Wappa paga o taxista em 48 horas e recebe mensalmente da empresa cliente. O motorista cadastrado dá 10% à Wappa. A empresa cliente paga ainda um percentual que varia de acordo com o volume de viagens.
Como se vê, é cedo para saber quem vai ganhar a corrida dos aplicativos. “As margens nesse mercado são baixas”, diz o consultor Daniel Domeneghetti, da DOM Strategic Partners. “É necessário um grande volume de receitas para suportar os custos.” O taxista Alexandre Bottino, de 52 anos, do Rio de Janeiro, acha que já existe um ganhador — ele mesmo.
Antes dos aplicativos, Bottino trabalhava 12 horas por dia e fez parte de três cooperativas para garantir movimento, evitando andar muito tempo com o carro ocioso. Foi assim por mais de dez anos. “Agora economizo 60% com combustível em relação aos tempos de cooperativa”, diz Bottino. “Tomo café da manhã com o sistema ligado e já saio de casa com passageiro garantido.”