Um pão de queijo ruim no Rio de Janeiro motivou um negócio que já levantou R$ 20 milhões
Empresa cresce a mais de 100% ao ano e mira novos mercados e produtos para seguir escalando
Repórter de Negócios
Publicado em 15 de agosto de 2024 às 09h21.
FLORIANÓPOLIS (SC)* - Uma decepção aos pés do Cristo Redentor, no Rio, foi um dos motivos que levaram a mineira Rafaela Gontijo a empreender.
Um dia, há quase 10 anos, ela, que morava no Rio, foi com alguns amigos conhecer o Cristo Redentor e parou para comer um pão de queijo na padaria do local. Rafaela não gostou do que consumiu. “O pão de queijo era mais um pão ‘de quê?’...”, costuma brincar.
Naquela época, Rafaela visitava com frequência a família em Minas e voltava para casa com pães de queijo congelados feitos pela mãe. As quitutes eram sempre elogiadas pelos amigos cariocas.
Foi nesse meio do caminho, entre ter pães de queijo elogiados pelos amigos e decepcionada com a qualidade do produto fora de Minas, que Rafaela encontrou um negócio.
Formada em relações internacionais, ela trabalhava na multinacional Johnson & Johnson, mas começou a fazer um “pão de queijo legitimamente mineiro” para vender em feirinhas no Rio. O produto caiu no gosto das pessoas.
Aos poucos, o negócio foi ganhando forma. Rafaela passou a fazer a receita e vender pães de queijo congelados em varejos importantes da cidade, como o Pão de Açúcar, o Carrefour e o Zona Sul. Nesse processo, a marca ganhou o nome Nuu — uma referência à expressão que mineiros falam no lugar de “nossa” —, e espaço na vida de Rafaela, que também somou outro fator às razões para empreender: o nascimento das filhas gêmeas.
“Quando eu tive minhas filhas, percebi que precisava construir um negócio que deixaria um futuro melhor para elas”, diz. “As mudanças climáticas já estão aí, a geração delas será a primeira grande afetada pelo aquecimento global. Sabemos que a indústria de alimentos é parte desse problema e nosso propósito é entender como podemos ser parte da solução".
Na Nuu, há preocupação para uso de ingredientes orgânicos (sem conservantes, por exemplo) e para compensação de carbono.
A busca por soluções sustentáveis foi o principal motivo para um aporte de 20 milhões de reais que a empresa recebeu no ano passado, e que tem possibilitado o crescimento do negócio agora, com o lançamento de novos produtos e mercados.
A expectativa é que a empresa mais que dobre de tamanho agora. A receita não é divulgada.
Como é o crescimento da Nuu
Nos primeiros anos, Rafaela fazia os pães de queijo na cozinha de casa, mesmo. Depois, passou para indústrias terceirizadas. Mas a busca por modelos de produção sustentáveis, com compensação na emissão de carbono, por exemplo, fizeram com que a mineira criasse sua própria fábrica.
Foi aí que entrou na vida da Nuu a também mineira Julia Dabes. Engenheira de produção de formação, ela já tinha passado por uma indústria de cimentos e empreendido com uma empresa de brinquedos de madeira, quando foi chamada para estruturar a fábrica da Nuu, localizada em Pato de Minas, um dos berços do agronegócio brasileiro.
Para levantar a estrutura nos moldes sustentáveis e colocar a linha de produção a todo vapor, a mineira investiu 3,5 milhões de reais. A sede conta com 210 placas de energia fotovoltaica, captação de água de chuva, piso de concregrama para absorção de água, fossa filtro para tratamento de efluentes, janelas de vidro para utilização de luz natural, telha termoacústica e composteira em terra para resíduos orgânicos.
Julia foi uma das convidadas do painel de inauguração do Sebrae Delas na Startup Summit, festival de inovação que acontece em Florianópolis até sexta-feira. Na mesa, apresentou o case da Nuu, uma indústria formada por mulheres e cuja liderança é 70% feminina.
“Nós propositalmente quisemos colocar mais mulheres no negócio. O fato de ser uma empresa regenerativa, que olha para natureza, para o ser humano, e que busca o lucro, mas também quer regenerar ao mesmo tempo, faz muito sentido para as executivas mulheres”, diz Julia. “Nosso desafio é continuar essa cultura à medida em que crescemos, porque estamos escalando muito rapidamente”.
Hoje, são cerca de 50 pessoas na equipe da Nuu. Além do pão de queijo, outros produtos passaram a fazer parte do portfólio da empresa, o que também apoia o crescimento no faturamento. Há, por exemplo, o palitinho de tapioca, feito com apenas três ingredientes – leite, polvilho e queijo – , e a pizza de pão de queijo em quatro sabores: marguerita, linguicinha, queijo com goiabada e doce de leite.
A startup também firmou parceria com o chef de cozinha Rodrigo Oliveira, autor da receita original do dadinho de tapioca, e colocou uma versão do petisco com molho nas gôndolas do supermercado.
Mais recentemente, a empresa levantou sua primeira rodada de captação de investimentos na série A, conquistando um aporte de 20 milhões de reais liderado pelo fundo de impacto EcoEnterprises Fund, além de outros fundos estrangeiros e nacionais – CamelFarm Capital, Newlin, MadFish e Bioma Food Hub – e investidores anjo, entre eles os grupos GV Angels e Gávea Angels.
“Somente 2% do investimento externo de venture capital no Brasil vai para empresas lideradas por mulheres. E estamos felizes por termos sido uma dessas empresas”, diz Julia. “ Geralmente quando a gente fala de aporte para mulheres, é pouco capital envolvido e num programa muito direcionado para feminino”.
Os 20 milhões de reais foram usados para investir em escala.
“Já tínhamos provado que era possível estar no varejo e fazer impacto, ser carbono neutro”, afirma. “Agora, estamos escalando com novos produtos e novos mercados”.
A empresa está saindo de uma escala de produção de 25 toneladas para 50 toneladas de pão de queijo por mês. O próximo passo é também pousar no Nordeste, começando por Salvador. Recentemente, também lançou uma goma de tapioca para o food service.
Aos poucos, Julia e Rafaela vão levando o gostinho mineiro pelo país.
*A reportagem viajou a convite do Startup Summit