Um abacaxi chamado Avon: a sucessão de desafios que aguardam a Natura
Por décadas, a Avon foi uma das companhias de beleza mais relevantes do mundo, mas perdeu o ritmo de modernização
Karin Salomão
Publicado em 28 de maio de 2019 às 13h48.
A compra da fabricante de cosméticos americana Avon, anunciada na semana passada, marca o início do capítulo mais desafiador da história da brasileira Natura. A nova empresa nasce como a quarta maior do mercado mundial de beleza, atrás de L’Oréal, Estée Lauder e Shiseido. Será líder em venda direta, com mais de 6,3 milhões de representantes e consultoras, e terá ainda 3,2 mil lojas. Mas terá problemas em série a encarar.
A Avon surgiu 130 anos atrás, como uma empresa de vendas de livro porta-a-porta. O fundador, David H. McConnell, descobriu que os brindes, pequenas amostras de perfume que ele mesmo produzia, faziam mais sucesso entre seus clientes do que os próprios livros. Ele começou, então, a trabalhar com uma farmácia local para a produção de perfumes e contratou a primeira representante, Persis Foster Eames Albee.
Por décadas, a Avon foi uma das companhias de beleza mais relevantes do mundo. Suas icônicas revendedoras encontravam na marca uma forma de incrementar a renda, em uma época em que o trabalho feminino não era comum.
O protagonismo e o empoderamento femininos ainda são parte importante da missão da companhia, mas a Avon perdeu o ritmo em um mercado em constante transformação. Passou por uma crise profunda principalmente nos Estados Unidos, seu país de origem. Decidiu separar a operação norte-americana do restante da companhia em 2015, criando a New Avon, que concentra a operação nos Estados Unidos, Canadá e Porto Rico.
Em abril deste ano, a divisão foi vendida para a coreana LG Household & Health Care por 125 milhões de dólares em dinheiro. A LG já havia comprado a operação no Japão da Avon um ano antes. Estes países ficaram de fora do negócio anunciado pela Natura.
Open Up Avon
O novo CEO da Avon, Jan Zijderveld, assumiu no início de 2018 com a missão de modernizar a companhia e definir sua nova estratégia, tanto em relação aos produtos que lança no mercado quanto em relação às suas representantes. Seu plano foi chamado de Open Up Avon, para abrir a companhia para as mudanças do mercado.
No quarto trimestre do ano passado, a empresa treinou mais de 1,2 milhão de representantes. A companhia também busca desenvolver novas ferramentas de venda e treinamentos digitais para suas consultoras para aumentar as vendas. A exemplo da Natura, a Avon criou seu comércio eletrônico em 23 países, permitindo que representantes vendam também pela internet.
Ao mesmo tempo, a companhia conduz iniciativas de cortes de custo. Em 2018, vendeu sua fábrica na China e cortou a força de trabalho em 8%, com corte de 350 milhões de dólares em custo. A empresa espera cortar mais 400 milhões de dólares em custo nos próximos três anos e reduzir a força de trabalho em mais 10% este ano.
A diretoria também sofreu alterações profundas. Cerca de 73% dos 33 diretores da empresa assumiram em 2018.
De certa forma, a Avon tem os mesmos problemas de outras empresas icônicas de bens de consumo americanas compradas por brasileiros, como a rede de restaurantes Burger King e a fabricante de alimentos Kraft Heinz. Ficou parada no século 20, enquanto concorrentes mais ágeis e mais antenados lançaram produtos sob medida para consumidores cada dia mais exigentes.
Sob gestão de Sheri McCoy entre 2012 e 2018, a Avon perdeu 80% do valor de mercado e 50% de seu faturamento, que chegou a 11 bilhões de dólares em 2012 — a venda de operações como a dos Estados Unidos pesou na conta final. McCoy foi contratada da Johnson & Johnson; seu sucessor, da Unilever, mostrando que a empresa vem buscando em outros setores a solução para seus desafios de gestão.
O último grande momento da Avon veio sob os dez anos de liderança de Andrea Jung, uma das executivas mais incensadas (e bem remuneradas) dos Estados Unidos. Jung fazia parte do conselho de empresas como Apple e General Motors, mas saiu após virem à tona escândalos de corrupção de agentes públicos na China e na América Latina.
A queda continua
Mesmo com as mudanças recentes promovidas por Zijderveld, o faturamento da companhia continua em queda, com impacto principalmente no Brasil e Reino Unido. No primeiro trimestre de 2019, o número de revendedoras da Avon caiu 9% em relação ao ano passado. No entanto, com os treinamentos e adoção das ferramentas digitais, as vendas por revendedora aumentaram 6%.
"A Avon busca atrair mais representantes de vendas abaixo dos 30 anos, que conseguem se adaptar facilmente às vendas por redes sociais e se tornar micro-influenciadoras, o que deve ajudar a aumentar as vendas e construir valor de marca", afirmou o banco de investimentos norte-americano Stifel, em relatório sobre a Avon.
Uma das vertentes de seu novo plano é a reposição da Avon como uma marca mais premium. A empresa está eliminando itens de seu portfólio e aos poucos lançando novos produtos em categorias mais caras, como perfumaria e cuidados para pele.
Para a Stifel, essa estratégia pode ser perigosa para a marca. "A companhia viu uma queda significativa nos volumes em conjunção com o aumento de preços, sugerindo que a Avon corre o risco de alienar ainda mais uma porção de sua base de clientes", diz o relatório.
Virada
Para a Avon, a compra pela Natura marca um novo capítulo em sua história. A aquisição ajudará a empresa a acelerar seu processo de transformação e trará sinergias de cerca de 150 a 250 milhões de dólares por ano, que devem ser reinvestidos na operação.
Com os novos serviços da Natura direcionados às consultoras, como o aplicativo, vendas online e serviços financeiros em parceria com o Santander, pode ser mais fácil fidelizar esse público. "A aquisição das consultoras, aliada ao aumento da proposta de valor para elas por meio da implementação de serviços que as deixem atraídas para atender ambas as marcas, permitirá a captura de sinergias no âmbito das receitas do grupo", diz o Banco do Brasil, em relatório publicado no dia da transação.
A proposta de revitalização da marca, aliada ao propósito, fortalecimento da marca e melhor precificação dos produtos, é parecida com a iniciativa da própria The Body Shop, comprada em 2017. "Considerando a experiência da Natura com o processo de turnaround da TBS, que, embora incipiente, já apresentou ganhos de eficiência operacional, entendemos que a transação contribui para a aceleração da iniciativa Open Up Avon e gera mais valor para o grupo no médio prazo", afirmou o Banco do Brasil.
Complexidade
A Natura, por sua vez, está no meio do seu processo de transformação digital, passando de uma empresa baseada apenas em um canal, as vendas diretas, para atuar por meio de lojas físicas, aplicativos e comércio eletrônico.
Com a compra da Avon, a Natura dá um salto em sua presença pelo mundo e passa a ser uma das empresas brasileiras mais internacionalizadas.
Além de se expandir geograficamente, a Natura também está ampliando seu formato de vendas. "A Natura já percebeu que precisa estar presente para o consumidor em todos os canais e em todas as horas", afirma Marcos Gouvêa, fundador e diretor geral do Grupo GS&Gouvêa de Souza. O movimento já começou: a companhia brasileira expandiu sua atuação com a Aesop, comprada em 2012, e a The Body Shop, em 2017, além de ter aberto lojas próprias e investido no comércio eletrônico. Nada que se compare à complexidade das tarefas que tem pela frente.