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Tristeza traz sucesso?

David Cohen “É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe”, dizia Vinicius de Moraes em seu Samba da Bênção. “Mas para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”, completava. “Senão não se faz um samba, não.” A opinião de Vinicius acaba de ser corroborada por […]

IMAGEM DE MOZART EM LOJA DE DOCES: novo estudo sugere que aumento da tristeza estava associada ao aumento da produção musical do compositor austríaco / Johannes Simon/ Getty Images
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Da Redação

Publicado em 20 de setembro de 2016 às 15h51.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.

David Cohen

“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe”, dizia Vinicius de Moraes em seu Samba da Bênção. “Mas para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”, completava. “Senão não se faz um samba, não.”

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A opinião de Vinicius acaba de ser corroborada por um estudo feito na Universidade do Sul da Dinamarca. Não com samba, mas com música clássica. Ou, conforme a suposição do economista polonês Karol Jan Borowiecki, responsável pelo estudo, a tristeza tem a ver com criatividade em geral.

“A criatividade, medida pelo número de composições importantes, pode ser atribuída a um humor negativo, em particular à tristeza”, escreveu Borowiecki no trabalho.

Para chegar a essa conclusão, ele escaneou mais de 1.400 cartas de três compositores do século 18: Mozart, Beethoven e Liszt. Por meio de um software de análise linguística, Borowiecki analisou o conteúdo emocional de cada carta. O software identificou 406 palavras ligadas a emoções positivas, como amor, alegre e legal, e 499 que apontavam para sentimentos negativos, como dor, luto e nervoso. A partir daí, julgou cada carta pela prevalência de palavras tristes ou alegres.

Em seguida, Borowiecki comparou os estados emocionais revelados pelas cartas com o número de trabalhos “importantes” – as composições que mais contribuíram para o avanço da música clássica. Além das cartas, o pesquisador analisou eventos da vida dos compositores, como emprego, situação amorosa, saúde e o baque da perda de alguém querido.

Estar casado ou bem empregado, por exemplo, provocava uma diminuição no número de obras influentes. Borowiecki foi capaz não só de identificar que os três compositores estavam razoavelmente deprimidos quando escreveram suas obras mais reverenciadas como, por meio de uma análise econométrica, calculou o tamanho do efeito da tristeza: uma elevação de 9,3% do nível de melancolia levou, de acordo com ele, a um acréscimo de 6,3% no número de composições divulgadas no ano seguinte.

É melhor ser triste?
Há muito tempo se supõe haver uma relação estreita entre tristeza e criatividade. Desde o Renascimento até o século 20 a tristeza e a melancolia eram consideradas traços de uma certa superioridade intelectual. Supunha-se que os alegres só podiam ser alegres porque não estavam entendendo alguma coisa.

Essa noção é reforçada pela quantidade de exemplos de artistas atacados por melancolia e, por vezes, depressão. Pense em Beethoven, Van Gogh, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Janis Joplin, Santos Dumont. Apesar da quantidade de exemplos, o número de estudos que efetivamente estabelecem causalidade entre tristeza e criatividade é diminuto.

A partir do final do século 20, com o avanço do hedonismo, começaram a surgir as teses contrárias: de que a alegria conduz mais à criatividade do que a tristeza. Um estudo de 2006, feito pelo psicólogo Adam Anderson, da Universidade de Toronto, no Canadá, separou voluntários em dois grupos – um que escutou músicas alegres e foi instruído a pensar em coisas boas, outros que escutou músicas de fossa e foi instruído a pensar em coisas ruins. Em média, o grupo alegre foi mais eficiente em resolver problemas que requeriam associações de palavras, embora tenha tido menos foco nos exercícios que requeriam ignorar distrações.

Há quase um consenso, hoje, de que emoções positivas ampliam a criatividade, porque relaxam a mente, o que leva a pessoa a estar mais aberta para conexões diferentes. A tristeza tem um componente de medo, que faz a pessoa focar os pensamentos num único assunto (seu problema). “Um humor negativo resulta na visão de túnel, que faz você focar apenas naquilo que lhe provoca ansiedade”, escreveu Anderson.

Isso ajuda a explicar a disseminação de pesquisas de clima nas empresas e os ambientes repletos de brinquedos e espaços sociais nas corporações que mais dependem da criatividade de seus funcionários.

Mas esse diagnóstico pode estar equivocado. Estudos liderados pelo psicólogo Eddie Harmon-Jones, da Universidade de New South Wales, na Austrália, concluíram que não é o sinal da emoção (se positiva ou negativa) que importa para a criatividade, e sim sua “intensidade motivacional”: o quanto ela atrai ou repele a pessoa à ação. Por exemplo, satisfação é uma emoção positiva, mas de baixa motivação, enquanto desejo é uma emoção positiva de alta motivação. Tristeza tem baixa motivação, desgosto tem alta motivação.

Segundo o psicólogo americano Scott Barry Kaufman, pessoas mais criativas são as que têm habilidade de transitar entre os dois estados mentais com mais facilidade, cada um ativando uma região diferente do cérebro – a responsável pela atenção e pelo foco e a responsável pela imaginação e a espontaneidade.

Essa hipótese fornece uma chave para interpretar o estudo de Borowiecki. Ali está uma evidência quase irrefutável de que as emoções negativas conferem um impulso à criatividade. Mas talvez esse impulso exista porque o sucesso – para o qual a criatividade contribui imensamente – é uma forma de remédio contra a tristeza.

Albert Einstein afirmou que matar a charada da teoria geral da relatividade foi o momento mais feliz da sua vida. A escritora Virginia Woolf disse que o poder criativo tem a capacidade de fazer o universo inteiro ficar em ordem novamente.

Como diz Vinicius de Moraes, no final do mesmo Samba da Bênção, “a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. E o samba (ou, mais genericamente, a força criativa) seria o caminho para passar de um estado a outro.

O humor brasileiro atrapalha a inovação?
Seria obviamente um erro atribuir ao bom humor dos brasileiros a culpa pela baixíssima inovação no país. Há fatores mais tangíveis, como a taxa reduzida de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, uma educação técnica deficiente, o atraso estabelecido (que faz com que novos produtos sejam importados em vez de produzidos aqui), uma cultura acadêmica distante das empresas e muitas vezes avessa ao “mercado”.

Mas a ênfase exagerada na busca da felicidade, da satisfação, provavelmente têm seu efeito de freio à inovação. Até um dos pioneiros do estudo da felicidade, o psicólogo americano Edward Diener, cujas pesquisas apontavam que pessoas felizes vivem mais e são mais bem-sucedidas, temperou suas opiniões. No livro Happiness – Unlocking the Mysteries of Psychological Wealth (Felicidade – revelando os mistérios da riqueza psicológica), escrito com o filho, Robert, ele afirma que pessoas moderadamente felizes têm mais sucesso e saúde que as pessoas muitos felizes.

Em artigo na Harvard Business Review, no ano passado, Kaufman sugere que, em vez de concentrar-se exclusivamente em provocar emoções positivas nos funcionários, os gestores deveriam considerar outros fatores, como a ambivalência emocional e a intensidade motivacional.

Se um ambiente descontraído pode favorecer boas ideias, um ambiente tenso também tem sua utilidade. Como dizia o célebre fundador da empresa de chips Intel, Andy Grove, “só os paranoicos sobrevivem” – porque no mundo de alta concorrência você tem de estar preparado para qualquer surpresa. Ou, como diz Carlos Brito, CEO da AB InBev, “nossa cultura é sempre estar insatisfeito” (porque quem fica satisfeito para de progredir).

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