Saudade do que não vivemos: Gafisa quer Tecnisa para turbinar crescimento
Proposta de fusão com a concorrente busca levar a Gafisa de volta aos tempos áureos de liderança no segmento de alta renda
Denyse Godoy
Publicado em 21 de agosto de 2020 às 15h08.
Última atualização em 21 de agosto de 2020 às 15h32.
A Gafisa foi, durante décadas, sinônimo de imóveis residenciais de alto padrão no Rio de Janeiro, onde nasceu, e em São Paulo, mas os péssimos bocados por que passou recentemente quase puseram fim à sua história. Depois de reformar profundamente a gestão e atrair um sócio de peso, o empresário Nelson Tanure, em 2019, a construtora nesta semana deu uma cartada surpreendente no mercado em busca de voltar aos tempos áureos: propôs uma fusão com a concorrente Tecnisa.
"Queremos devolver a Gafisa para o lugar de onde nunca deveria ter saído: a liderança de mercado", diz Ian Andrade, vice-presidente de finanças e gestão da construtora.
A transação nunca havia sido cogitada no setor imobiliário, mas, para a Gafisa, parecia um passo natural. "Dentro do nosso plano de retomada do crescimento, avaliamos constantemente dois caminhos: o orgânico e o de aquisições", afirma Andrade. "Não aconteceu uma avaliação de diversas alternativas para chegar à Tecnisa. São duas empresas fortes e tradicionais que podem crescer muito juntas."
Em vez de abrir uma negociação prévia com os investidores mais relevantes da Tecnisa — uma estratégia que, quando envolve empresas de capital aberto, pode ser questionada pelos reguladores porque dá margem a vazamento de informações privilegiadas —, a Gafisa fez a oferta pelo mercado financeiro, na quarta-feira, 19. Dona de uma participação de 3% na Tecnisa, a Gafisa lançou mão de seu direito de acionista e pediu que os demais sócios da Tecnisa avaliem a ideia em uma assembleia que deve ser realizada na semana que vem.
"É uma conversa de acionista para acionista", afirma Andrade. "O movimento pode ter parecido estranho, mas é bem comum em outros mercados e segue as melhores regras de governança corporativa."
(A mais recente combinação de negócios investigada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por causa de uma suspeita de vazamento é a da fabricante de software para o varejo Linx com a processadora de pagamentos Stone.)
A Gafisa pretende discutir o formato da transação — se haverá pagamento em dinheiro ou troca de ações — diretamente com os acionistas da Tecnisa na assembleia. Por ora, em sua oferta, deu mais destaque ao sonho que seria se juntar à Tecnisa. A proposta prevê que as duas empresas combinadas poderiam atingir de novo o auge em faturamento e valor na bolsa. O ponto alto da Gafisa foi em 2012, quando atingiu receitas de 2 bilhões de reais, e o da Tecnisa se deu em 2013, com vendas de 1,8 bilhão de reais.
"Sonho e objetivo são dosagens diferentes do mesmo ingrediente", diz Andrade. "No nosso caso, é um objetivo totalmente plausível pela robustez das duas empresas, que têm marcas fortes. A nova companhia nasceria com caixa de 1 bilhão de reais e 2 bilhões de reais em projetos em andamento."
Guinada
Com esse plano, a Gafisa tenta deixar para trás seu período mais conturbado, quando o investidor coreano Mu Hak You, tido como demasiadamente agressivo em seus negócios, tomou o poder na companhia e virou o negócio de cabeça para baixo, no último trimestre de 2018. You começou a comprar ações da já então combalida Gafisa em 2017, e, ao conseguir 40% do capital, um ano depois, trocou toda a diretoria da empresa. Assumiu a chefia do conselho de administração, colocou uma executiva de sua confiança como presidente da empresa e passou a fazer uma devassa nas contas. Determinou a suspensão dos pagamentos a fornecedores e determinou a revisão de contratos no valor de quase 80 milhões de reais nas áreas de marketing e tecnologia da informação. Demitiu aproximadamente 20 funcionários no início de 2019.
Mas a falta de conhecimento específico do gestor e de Recart no ramo da construção civil levantou dúvidas sobre a consistência da reorganização. A postura beligerante do coreano e de seus indicados era vista como uma ameaça à empresa, cujas atividades dependem de bons relacionamentos com bancos e fornecedores. Como You operava alavancado e a bolsa B3 começou a ver risco excessivo nas suas posições, acabou forçando o coreano a vender suas ações na Gafisa. Três fundos da gestora Planner Redwood ficaram com os papéis, e logo depois Tanure, famoso por levantar empresas em dificuldades, entrou.
Se a proposta pela Tecnisa não for para a frente, a Gafisa vai continuar estudando oportunidades de crescimento sozinha ou com parcerias. Desde o início de 2019, quando anunciou sua reestruturação, recuperou uma parte da credibilidade que a gestão anterior havia prejudicado. De maio do ano passado até janeiro de 2020, antes de a pandemia do novo coronavírus virar o mundo de cabeça para baixo, o valor de mercado da construtora subiu 123%, atingindo 1,9 bilhão de reais. Agora, está em 1,13 bilhão.
"Essa combinação de negócios com a Tecnisa não é nosso destino final, é parte do caminho", afirma Andrade.
Com a esperada recuperação da economia após a covid-19 perder a força, a Gafisa espera ver uma aceleração na venda de imóveis. A favor dessa tese está o fato de que seu público, de famílias de alta renda, sofreu menos com o desemprego e a redução de salário durante a crise.
Em termos de produto, a Gafisa vai continuar seguindo a receita que sempre deu certo, lançando empreendimentos em bairros já consolidados.