Negócios

Pequenas editoras, grandes negócios

Jardel Sebba  “Escolha um trabalho que você ame e não precisará trabalhar um só dia na vida.” De Confúcio ou de Warren Buffett, dependendo da fonte pesquisada, pouco importa: a frase, além de um tenebroso clichê, é mentira. Um bom e atual exemplo disso vem de um mercado que, na era digital, balançou, encolheu, mas […]

LIVRARIA: novas editoras lançam livros inéditos no país em caprichados projetos gráficos e destinados a um público apaixonado / Ben Pruchnie/ Getty Images

LIVRARIA: novas editoras lançam livros inéditos no país em caprichados projetos gráficos e destinados a um público apaixonado / Ben Pruchnie/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2016 às 08h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.

Jardel Sebba 

“Escolha um trabalho que você ame e não precisará trabalhar um só dia na vida.” De Confúcio ou de Warren Buffett, dependendo da fonte pesquisada, pouco importa: a frase, além de um tenebroso clichê, é mentira. Um bom e atual exemplo disso vem de um mercado que, na era digital, balançou, encolheu, mas está longe de acabar: o das editoras de livros. Diante da crise, nos últimos anos muitos editores decidiram abrir suas próprias empresas para publicar o que gostam, com igual esmero no conteúdo e na forma.

Produtos feitos por e para amantes dos livros físicos, esses objetos que, em algum momento, acreditou-se que poderiam ser meros fetiches a essa altura. E, acredite, são esses “novos românticos” que, com modelos enxutos de negócio e conhecimento profundo do público que desejam alcançar, que estão dando fôlego a um mercado que parecia condenado. A mentira? Sim, eles escolheram fazer o que amam, mas trabalham arduamente todos os dias, cumprindo múltiplas funções em suas casas editoriais.

O jornalista e professor universitário Fabiano Curi, por exemplo, fundou a Carambaia para produzir livros com projetos gráficos caprichados e cujos títulos estivessem há muito fora de catálogo ou que nunca tivessem sido publicados no Brasil. Ele convidou a também jornalista Graziella Beting para ser editora da nova casa, que, além deles, tem apenas mais duas funcionárias fixas – todos os demais envolvidos no processo são contratados por projeto. O modelo tem funcionado. “A ideia da editora surgiu em 2012 e começamos a funcionar no início de 2014. Os primeiros livros foram lançados em março de 2015, e semana que vem sai nosso décimo-quarto título”, resume Curi.

Os títulos e o perfil da editora estão de acordo com o que ele idealizou, com a ressalva de que trabalhar com autores em domínio público não foi uma mera questão de economia (de dinheiro e de paciência). “Não pensei nos autores vivos pelo desgaste que eles geram, mas na quantidade enorme de autores mortos com ótimas obras que são negligenciadas no Brasil. Além disso, consigo avaliar os textos a partir de um aparato crítico mais amplo, em edições e traduções estrangeiras e nos comentários sobre essas obras”, explica Curi.

Não que a economia não seja parte fundamental do processo. O barateamento do custo de impressão para pequenas tiragens ajudou a impulsionar editoras como a Carambaia, e usar o site como principal meio de venda minimizou o custo de intermediários. Mas o investimento, mesmo em um modelo enxuto, não é pequeno. “A previsão é de um investimento médio de 1 milhão de reais por ano nos primeiros cinco anos. Até agora, investi cerca de 1,5 milhão de reais”, revela o editor, reforçando que seu objetivo é o mesmo de qualquer empreendedor: ganhar dinheiro. “Tenho três previsões de começar a operar no azul: 5 anos para a otimista, 7 para a realista, 10 para a pessimista”, diz.

A editora produz mil unidades de cada título e fica com cerca de 40% dos valores de capa, que variam entre os 69,90 reais de Homens em Guerra, contos inspirados pela experiência na Primeira Guerra Mundial do húngaro Andreas Latzko, e os 129,90 reais de Ifigênia, romance da venezuelana Teresa de La Parra, ambos inéditos no Brasil. Segundo Curi, ainda em 2016 a editora vai botar no mercado Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce, Jaqueta Branca, de Herman Melville, e um terceiro “que será uma bela surpresa”.

Curi não está sozinho. Ano passado, o jornalista Mateus Kacowicz assistiu a um filme ruim feito a partir de uma boa história. Logo descobriu o livro no qual ele havia se baseado e assim nasceu a Xenon Editora, para lançar O Diário de uma Camareira, obra de 1900 do francês Octave Mirbeau, que não tinha obra editada no país até então. Ano passado, a Rádio Londres, do italiano Gianluca Giurlando e com sede no Rio de Janeiro, incluiu em sua primeira fornada editorial o espetacular Stoner, do norte-americano John Williams, escrito originalmente em 1965 e também inédito por aqui.

Nos últimos anos, acostumamos a ver bons lançamentos, novos ou nem tanto, relacionados a casas editoriais pouco conhecidas, como a Patuá, a Arquipélago Editorial, a Não Editora, a Mundaréu, a Oito e Meio, a Confraria do Vento, a Poetisa, a Cesarea, a Bazar do Tempo, cada uma com enfoque específico. Algumas destas editoras já aparecem nas listas de prêmios relevantes, como o Portugal Telecom.

Agoniza mas não morre

O entusiasmo dos novos editores não significa que o mercado vá bem. Muito ao contrário, os números de venda de livros no Brasil seguem em queda livre nos últimos anos. Segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) realizada anualmente por encomenda da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL), o faturamento do mercado de livros no país em 2015 foi de 5,3 bilhões de reais. Isso significa uma retração de 12,5% nos últimos dez anos, puxada principalmente pela subcategoria Obras Gerais, que abrange ficção e não-ficção (as outras três divisões da pesquisa são Científico-técnico-profissionais, Didáticos e Religiosos, essa última a única a crescer desde 2006).

Por outro lado, ao contrário do que aconteceu no mercado fonográfico, que foi praticamente extinto pela internet, a era digital causou estrago menor no meio literário, por uma série de fatores mais ou menos objetivos. E o mercado parece resistir às turbulências ao tomar, de tempos em tempos, fôlego novo ancorado em algum fenômeno, que a cada episódio traz público também novo para suas fileiras. Da chamada literatura de autoajuda, passando pela ficção histórica ancorada no sucesso de O Código Da Vinci, de Dan Brown, pela narrativa erótica para mulheres, na esteira de 50 Tons de Cinza, de E.L. James, chegando aos livros para colorir e aos títulos destinados a “jovens adultos”, que ganharam selos específicos em grandes editoras. Os termômetros dessas tendências costumam aparecer para o grande público na Bienal Internacional do Livro, cuja 24.ª edição terminou há duas semanas, em São Paulo. Realizado pela Câmara Brasileira do Livro, o evento recebeu, ao longo de dez dias, investimento de 34 milhões de reais e público de 684.000 visitantes.

Enquanto o grande mercado sobrevive a reboque das tendências, os independentes seguem olhando para outros lados. Lados tão distintos que, em 2002, nasceu uma associação específica para representá-los, a Liga Brasileira de Editoras (Libre), com o objetivo de defender interesses comuns das 137 casas editoriais associadas. “A liga nasceu porque editoras independentes têm propostas e necessidades que não são contempladas pelas pautas de entidades como o SNEL e a CBL, que muitas vezes não se preocupam com a democratização do mercado”, explica Raquel Menezes, atual presidente da Libre e editora da Oficina Raquel. Ainda que editoras independentes primem, pela própria natureza, pela diversidade entre si, Raquel vê um caminho que vem se consolidando entre elas. “Observo com atenção e alegria o movimento de editoras movidas por apurado sentido estético na produção do objeto livro. E a ideia de público específico, também perpassa muito o que vemos hoje no mercado”, completa Raquel.

A CBL pode até não estar em sintonia com as necessidades dos independentes, mas não ignora a importância que eles passaram a ter nos últimos anos. “Estamos vivendo uma época de transformações, com a entrada de novos modelos de negócio para os livros, e nossa percepção é que o crescimento de pequenas editoras e de autores independentes ajudam, sim, a neutralizar a retração do mercado”, reforça Daniela Manole, diretora da Câmara Brasileira do Livro. Segundo ela, considerando que o número de livros que o brasileiro lê em média subiu de quatro, em 2011, para quase cinco atualmente (4,96), o sinal está aberto para os novos editores. “Acreditamos que há espaço para editoras de nicho, dedicadas a setores específicos, a linhas de publicação com editorias específicas e especializadas ou a públicos-leitores diversos”, completa Daniela, que aponta uma estimativa de 730 editoras no Brasil, de acordo com censo realizado pela Fipe/USP tendo 2009 como ano-base.

The e-book is not on the table

Às portas de 2017, o movimento de editoras independentes não surpreende tanto pelas peculiaridades, mas principalmente por estar ligado quase exclusivamente ao livro físico como produto final. O relatório The Global E-Book Report de 2016, publicado anualmente pelo consultor austríaco Rüdiger Wischenbart, estima o mercado brasileiro de livros digitais em algo próximo de 35,1 milhões de reais. Com estimados 70.000 títulos, sendo cerca de 20.000 independentes, ele cresceu vertiginosamente nos últimos quatro anos, e seria responsável hoje, segundo Wischenbart, por 2,57% do faturamento dos editores brasileiros. O que isso significa? Pouca coisa, de fato.

“O livro digital ainda representa uma pequena fatia de publicações no mercado editorial brasileiro”, resume Daniela Manole, que coordena as Comissões do Livro Digital e a Escola do Livro na CBL, e traz números novos para a mesa. “Não temos ainda uma pesquisa destinada ao setor como um todo, mas segundo a ‘Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro’, realizada pela Câmara Brasileira do Livro, Fipe e SNEL, em levantamento realizado com 189 editoras, 45.838 títulos digitais foram publicados em 2015, com faturamento de R$ 20.439.476,97”, completa Daniela.

Mês passado, a CBL organizou em São Paulo o 6.º Congresso do Livro Digital, que trouxe ao país especialistas como o francês Roger Chartier, professor do Collège de France, e o norte-americano Robert Darnton, historiador e ex-diretor da Biblioteca de Harvard. O segundo concluiu, entre outras coisas, que parecia que o digital estava mais associado a leituras mais leves, enquanto o impresso continuava sendo o principal meio para leituras mais profundas. O primeiro indicou que o livro digital era um item absolutamente marginal no ambiente da internet. “O livro digital já faz parte da realidade do dia a dia do brasileiro se pensarmos nos diversos formatos de leitura possibilitados pelas plataformas de leitura eletrônicas. A grande questão é tornar os diversos modelos viáveis no longo prazo”, aponta Daniela. Em resumo, os livros inéditos no país em caprichados projetos gráficos e destinados a um público apaixonado por livros físicos que os novos editores têm lançado podem dormir tranquilos: são uma realidade que o livro digital não só ainda não é, mas que pode nunca vir a ser.

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