Inspirado no pai pedreiro, hoje ele é engenheiro e CEO de uma empresa que deve faturar R$ 10 milhões
Entre alguns dos projetos de construção, companhia realiza obras para preparar cidades para o aquecimento global e tirar pessoas de áreas de riscos
Repórter
Publicado em 18 de novembro de 2023 às 08h01.
Última atualização em 6 de junho de 2024 às 15h52.
O cenário no Brasil no começo de 2014 era perfeito para apostar em uma empresa de construção civil. O principal evento esportivo, a Copa do Mundo, aconteceria no “país do futebol”, elevando exponencialmente o número de contatos de obras. Esse era o pensamento do engenheiro civil Luciano Machado, junto com três sócios, quando planejou criar a MMF Projetos de Infraestrutura, empresa de construção especializada em projetos de geotecnia, ramo da engenharia voltado à construção de barragens, construção de estradas e prédios, escavação de túneis, entre outros serviços que estudam a movimentação do solo e das rochas.
Realmente a empresa começou a atrair muitos trabalhos já em janeiro, os primeiros contratos começaram a ser fechados, mas um evento negativo começou a ser divulgado na imprensa e a preocupar os empresários. Em março uma investigação em um posto de gasolina começou a repercutir e deu origem ao que conhecemos como “Operação Lava Jato”. “A operação foi repercutida muito rápido e nos assustou. Pensamos, poxa, bem na nossa vez aconteceu uma crise desse tamanho envolvendo o setor,” disse Luciano, que hoje é CEO da companhia.
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Para surpresa de Luciano e seus sócios, a empresa não só nasceu durante a crise da Lava Jato, mas também cresceu. “Aquele momento de crise para nós foi uma grande oportunidade. Quando as grandes companhias que estavam envolvidas no problema não conseguiram atender as demandas, surgiram muitas oportunidades e fomos abraçando. Conseguimos surfar nessa crise, porque aproveitamos todas as oportunidades do mercado.”
Esse é o início da empresa que no próximo ano completará 10 anos, e que conta com Luciano, um engenheiro negro ocupando o lugar de CEO, o qual seguiu os passos do pai Júlio Machado para chegar nesta posição. “Minha inspiração sempre foi meu pai. Ele veio da Bahia muito jovem e já foi de tudo no ramo da construção, de pedreiro a mestre de obra.”
O pai de Luciano também chegou a empreender, mas a empresa faliu quando ele estava no segundo ano da faculdade de engenharia na Universidade Mackenzie. “Consegui concluir meus estudos porque a universidade me deu uma bolsa”.
Após a formação, Luciano já fez especialização e atua na área técnica e comercial, com passagem por 6 multinacionais desde 1996. Como CEO, sabe que ainda representa uma minoria nesta posição. “É muito difícil encontrar um negro que esteja na liderança de uma empresa, que seja CEO, ainda mais neste ramo da construção que sempre foi tradicional, mas a MMF foi criada apostando desde o início na diversidade.”
As práticas de ESG quando a sigla não era popular
O lado S da história:
A ideia de criar a MMF partiu de um dos sócios chamado Ricardo Mirisola. “Ele entendia muito de engenharia, mas precisava de ajuda com a área comercial. Como trabalhamos juntos em uma empresa e ele viu meus resultados, me convidou para ser um dos sócios-majoritários.”
Foi uma grande e feliz surpresa para Luciano ser um sócio de uma empresa de engenharia. “Era algo muito diferente no mercado, ainda mais na área de construção civil. A MMF começa diferente, e além de um negro, chamou também uma mulher para fazer parte do time de sócios.”
Com uma liderança e time de funcionários diversas, Luciano afirma que começou a atrair não só profissionais diversos, mas também muito resultado. “Pessoas que normalmente não têm muitas oportunidades, quando as oportunidades aparecem elas agarram com unhas e dentes. E ver a empresa crescer 10 vezes nos últimos 3 anos é a prova disso,” diz Luciano, que reforça que a empresa inicia apostando no ESG, sem saber o que era isso na época.
Na governança:
Além de ter um time diverso na sociedade na companhia, se prevenir contra práticas de anticorrupção é um dos objetivos da empresa que nasceu no cenário que deu luz a esse tipo de crime.
“Governança é algo que tratamos desde o primeiro dia da empresa. Por isso, fez sentido para nós desde outubro ser uma empresa signatária da agenda do Pacto Global, que tem além de práticas voltadas ao ambiental e social, iniciativas voltadas à governança, como práticas de anticorrupção,” afirma Luciano.
A diferença no meio ambiente
Um dos trabalhos da empresa é pensar e aplicar projetos de geotecnia que envolvem recuperação de áreas degradadas e rios, além de construção de barragens em rodovias e em áreas de riscos, como favelas, afirma Luciano.
“Fazemos projetos recuperação de áreas degradadas, recuperação de rios, canalização de córregos, recuperação de áreas com erosão, como em rodovias e favelas de diversos municípios no Brasil.”
A companhia tem só em rodovias no Rio Grande do Sul dois contratos de R$ 9 milhões com o DNIT, em aproximadamente 40 pontos de projeto.
“No RS estamos trabalhando na BR470 e na BR158, são aproximadamente 100 Km de taludes e encostas que estamos tentando recuperar por causa dos impactos causados pelas chuvas nos últimos tempos,” diz Luciano.
A empresa também trabalha com obra de arte especial, como construção de pontes, viadutos e passarelas, além de projetos de pavimentação e saneamentos.
Brasil e as cidades resilientes
“O Brasil não teve um crescimento ordenado e não tem”, diz Luciano, que afirma que o problema de desastres climáticos no Brasil pode ser totalmente mapeado.
“Sabemos onde vai chover, o quanto vai chover e sabemos onde tem um risco grave e gravíssimo. Não é aceitável ouvir que não é algo previsto quando um desastre acontece.”
Há dois anos, por trabalhar com projetos que avaliam encostas e barragens, Luciano disse que alertaram sobre o que está acontecendo hoje no Norte e no Sul.
“O RS passou por três anos de seca extrema e se sabia que teríamos o fim de La Niña, que estava causando esse efeito, e o início do El Niño com forte chuvas e enchentes. Essa descrença da ciência e da previsão do tempo, que é uma das coisas que funciona bem há muito tempo, não pode continuar.”
O mundo tem uma meta estabelecida no Acordo de Paris 2015 de conter o aquecimento global do planeta em 1,5 grau até o fim do século.
“Se o mundo conseguir atender a meta de aquecimento global de 1,5 grau, os eventos que estão acontecendo agora e que já são gravíssimos, serão ainda maiores. Se não atingir a meta eu não sei te falar o que poderá acontecer.”, afirma Luciano. “Então o futuro da infraestutura é a gente trabalhar nas áreas de riscos de forma estruturante, mas hoje o que fazemos é apagar incêndio, ajudando as pessoas desabrigadas. Precisamos agir antes, quando não está chovendo.”
Para minimizar esse problema estrutural, que impacta muito o Brasil, onde há milhares de pessoas vivendo em encostas, o engenheiro afirma que é preciso apostar em cidades resilientes no país, que surgem por meio de medidas municipais ou estaduais para lidar contra os desastres naturais.
“O Brasil precisa se preparar no ponto de vista de infraestrutura, para que esse aquecimento global não venha causar mais estragos do que já tem causado. Temos como janela de oportunidade o carbono verde e uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo.”
Foi pensando em cidades resilientes que a empresa conseguiu crescer 10 vezes em 3 anos.
“Hoje se fala muito em diminuir a emissão de carbono, mas deveríamos pensar em como a gente vai preparar a cidade para o aquecimento global. É essa a discussão que achamos que deveria ter sido feita, mas que preparamos a empresa para pensar nesses projetos.”
A companhia já atuou em todas as regiões do Brasil, mas atualmente os principais projetos estão nos estados de MG, SP, PR, SC e RS.
Um desses projetos chama “De olho na Encosta”, que é a aposta da companhia pensando nas cidades resilientes. A proposta é fazer todos os projetos de recuperação de áreas de risco que forem possíveis em Campos do Jordão, propor desocupação das casas que estão em risco alto, para que as pessoas possam morar em segurança, além de fazer as obras e monitorar os locais que tem o menor risco. “Isso é tirar as pessoas do local de risco e trazer para um lugar seguro. Essa é a nossa aposta para o futuro”.
Campos do Jordão foi escolhido por ser uma cidade estratégica. Primeiro por ser uma cidade aonde as pessoas que vão para lá tem um poder aquisitivo muito alto. “É uma cidade do ponto de vista de visibilidade muito importante para SP, muitos políticos vão para lá e podem ver a diferença que pode gerar o investimento em infraestrutura”.
Outro ponto é que a cidade tem uma característica geotécnica variável e com pessoas morando em locais de risco.
“Quando você entra na cidade, ao olhar do lado esquerdo você já vê comunidades. Casas instaladas em locais muito íngremes. Você tem muito acidente geotécnico lá. No bairro onde estamos atuando já tiverem acidentes graves, inclusive com mortes,” diz Luciano. “Com esse trabalho queremos abrir caminhos que possam assegurar vidas que já enfrentam os impactos do aquecimento global”.
Os desafios do crescimento
Entre 2014 até o meio de 2016 foram anos muitos bons para a MMF Projetos de Infraestrutura. “Em 2017 sentimos um pouco por causa do cenário político que estava instável e resultou em um cenário de muitas obras paradas.”
Após esse período, o executivo afirma que surge uma nova leva de oportunidades. “Nos anos seguintes, muitas obras começaram a ser finalizadas e aí surgiu uma outra leva de oportunidades e começamos a dobrar de tamanho. Ficamos assustados em crescer tão rápido, porque contamos com engenheiros e projetistas que tem uma remuneração significativa.”
Atualmente, a empresa que começou com 15 funcionários, hoje tem 40 pessoas atuando no escritório na Avenida Paulista, sendo 30% negros.
As metas
Em 2024 a MMF completará 10 anos, sendo que os últimos 3 anos foram marcados por um crescimento exponencial, segundo Luciano.
“Em 2022 tínhamos R$ 4,7 milhões de faturamento e neste ano estamos projetando fechar com R$ 10 milhões.”
A projeção de crescimento é em torno de 40% de 2022 até final de 2023, ano em que a empresa deve começar a expandir seus serviços para fora do país. É o início de um projeto de internacionalização da MMF, olhando sobretudo para países africanos de língua portuguesa.
“Estou em Cabo Verde para ser o embaixador de um evento de empreendedorismo jovem global. Estamos levando um projeto de uma ponte para a Cidade Velha”.
Outro plano da companhia é de investir em novas áreas da engenharia, afirma Luciano.
“Nosso plano é de reinvestimento, ou seja, de investir em novas áreas. E vamos para a realidade de projetos que não fazíamos antes, como trabalhar com metrô de SP, que é um cliente muito importante, sobretudo na implementação de tecnologia.”