GILBERTO XANDÓ: “toda empresa de consumo precisa ter um processo de inovação pujante” / Divulgação
Da Redação
Publicado em 17 de janeiro de 2020 às 17h02.
Última atualização em 17 de janeiro de 2020 às 18h00.
Gilberto Xandó protagonizou uma das maiores transformações empresariais no mercado de bens de consumo brasileiro na última década. Entre 2011 e 2019 ele comandou a fabricante de lácteos Vigor, dona também de marcas como Danúbio e Faixa Azul. Foi um período turbulento, em que o grupo J&F, controlador da companhia, colocou o negócio à venda para focar a operação do frigorífico JBS. Desde 2017, a Vigor é controlada pelo laticínio mexicano Lala. Após um acordo com os novos controladores de permanecer no cargo por dois anos, Xandó deixou o posto no dia 31 de dezembro e agora estuda novas empreitadas no mercado de consumo. “Transformamos a percepção do público com a Vigor”, disse o executivo a EXAME. “É o tipo de lição que vale para qualquer negócio”.
Qual foi a maior transformação da Vigor nesses nove anos de gestão?
Viramos uma marca aspiracional, o que era impensável em 2011. Nós fizemos coisas simples que conseguiram transformar a percepção de uma empresa. Culminou num negócio de venda para estratégico. A empresa foi comprada a 1 bilhão e foi vendida a quase 6. Essa história da companhia pode ajudar outros negócios no Brasil. Não é impossível.Alguns até trouxe de volta. A Vigor era uma empresa que faturava 1,2 bilhão de reais e hoje fatura quase 4 bilhões. O Ebitda passou de 50 milhões para 200 milhões em 2018.
A empresa era focada nas classes C e D quando o senhor assumiu. Isso era um problema?
Para ganhar dinheiro no mercado lácteo é preciso se posicionar para quem tem dinheiro. Para isso era preciso ter ambição de ser protagonistas no mercado, para brigar com Nestlé e Danone. Os produtos tinham nível baixo de gordura e de sabor. Mudamos a fórmula de todos. Também era preciso inaugurar áreas que não existiam, como marketing e planejamento.
Como mudar sem que a equipe ache que fazia um trabalho ruim?
Mostramos que, se queremos ter posicionamento de marca para brigar como Danone e Nestlé, era preciso mudar. As pessoas entendem isso. O foco estava em volume, que trazia margem pequena no fim do ano. Mudamos a fórmula, as embalagens, a comunicação com o consumidor, e a precificação. Nunca pensamos pequeno. O redesenho de embalagem foi com uma empresa referência na Califórnia que fez a marcado Facebook e do Google.
O que foi mantido?
Fiquei 21 anos na Sadia, uma empresa que traz um ensinamento. Nos bons tempos da Sadia sempre houve a preocupação de valorizar quem conhecia o negócio, o que depois foi se perdendo. O conhecimento está nas pessoas. Trouxemos de volta para a empresa o João Fernando, comprador de leite que havia sido mandado embora. Ele conhece as vacas de alguns dos 3 500 fornecedores pelo nome. Não podemos abrir mão desse tipo de pessoa. No fim do ano ele fez 52 anos de empresa. Sem ele, tínhamos perdido 30% no volume de leite.
O lançamento do iogurte grego foi o maior marco de sua gestão?
Sim. Vim da natura, de onde 80% do faturamento vem de produtos lançados nos últimos 24 meses. Cheguei aqui e a métrica era 3,5%. Pus uma meta aleatória, de 35%, para provocar uma ruptura. Ficou claro que precisávamos de um novo produto relevante. Aí veio o grego. Era preciso um marco de mudança de patamar. Isso mobilizou a companhia. O grego já era 50% da gôndola nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil ainda não existia. Por que não podia ser referência aqui também? A Danone já brigava com a Chobani lá, mas não trouxe o produto ao Brasil, com a impressão de que não tinha renda nem público para esse produto. Mas aí nós entramos, em 2013.
Por que é tão difícil lançar um produto emblemático?
Poucas companhias têm produtos que mudam o setor. O iPhone é o exemplo mais emblemático. Queríamos ter três gregos por ano, que inaugurassem uma categoria e virassem referência. É muito difícil de fazer. Mas toda empresa de consumo precisa ter um processo de inovação pujante, com coisas que ativem o mercado e motivem a equipe.O grego forçou toda a empresa a mudar de patamar. Hoje compramos o mesmo volume de leite de oito anos atrás, mas multiplicamos os resultados.
Qual a próxima aposta?
Um objetivo nos últimos anos foi fazer dos queijos um negócio relevante. É um negócio de 700, 800 milhões de faturamento, com enorme capacidade de crescimento. Desde 2011, vem crescendo 20 a 22% ao ano. Ano passado anunciamos que quintuplicamos a fábrica de Faixa Azul. Antes o vendedor vendia iogurte, queijo e leite. Agora temos gente dedicada, que acorda, almoça e dorme pensando em queijo. Perdemos sinergia, mas ganhamos foco. A arla foods tinha 8% do negócio e era sócia há 37 anos. Mas a marca danúbio era meio a meio.
Como o senhor blindou a empresa dos contratempos dos controladores?
A Vigor é cascuda, porque já tinha passado por momentos como esse — foi comprada pela família Mansur, depois pela Bertin, depois pela JBS. As pessoas estavam sendo reconhecidas, e sabiam que a conjuntura forçava uma venda. Em 2017 criamos um processo de concorrência, que teve 11 interessados. O fato de termos sido vendidos para uma empresa do setor, a Lala, também ajudou.
Qual o plano de médio e longo prazo para a Vigor?
Continuar crescendo no Brasil — hoje 50% de nossas vendas são feitas no estado de São Paulo, ante 85% de 2011. A meta é crescer em outros estados. Para crescer no Nordeste podemos precisar de novas fábricas. A Lala tem também o desafio de elevar a rentabilidade — no México, a margem ebitda é de 12% a 14%, mas no Brasil é 7%. O mercado brasileiro é muito difícil.