Ex-diretores da Ford são condenados por colaborar com a ditadura argentina
Ambos foram sentenciados por serem "participantes na privação ilegal da liberdade, agravada pelo uso de violência e ameaças"
AFP
Publicado em 12 de dezembro de 2018 às 11h18.
Dois ex-diretores da Ford foram condenados nesta terça-feira (11) a 12 e 10 anos de prisão respectivamente por cumplicidade na perseguição de representantes sindicais durante a ditadura argentina (1976-1983).
Após um ano de processo, um tribunal argentino condenou Héctor Sibilla, de 91 anos, ex-diretor de segurança da Ford, a 12 anos de prisão e Pedro Muller, de 86, ex-gerente de manufatura, a 10 anos.
Ambos foram sentenciados por serem "participantes na privação ilegal da liberdade, agravada pelo uso de violência e ameaças, tormentos agravados por serem as vítimas perseguidas políticas". Após a condenação, os dois deixaram o tribunal imediatamente, acompanhados de seus advogados, sem fazer declarações.
Algumas pessoas gritaram na rua quando ambos se dirigiam caminhando para seus carros.
Por enquanto, devem se apresentar mensalmente à Justiça e estão proibidos de deixar o país, mas terão que cumprir a pena em um presídio quando confirmada, destacou a sentença, recebida com aplausos e choro por sobreviventes e familiares, que comemoraram a decisão com abraços. Os dois estão atualmente em prisão domiciliar.
"Chegamos. Se não tivesse sido pela vontade e pelo apoio das pessoas, não teríamos chegado. Mas o tema dos direitos humanos está bem implantado (na Argentina), não se discute mais", declarou à AFP Pedro Troaini, uma das vítimas.
"Como os nazistas"
"Vai acontecer com eles o mesmo que com os nazistas, aonde forem vamos procurá-los", repetiram os presentes após ouvir o veredicto, acompanhado por quase cem pessoas, enquanto outras tantas lotavam uma sala contígua para seguir a sentença pela televisão.
Na mesma sentença, o general reformado Santiago Riveros foi condenado a 15 anos de prisão por dirigir o centro de detenção clandestino Campo de Mayo, ao norte de Buenos Aires e perto da sede da fábrica.
O militar, que cumpre pena por outras condenações por violações de direitos humanos durante a ditadura, foi considerado co-autor de invasão ilegal de domicílio e privação ilegal de liberdade.
"Se não tivesse sido pela vontade e o apoio do povo, não teríamos chegado até aqui. Mas a questão dos direitos humanos está bem inserida (na Argentina), já não é algo que se discute", declarou à AFP Pedro Troiani, uma das vítimas, antes de entrar na sala de audiências.
"Só quero falar da minha vida pessoa. Cheguei ao país em dezembro de 1949 e encontrei trabalho como mecânico automotor e assim paguei meus estudos. Desde então nunca parei de trabalhar. Me dei conta que tinha que trabalhar de maneira apolítica. Tenho a consciência tranquila porque jamais fui acusado por minha conduta", declarou Muller, o único que falou nesta terça-feira perante o tribunal.
O caso Ford
Em 1976, quando aconteceu o golpe de Estado que derrubou a presidente María Estela Martínez de Perón, a fábrica da Ford tinha quase 5.000 operários e 2.500 funcionários administrativos.
A fábrica tinha 100 representantes sindicais e 24 deles foram levados para cativeiro, muitas vezes no próprio local de trabalho e com listas elaboradas pela empresa, em represália por seu ativismo sindical, de acordo com a Promotoria.
Vários deles foram torturados na fábrica, na localidade de General Pacheco, na periferia norte de Buenos Aires, antes da transferência para centros clandestinos de detenção, segundo os depoimentos das vítimas.
Todos sobreviveram à ditadura, mas após mais de 40 anos apenas 13 representantes sindicais seguem vivos.
O ex-gerente de relações trabalhistas Guillermo Galarraga chegou a ser processado, mas morreu em 2016 sem que o julgamento tivesse começado. Nicolás Courad, ex-presidente da Ford na Argentina, morreu em 1989, muito antes de qualquer processo judicial.
Casos similares foram denunciados em outras empresas, como Mercedes Benz, Renault e Fiat, mas até agora só o julgamento contra os ex-executivos da Ford pôde avançar.
O julgamento se limita a determinar a responsabilidade dos acusados e não envolve a empresa.