Eletrificação está mais próxima dos veículos pesados, mas desafio é grande
Durante a Fenatran, maior feira de transportes da América Latina, montadoras mostram novidades - e dificuldades - para ganho de escala do caminhão do futuro
Juliana Estigarribia
Publicado em 18 de outubro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 18 de outubro de 2019 às 06h00.
São Paulo - O veículo do futuro será elétrico , autônomo e totalmente conectado. Essa tem sido a promessa frequente das montadoras e, apesar dos avanços inegáveis neste sentido, os desafios de ganho de escala ainda são enormes. Para caminhões e ônibus, por exemplo, não só o alto custo de desenvolvimento das novas tecnologias é um desafio: a transição para o veículo do futuro também se mostra uma grande incógnita.
“A tecnologia dos veículos elétricos é muito antiga, porém, o alto custo das baterias no segmento de pesados e a falta de infraestrutura para garantir a recarga tornam a virada da combustão para a eletrificação uma tarefa difícil neste momento”, afirma Mathias Carlbaum, vice-presidente global das operações comerciais da Scania .
Acontece nesta semana, em São Paulo, a Fenatran, maior feira de transportes da América Latina. Montadoras, sistemistas, fabricantes de autopeças e prestadores de serviços mostram suas novidades e, para 2019, a expectativa dos organizadores é que os negócios atinjam 40 bilhões de reais. “Grande parte do PIB brasileiro passa pela Fenatran", dizem os expositores.
O tom da feira, neste ano, está definitivamente voltado para as tecnologias de propulsão do futuro e alternativas ao tradicional motor a combustão. Mas para chegar a tão sonhada eletrificação o caminho será longo.
“Combustíveis alternativos e renováveis vão ter um papel muito importante na transição para o elétrico. Mas o caminhão a diesel não vai acabar e não haverá apenas uma solução. Quem vai escolher é o cliente”, pondera Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO América Latina.
Segundo o executivo, a transição rumo à eletrificação vai demorar um tempo considerável, diante da necessidade de investimentos vultosos tanto por parte da indústria quanto do poder público para garantir infraestrutura aos novos veículos. “Hoje, a tecnologia do elétrico ainda é muito cara, e um caminhão é comprado para ganhar dinheiro. Qualquer aumento de custo atrapalha a decisão de compra.”
Para Carlbaum, da Scania, a transição dos combustíveis fósseis para o elétrico vai demorar não só por aqui, como no mundo todo. “Porém, o Brasil tem a vantagem de ser uma potência global em combustíveis alternativos, com uma diversificação na matriz energética favorável para essa transição.”
Segundo ele, o motor movido a biometano (gás gerado por matéria orgânica do lixo) já é uma realidade na Scania e deverá ajudar a indústria na transição rumo à eletrificação. Na Fenatran, a marca também está expondo motores de combustão interna a gás, que podem ser usados com gás natural e biogás, e cujas vendas crescem 40% neste ano, no país.
De acordo com Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), hoje um importante desafio para as montadoras é atender ao crescimento exponencial do mercado de entregas urbanas - com o avanço do comércio eletrônico - e também às legislações de emissões de poluentes nos diferentes países.
“Todas as montadoras estão investindo pesado para entregar caminhões mais limpos e adequados para cada aplicação e a expansão do e-commerce demandará muitas soluções da indústria”, diz Moraes.
Onde faz sentido
Justamente de olho na expansão dessa demanda, a Volkswagen Caminhões e Ônibus, subsidiária do grupo alemão Traton, será a primeira montadora a produzir caminhões elétricos em série no Brasil a partir do final do ano que vem no segmento de urbanos, que têm porte menor. A marca confirmou, nesta semana, os nomes de oito empresas que devem se instalar no entorno do seu complexo fabril em Resende, Rio de Janeiro, para desenvolver o e-Delivery, caminhão urbano 100% elétrico, que será produzido no local.
Entre as empresas do chamado e-Consórcio estão gigantes como Siemens e Bosch, além de fabricantes altamente especializadas como Meritor (eixos), Moura (baterias) e WEG (motores elétricos). “Esse modelo de negócio, que vai do desenvolvimento do produto até o pós-venda, é inédito no mundo, nem a nossa matriz tem”, conta Roberto Cortes, presidente da Volkswagen Caminhões e Ônibus.
O executivo relata que um conjunto de baterias para veículo pesado pode custar um caminhão convencional inteiro. “Por isso, estamos trabalhando com parceiros especializados para equacionar a questão do custo da bateria”, ressalta.
A montadora fechou um acordo para fornecer, até 2023, cerca de 1600 caminhões elétricos para a gigante de bebidas Ambev. Além disso, Cortes destaca que a Volks está conversando com mais de 50 empresas para vender o e-Delivery nos próximos anos.
Ele também informa que a marca está trabalhando para trazer, ao final de 2021, o protótipo do ônibus e-flex híbrido. Um dos motores pode ser alimentado por gasolina, gás ou etanol, que por meio de um gerador alimenta as baterias do outro motor, elétrico.
Inovações
A eletrificação não depende só das montadoras. Mais do que isso, passa cada vez mais pela inovação de gigantes da indústria automotiva global. A fabricante de motores norte-americana Cummins, que tem praticamente um terço do market share do segmento de veículos pesados no Brasil, trouxe à Fenatran algumas alternativas ao modelo a combustão tradicional, como por exemplo o sistema de propulsão a gás.
“O motor a gás tem várias vantagens em relação ao elétrico. É uma tecnologia pronta, testada e muito mais barata”, diz Luis Pasquotto, presidente da Cummins do Brasil.
No entanto, o executivo ressalta que a empresa vem trabalhando para desenvolver diversas opções para o cliente escolher qual se adapta melhor ao seu planejamento. A estratégia pode ser crucial em um cenário de mudança da legislação de emissões no Brasil a partir de 2023, quando todos os caminhões e ônibus terão que se adequar à tecnologia do motor Euro 6, cujos limites de emissões são extremamente mais rígidos do que o atual.
“O motor Euro 6 se aproxima muito do nível zero de emissões de particulados e óxido de nitrogênio. É um grande passo rumo ao elétrico”, garante Pasquotto.
Na área de segurança, uma das novidades anunciadas na Fenatran é o caminhão sem retrovisor externo da Mercedes, que será comercializado a partir de 2020 no Brasil. Trata-se de duas telas de 15 polegadas no interior do veículo, com alta resolução.
A tecnologia promete melhor visibilidade da área ao redor do caminhão. O sistema é opcional e custa cerca de 11 mil reais. “Dependendo do modelo, um caminhão completo, com implemento, pode custar mais de três milhões de reais. Um acidente pode trazer prejuízo substancial para o proprietário”, diz Schiemer.
De série, a montadora também oferece sistemas como o assistente ativo de frenagem, que permite ao caminhão frear sozinho quando identifica pedestres, veículos e obstáculos estáticos e móveis a sua frente. “Além do prejuízo do caminhão, um acidente pode gerar outro custo impagável, que é a vida dos envolvidos.”