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Diário de viagem

De táxis com porta-malas fechados com corda a empresários globais, a Índia é um exemplo da força e dos desafios dos emergentes

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

Veja, abaixo, alguns trechos do diário de viagem à Índia do repórter Gustavo Poloni, que se encontrou com Ratan Tata, dono do grupo Tata e símbolo da nova face do capitalismo mundial.

11 de agosto, sábado

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Depois de 22 horas de vôo e uma forte turbulência por causa das nuvens carregadas (agosto é mês das monções, as tempestades que castigam a Índia), cheguei a Mumbai às 23h30 da noite. Na sala de desembarque, um rapaz me perguntou se eu queria um táxi com ou sem ar-condicionado. Como os termômetros marcavam 26º, optei pagar um pouco a mais pelo mais luxuoso - ou pelo menos o que eu acreditava ser o mais luxuoso. Quando o taxista veio ao meu encontro, perguntei-me porque ele tinha uma corda nas mãos. A resposta veio minutos depois, quando ele a usou para "trancar" minha bagagem no porta-mala. Entrei num carro caindo aos pedaços de uma montadora indiana chamada Maruti (que hoje tem uma parceria com a Suzuki para fabricar automóveis no país) e experimentei pela primeira vez o caótico trânsito da cidade.

12 de agosto, domingo

Apesar do fuso horário e do cansaço da viagem, acordei cedo. Estava curioso para saber como era o país que sonhara em conhecer. Quando abri a cortina do quarto do hotel, levei o primeiro de uma série de choques que marcariam a minha viagem. No pé do prédio, uma das dezenas de favelas que, mais tarde, encontraria por toda a cidade. Apesar do choque, peguei o meu Lonely Planet e entrei num táxi para conhecer um dos bairros mais famosos de Mumbai, Colaba. É lá onde estão alguns dos cartões-postais da cidade: o hotel Taj Mahal, do grupo Tata, e o Gateway of India, um monumento construído em homenagem à rainha Victoria, que visitou o país. O Gateway of India, no entanto, é mais conhecido por um outro fato histórico. Foi de lá que os ingleses deixaram o país quando foi declarada a independência da Índia, no dia 15 de agosto de 1947. Se de um lado Colaba tem prédios suntuosos e luxuosos, de outro, ele é o retrato da Índia. Riqueza e pobreza estão literalmente lado a lado. A poucos metros do Taj Mahal, na orla de Colaba, uma favela chama a atenção dos visitantes.

13 de agosto, segunda-feira

No primeiro dia de trabalho, fui até a Universidade de Mumbai para conversar com professores de Economia e Comércio. Queria mais informações sobre o meu entrevistado, Ratan Tata. Para a minha surpresa, a principal universidade da cidade mais rica da Índia e onde são formados alguns dos cérebros mais brilhantes do país está muito mal cuidada. Nos corredores, lixo entulhado e fios da rede elétrica descascados são freqüentes. Do lado de fora, o aspecto de abandono é visível por todos os lados. A grama não é aparada há meses, e os prédios são mal cuidados. Ao contrário do esperado, os professores Sangeeta Pawar e Arnad Karni não falaram mal do maior empresário da Índia. Pelo contrário: rasgaram-se em elogios. "O grupo Tata mostrou que as empresas podem sobreviver sem pagar propinas", disse Karni.

14 de agosto, terça-feira

Chegou o dia da grande entrevista. Antes dela, fui conhecer um pouco do grupo Tata. Às 13h00 participei da inauguração da nova sede da TCS, uma das 96 empresas que formam o conglomerado, em Fort, o coração financeiro de Mumbai. Na chegada, o clima parecia de uma festa de lançamento de um filme de Bollywood, a popular indústria de cinema do país. A rua estava bloqueada pela polícia e curiosos se aglomeravam em frente ao prédio em estilo vitoriano. Na entrada, um tapete vermelho dava boas-vindas aos convidados. A estrela do dia era Ratan Tata, presidente do grupo. Quando ele chegou, o barulho dos flashes dos fotógrafos abafou a buzina dos carros e o grasnido dos corvos que empesteiam a cidade. "Ninguém quer saber do presidente da TCS", disse o assessor de imprensa. "Só querem saber do Tata". O empresário contou que voltar àquele prédio traz boas lembranças. "Morei aqui na minha infância", disse Tata. Tombado pelo patrimônio histórico, o prédio de cinco andares foi reformado ao custo de 23 milhões de dólares.

Às 16 horas, segui para o prédio onde o grupo Tata está sediado desde 1926, conhecida como Bombay House. Dois seguranças (um deles usando turbante) guardam a entrada principal. Comum no Brasil, a segurança privada é rara num país que, apesar da miséria, tem índices baixíssimos de violência e nem mesmo os empresários mais importantes andam em carros blindados. Como cheguei adiantado, aguardei durante uma hora na sala de espera do escritório de Tata. De repente, o empresário indiano passa sozinho na minha frente, pára, e me cumprimenta. Pede alguns minutos e segue em direção à sua sala. Pouco depois, volta e pede para que eu entre numa sala de reuniões para oito pessoas ao lado de sua sala. Nela, é possível ver uma prateleira cheia de miniaturas de carros, helicópteros e aviões. "São meus brinquedinhos". Durante mais de uma hora, Tata falou sobre tudo: planos, vida pessoal, carreira, projetos para o Brasil e a batalha que travou com a CSN pela Corus. "Por causa dos brasileiros, pagamos um bilhão de dólares a mais pela Corus". Simpático e sorridente, não quer falar sobre as três ou quatro vezes em que quase casou. "Não quero contar detalhes sobre isso", disse dando risada. Depois da entrevista, o assessor de imprensa do empresário me contou que fui o primeiro brasileiro a entrevistá-lo na Bombay House e que as entrevistas tét-a-tét são restritas a oito ao ano.

15 de agosto

No dia em que a Índia completa 60 anos de independência, a bandeira tricolor pode ser encontrada por todos os lados. Apesar de ser feriado nacional, o historiador da família Tata há mais de 15 anos aceitou me receber em seu apartamento de um quarto num condomínio fechado em Colaba, um bairro classe média alta de Mumbai. Seu nome é Russi Lala e, aos 78 anos, caminha com a ajuda de uma bengala. Mora com a esposa (que havia operado o ombro depois de levar um tombo) e com um empregado que serve chá com leite e doces típicos indianos antes de começarmos a entrevista. Lala conta que começou a estudar a família porque ficou impressionado com a preocupação deles com os valores morais e éticos. Desde então, escreveu seis livros sobre os Tata e seus negócios. O mais recente deles, Um Romance da Tata Steel, acabou de ser lançado na Índia. Sentados numa varanda, Lala conta histórias sobre os feitos da família e revela que Tata tem uma preocupação fora do comum com as pessoas. "Quando sua mãe adoeceu em 1981, ele havia acabado de assumir a presidência de um grupo importante e não sabia o que fazer", contou. "E pensou ';só tenho uma mãe';". Passou os três meses seguintes ao seu lado.

16 de agosto

Depois de uma noite mal dormida por causa de um copo d';água de origem duvidosa, fui conhecer uma das lojas de varejo do grupo Tata. A Croma de Juhu, um bairro de Mumbai que tem se desenvolvido muito nos últimos anos, foi a primeira a ser inaugurada no país. Inaugurada em outubro de 2006, a loja tem 7.000 metros quadrados e cerca de 6.500 produtos à venda. É uma espécie de Casas Bahia indiana. Lá, o consumidor encontra de tudo: produtos da linha branca, televisores, computadores, celulares, tocadores de MP3, CDs, DVDs e jogos eletrônicos em geral. Assim como a Casas Bahia, a Croma se gaba de ter o melhor preço da cidade. Hoje, são seis lojas espalhadas pelo país. Em um ano, serão 40.

17 e 18 de agosto

Depois de cumprir todos os compromissos, aproveitei para passear pela cidade. Fui conhecer alguns pontos turísticos da cidade. Em Kamathipura, onde esperava encontrar uma feira tradicional da cidade, estava tudo fechado. Isso porque ali mora uma grande colônia muçulmana (cerca de 12% da população) e a sexta-feira é um dia sagrado. Pelas ruas do bairro, fileiras e fileiras de muçulmanos rezam virados para Meca. Aproveitei para conhecer uma mesquita chamada Haji Ali, que fica no meio do mar, e um templo hindu. Nesse dia, chamou a minha atenção a falta de conservação dos prédios na orla da cidade, que no Brasil é tão valiosa. De Mumbai, voei para Délhi onde pegaria um vôo para o Brasil. Lá, aproveitei para dar uma volta num rickshaw, uma motinho com garupa e que funciona como táxi nas periferias das grandes cidades. Apesar de assustadora, a experiência fechou com chave de ouro uma viagem inesquecível à Índia.

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