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Demissões, ameaças e cinzeiros voadores: um coreano em guerra com a Gafisa

Mu Hak You mudou a liderança de uma das maiores construtoras do país. Seu histórico de apostas o fez rico, mas também fez com que acumulasse desafetos

GAFISA: construtora perdeu 80% do valor de mercado nos últimos cinco anos, mas vinha se recuperando no primeiro semestre  / Exame.com

GAFISA: construtora perdeu 80% do valor de mercado nos últimos cinco anos, mas vinha se recuperando no primeiro semestre / Exame.com

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Denyse Godoy

Publicado em 2 de outubro de 2018 às 07h04.

Última atualização em 2 de outubro de 2018 às 07h52.

A construtora Gafisa está em pé de guerra desde que, na última sexta-feira, seu novo conselho, eleito três dias antes, demitiu a liderança da companhia. Saíram Sandro Gamba (presidente), Carlos Calheiros (diretor financeiro) e Gerson Cohen (diretor operacional). A principal executiva da empresa passou a ser Ana Recart, sócia do fundo GWI, que acumulou a presidência e a diretoria financeira.

Além disso, a Gafisa anunciou a mudança da sede do elegante prédio anexo ao shopping Eldorado, em São Paulo, para São Caetano do Sul, o fechamento do escritório no Rio e um programa de recompra de ações para os próximos 12 meses. Parece mudança demais para uma empresa que tenta se recuperar da maior crise da história do mercado de construção e incorporação. Mas é só o modus operandi do novo manda-chuva da Gafisa, o gestor coreano Mu Hak You.

You é uma figura polêmica no mercado financeiro brasileiro. Começou seu negócio com uma factoring, em 1995, servindo principalmente à comunidade coreana da capital paulista. Tinha um escritório humilde, sem ar condicionado, no bairro do Bom Retiro, no centro de São Paulo. Três anos depois, passou a operar na bolsa de valores. O executivo é descrito como inteligente e talentoso para encontrar oportunidades onde ninguém está vendo, mas também arrogante e agressivo. Funcionários, ex-funcionários e prestadores de serviço contam que You mais de uma vez atirou cinzeiros e outros objetos contra colaboradores em momentos de raiva.

A GWI chegou a abrir em 2012 e perder, dois anos depois, um processo de arbitragem contra a corretora Socopa por supostos prejuízos relacionados a um investimento no frigorífico Marfrig. Hoje, o gestor é persona non grata em muitas casas. Vendo a postura beligerante do coreano como uma ameaça à Gafisa, cujas operações dependem de bons relacionamentos com bancos e fornecedores, executivos do alto escalão da construtora já começaram a se desafazer de suas ações, segundo fontes com conhecimento do assunto.

Gafisa, o alvo

Nos últimos cinco anos, como consequência da crise do setor de construção e de uma série de vaivéns em sua gestão, a Gafisa perdeu 80% do valor de mercado, para a casa dos 490 milhões de reais. A construtora fechou 2017 com prejuízo de 800 milhões de reais, 128% a mais que em 2016.

O primeiro semestre deste ano mostrou recuperação em dados importantes como receita líquida (alta de 82%) e margem bruta, que saiu de -11% para 18,6% em comparação com o primeiro semestre do ano passado. O problema é que a melhora não foi vista na bolsa: a Gafisa acumula queda de 45% no ano. Ou seja, a melhora veio, mas investidores ainda a veem como longe do ideal. A grande questão é se o som e a fúria coreanos vão acelerar ou interromper a retomada.

De acordo com uma pessoa próxima ao GWI, o fundo escolheu fazer da Gafisa seu novo alvo por acreditar que a construtora está mais bem posicionada para aproveitar a recuperação do mercado imobiliário brasileiro. A construtora tem uma marca forte nos segmentos de média e alta renda na capital paulista. Quando alguém questiona a competência do GWI para atuar no setor, executivos do fundo respondem que You está familiarizado com esse mercado. No início da década, depois de sofrer fortes perdas na bolsa, passou a investir em terrenos e escritórios na capital paulista, diversificando seu portfólio. Hoje, em cálculos de executivos da área, o coreano possui um patrimônio de quase um bilhão de reais em imóveis.

O investidor coreano começou a comprar ações da Gafisa em outubro do ano passado até chegar a 37% do capital da companhia, o que lhe deu o direito de nomear dois dos sete conselheiros da empresa. Até que, no dia 2 de agosto, pediu a destituição do conselho.

Segundo relatório do banco BTG Pactual, as mudanças recentes podem ser ruins para as ações da Gafisa, porém. Segundo o banco, a empresa é muito alavancada, e “está no meio de um complexo turnaround”, no qual o time de gestores é crucial para o sucesso. “Como o novo conselho ainda não anunciou um novo plano estratégico e não tem experiência no setor de construção, nós evitaríamos as ações da companhia”, afirma o relatório assinado por Gustavo Cambauva.

Alto risco

O GWI se notabilizou pela agressividade em negócios alavancados. Além de comprar ações das empresas na bolsa à vista, o fundo também faz operações a termo, ou seja, adquire mais papeis com um tipo de financiamento dado pelo próprio mercado, com um prazo para pagamento. Essas grandes posições acionárias com instrumentos financeiros arriscados deixaram You rico, mas também o levaram à lona duas vezes. Aos funcionários do fundo, o gestor costuma reclamar que as regras do mercado financeiro brasileiro são rígidas demais, dificultando operações mais ousadas.

Em 2006, o coreano tornou-se inimigo declarado de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira ao conseguir um assento no conselho de administração da varejista Lojas Americanas, controlada por eles. A aposta na rede deu muito certo no começo, e a forte valorização da sua participação na companhia fez a fama do GWI, ajudando-o a atrair cotistas. Porém, dois anos depois, You perdeu tudo e teve de vender as ações. Sua maior derrota aconteceu em 2011, quando levou um tombo ao apostar na valorização das ações da Marfrig.

Depois das Lojas Americanas, o próximo alvo de You foi a rede de livrarias Saraiva, da qual começou a comprar ações no fim de 2015. Em 2016, indicou a mesma Ana Recart para o conselho fiscal, e declarou guerra aos então controladores — Jorge Eduardo e Olga Saraiva. Assim como a Gafisa, a empresa virou alvo porque havia perdido muito valor na bolsa — valia apenas 100 milhões de reais na época.

Na livraria, foi cobrado pelos controladores por ser, além de conselheiro, gestor de um fundo que comprava e vendia as ações da empresa na bolsa. Executivos do setor reclamam que, com essas transações, o GWI acaba inflando artificialmente o valor de mercado das empresas que fazem parte do seu portfólio. Mas gestores ouvidos por EXAME à época do imbróglio envolvendo a Saraiva concordavam que suas propostas para melhorar a governança e tirar a empresa do buraco faziam sentido — ele conseguiu, por exemplo, vetar a distribuição de dividendos e o pagamento de bônus.

A família acabou vencendo a disputa com a GWI, que zerou sua posição na empresa em abril de 2017. De lá pra cá, a situação financeira da Saraiva segue difícil: o valor de mercado caiu cerca de 50%, para 78 milhões de reais. Em cinco anos, a queda é de 90%. A empresa fechou o primeiro semestre com prejuízo de 36 milhões de reais, 122% a mais que no mesmo período do ano passado.

Em 2017, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado financeiro, multou o GWI em 7,6 milhões de reais e suspendeu o registro de gestor de You por cinco anos por conta das operações com a Marfrig. Desde então, um grupo de meia dúzia de executivos de confiança do coreano, que trabalham com ele há muitos anos, são os responsáveis pela gestora.

Com isso, a administração do fundo tem aos poucos ficado mais profissional e equilibrada, na avaliação de quem acompanha o GWI. You pode não fazer amigos pelo caminho, mas não pode ser acusado de apontar o dedo para as empresas erradas.

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