De estagiário a CEO: após 19 anos de DuPont, Fabio Leite assume comando da gigante química no Brasil
Café grátis, meio expediente às sextas e aulas de guitarra: os detalhes simples que têm contribuído para com a jornada do executivo
Marcos Bonfim
Publicado em 13 de dezembro de 2022 às 08h07.
Última atualização em 13 de dezembro de 2022 às 12h52.
Fabio Leite entrou na Dupont em 2003 como estagiário e o que mais o impressionou naquele primeiro dia foi que o café era de graça e bom. 19 anos depois e mais azeitado ao mundo corporativo, o ex-estudante de engenharia da USP é o novo CEO da unidade brasileira da DuPont, posicionada entre as 10 maiores no mundo em termos de crescimento e rentabilidade.
Ele assume a presidência deixada por Ettore Frederici, convidado a liderar uma operação nos Estados Unidos. O executivo acumula também a função de diretor de Facilities para a DuPont Américas, cargo que começou a exercer ao longo deste ano.
A Dupont é uma gigante da indústria química fundada em 1802 pelo francês Eleuthère Irénée du Pont como uma fábrica de pólvora em Wilmington, Delaware, Estados Unidos. Chegou ao Brasil em 1937 comoIndústrias Químicas Brasileiras DuPerial, fruto de uma associação com a ICI, de origem inglesa. O acordo terminou em 1953 e a empresa adotou o nome DuPont do Brasil.
O mercado de atuação é bem mais robusto que o inicial, com a empresa trabalhando no desenvolvimento de soluções e tecnologias para indústrias como a automotiva, construção civil, transporte, água e saúde do trabalhador.
Os seus materiais estão em pneus, capacetes usados por forças de segurança e roupas de proteção contra agentes químicos e biológicos. Em 2021, a companhia fechou o ano com US$ 16,7 bilhões em faturamento.
Para chegar à posição atual, Leite passou por uma série de funções na companhia. Entrou como estagiário de engenharia e chegou a supervisor no setor. Em 2010, teve a oportunidade de ir para a operação dos Estados Unidos como líder de projetos, onde geriu uma unidade industrial que tinha como principal iniciativa desenvolver uma tecnologia que transformasse a parte não comestível do milho em combustível.
No retorno ao Brasil, em 2013, se tornou gerente de engenharia e tecnologia para Américas. Em 2017, teve o contato mais próximo com a área de vendas na posição de consultor de projetos e, em 2019, migrou para facilities, liderando a construção da nova sede da DuPont no Brasil, localizada em Barueri (SP).
“Passar por diversas áreas eu acredito que seja outra característica importante para um líder nessa posição porque você consegue se comunicar e entender, pelo menos num alto nível, as necessidades de cada área”, afirma o profissional, hoje com 41 anos. No novo cargo, ele vai liderar cerca de 200 pessoas e entende a tarefa de reter e atrair talentos como um dos principais desafios.
Leite vai trabalhar esses desafios enquanto tenta obter uma conquista em âmbito pessoal: aprender a tocar guitarra. Fã do Metallica e do Foo Fighters, ele se propôs a tocar o instrumento este ano, do zero, quando a DuPont adotou short Friday, modelo de encerrar o expediente mais cedo às sextas.
"Tem uma coisa importante que é a disciplina porque ela te faz começar uma coisa e terminar. É muito fácil ter muita iniciativa e pouco acabativa. Na hora que me proponho, eu vou aprender, vou me dedicar e, para isso, é treino. Quanto mais eu me dedicar para aquilo, melhor eu vou ficar", diz.
Abaixo, os principais pontos da entrevista:
Quais são os atributos ou características que você considera que foram mais relevantes nessa sua jornada?
Uma coisa que eu acho fundamental é você ser transparente. Para que as pessoas criem uma percepção e acreditem naquilo que você diz, você precisa ser verdadeiro com eles. É claro que, em boa parte das vezes, você não pode dizer ou revelar uma coisa mesmo que você saiba, mas a transparência de você dizer que você não pode falar é o que as pessoas esperam. Você conseguir se portar dessa forma e entender isso, eu acho que é uma característica muito importante. Outra, é conhecer que as diversas áreas. Eu sou um profissional que comecei numa área corporativa, que gasta o dinheiro da empresa em vez de ganhar, a área de engenharia, que faz investimentos. Mas eu tive a chance de estar do lado dos times de vendas, que estão na frente dos clientes; e de quem está na fábrica, pessoas que estão incumbidas de produzir o que os clientes vão adquirir. É importante para um líder nessa posição porque você consegue se comunicar e entender, pelo menos num alto nível, as necessidades de cada área. E as pessoas querem ser entendidas e atendidas. Para mim, essas características são, no mínimo, desejáveis.
Na nova posição e cadeira, para onde você está olhando como principais desafios?
Eu acredito nas pessoas e as mudanças trazem ansiedade para as pessoas. O que o Fabio vai fazer? O que ele está pensando? A minha primeira preocupação, de verdade, ao sentar nesta cadeira é dar tranquilidade e ser transparente para as pessoas. O valor que a gente cria nesta organização vem delas. Tanto reter talentos como atrair novos, eu diria que a minha principal preocupação. Os objetivos de negócios, os mercados em que iremos atuar virão muito mais dessas pessoas do que de mim. É difícil imaginar que eu direi alguma coisa e que essas pessoas vão se inspirar e fazer um resultado extraordinário. Eu acho que é o contrário. Essas pessoas, com os incentivos certos e o ambiente adequado para se sentirem valorizadas e desafiadas, elas irão trazer os desafios. Precisamos colocá-las em uma cultura em que consigam aflorar os seus talentos.
Como pretende fazer isso?
A gente trabalha com uma base de core values que passam por respeito às pessoas, segurança, comportamento ético e proteção ao planeta. As pessoas hoje precisam muito de um porquê - qual é o seu porquê. E a gente tomar as decisões com transparência e colocar na mesa porque faz as coisas é uma maneira importante de motivar as pessoas. Quando tiver colaborador que vem discutir o seu impacto na empresa, falar para ele, por exemplo, que o seu trabalho reduz em 40% a emissão de CO2 em toneladas comparada com uma tecnologia tradicional, eu vejo que ele se motiva porque percebe que aquilo que faz tem significado. Não é apenas para atender uma necessidade pessoal, e sim da sociedade, do planeta. Além disso, a gente promove e incentiva a participação e o apoio às redes de diversidades que temos aqui, como por etnia, gênero ou orientação sexual, quanto também temos ações com fornecedores externos. Na pandemia, por exemplo, nossa unidade no interior de São Paulo estava fazendo aquisição de máscaras de fornecedores locais, mesmo que significasse naquele momento que pagaríamos um pouco a mais por isso. Nós acreditamos que tinha um impacto importante para aquela comunidade onde operamos. Eu acredito que a gente ajuda a responder os porquês de cada um. E esse “porquê” de cada é uma estratégia, na minha forma de ver, muito importante para você conseguir reter e motivar os talentos.
Como você olha para os estagiários que entram na Dupont agora. Quais os espaços que eles têm para crescer?
Eu lembro do primeiro dia quando eu entrei num outro prédio que nós ocupávamos e o que contei na minha casa. Eu falei que o café era de graça e era bom. Esse era o nível de ingenuidade que eu tinha e eu vejo que hoje os estagiários que entram aqui na empresa não têm a mesma ingenuidade que eu tinha. Eu acho que as pessoas hoje, até pelas informações e redes sociais, elas são muito informadas. Se a gente não se colocar de maneira a responder aos porquês delas, elas vão embora, não vão ficar em um lugar onde elas não veem que têm um impacto positivo. Eu, 20 anos atrás, cheguei contando impressionado que o café era muito bom. Hoje, a ingenuidade não existe mais, as pessoas são muito mais preparadas e de uma maneira diferente do que eu fui e eu acho que o desafio é como a gente atrai e retém essas pessoas. Com a internet e o acesso atualizado da informação, a gente tem um desafio com esses estagiários de manter o anseio deles.
Qual a relevância da operação brasileira?
O Brasil é um dos dez países mais importantes em todo o mundo no mundo. Ele é muito importante porque é considerado de crescimento maior do que nas economias desenvolvidas. A gente acredita que no longo prazo, apesar das flutuações, conseguimos entregar um crescimento maior porque a população é mais jovem, a economia cresce um pouco mais. E, principalmente no caso Dupont, uma empresa que entrega tecnologia para os clientes, ter clientes que são mais sedentos por tecnologia porque irão se beneficiar mais delas, você consegue promover um crescimento maior.
Um exemplo é o próprio mercado automotivo. Hoje, para um veículo elétrico nós conseguimos entregar dez vezes mais produtos do que àqueles de combustão interna. Claro que existe uma questão, o Brasil, acredito, não será mercado principal de veículos elétricos, porque nós já temos outras fontes limpas, mas com certeza será parte do mix.
Quanto pretendem crescer este ano no Brasil?
O nosso objetivo para os próximos cinco anos é ter um crescimento anual composto de dois dígitos, o que pode ser 10,11 e 12%. Neste ano, nós crescemos bem mais do que isso, muito mais perto de 20%.
Quais sãos os principais mercados da Dupont no Brasil?
A gente tem uma posição muito importante no mercado de proteção como um todo. A proteção química, contra agentes térmicos e blindagem são mercados importantes. As tecnologias que nós fabricamos para os clientes fazem com que nós tenhamos uma liderança, mas temos outros mercados que a gente vê grande potencial por promoverem a transformação de indústrias tradicionais, como a área de tratamento de água. O marco regulatório do saneamento é um sinalizador importante porque temos tecnologia de osmose reversa, filtragem e outras soluções que desviam do tratamento de água tradicional, que são grandes propriedades, grandes tanques e grande evaporação. Tendo estações pequenas mais próximas do consumo, especialmente usando energia renovável, você consegue entregar água de altíssima qualidade e sem grandes obras. Já estamos trabalhando com as prefeituras e entes privados para poder oferecer essas soluções. É um mercado que a gente um potencial de crescimento muito grande, apesar de não ser o nosso principal hoje.
Em termos de negócios, deve se tornar é um mercado importante?
É uma área em que eu que vejo um potencial extraordinário de crescimento e desenvolvimento aqui no Brasil porque a gente ainda é muito dependente de tecnologias de décadas passadas – senão século. É o setor em que eu vejo um maior potencial no curto e médio prazos tanto para a Dupont quanto para a sociedade mesmo, ao oferecer água limpa e tratada de maneira adequada para as comunidades. É um vetor importante de crescimento de, no mínimo, dois dígitos, mas a gente acredita que é bem mais do que isso.
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