Das empresonas para as startups
Cada vez mais, jovens empresas de tecnologia buscam executivos experientes em companhias já consolidadas
Gian Kojikovski
Publicado em 16 de junho de 2017 às 12h46.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.
No começo de março, o presidente da empresa de transportes Uber, Travis Kalanick, anunciou que estava procurando um diretor de operações (COO) para a startup. Em meio a um caos sem precedentes, Kalanick se deu conta de que sozinho era impossível gerir a startup de tecnologia que mais cresceu nos últimos anos. Em poucas semanas, a empresa foi acusada de ter uma conduta permissiva quanto a assédios sexuais, perdeu executivos importantes como o vice-presidente de crescimento, Ed Baker, e a chefe de políticas públicas e comunicação, Rachel Whetstone, além de ser acusada de roubar informações sobre o carro autônomo do Google. Kalanick admitiu que precisava de ajuda para “amadurecer” pessoalmente e, principalmente, na gestão da empresa. Até que nesta semana, o próprio Kalanick se afastou do cargo de diretor-geral por tempo indeterminado. O organograma da empresa está cheio de buracos e ninguém sabe ainda quem terá coragem de assumir as posições-chave do Uber.
O caos dentro da empresa chegou ao ponto descrito por Larry E. Greiner, professor da Universidade do Sul da Califórnia e um dos maiores especialistas em gestão de crescimento de empresas no mundo, como “período de revolução”. A teoria de Greiner, publicada inicialmente em 1972 e conhecida como “Greiner Growth Model”, serviu como base para boa parte dos estudos posteriores sobre o assunto e diz que as empresas passam por seis “períodos de evolução”, quando crescem constantemente por vários trimestres, quebrados pelos de revolução, quando chegam a um caos interno que as obriga a rever seu processo. É como se, depois de um rápido período de expansão, as empresas precisassem de um tempo para repensar seu futuro.
“A resolução de cada período revolucionário determina se uma empresa avançará ou não para a próxima etapa do crescimento evolutivo”, diz Greiner no artigo que apresentou sua teoria.
O Uber é certamente um exemplo limite, mas o passo a passo de Greiner é visto em quase todas as companhias em franca expansão. E tem se repetido com especial frequência no Brasil, onde um período de grande crescimento econômico foi seguido por uma crise que insiste em não passar.
É o caso da Olist, que conecta pequenos varejistas a marketplaces de grandes e-commerces. “Chegamos a um período de caos, em que percebemos que precisávamos reestruturar diversos processos para continuar com um crescimento sólido”, diz Tiago Dalvi, fundador e presidente. “Uma das maneiras que encontramos para resolver esse problema foi trazer executivos de fora, que já passaram por esse tipo de experiência outras vezes”, diz. Recentemente, a Olist trouxe novos chefes para as áreas de marketing, RH e tecnologia.
As dificuldades começam a surgir por causa do grande crescimento no número de funcionários. Além disso, com o amadurecimento dos produtos, as startups também precisam estruturar melhor áreas como tecnologia e vendas. “Começamos a procurar executivos porque precisávamos trazer experiência em gestão de pessoas, porque os times estão ficando cada vez maiores, e na parte comercial, porque precisamos de pessoas mais conectadas com o mercado para acelerar nosso crescimento, principalmente fora do país”, diz André Ferraz, presidente da In Loco Media, que faz soluções para marketing mobile. A empresa trouxe executivos com passagens por companhias como Google e Facebook e de grandes agências de publicidade.
Assim como a Olist e a In Loco, a Conta Azul também está passando pelo momento de estruturar sua equipe de diretores. Contratou nos últimos meses executivos com longas experiências em empresas como Google, Paypal, Oracle e PwC. “A gente até poderia acertar sem eles, mas seria mais difícil. Quem já fez uma vez, traz essa experiência”, diz Vinícius Roveda, presidente da Conta Azul, que faz um software de gestão financeira para pequenas e médias empresas.
Mas, como bem percebeu o Uber, que ainda não encontrou ninguém desde que disse que precisava de um novo chefe de operações, em fevereiro, contratar executivos que ajudem a pensar o futuro da companhia não é trivial. Na maior parte das vezes, para startups menores (o que não é o caso do Uber) essas pessoas vêm de grandes empresas e estão em outro nível de carreira, acostumadas com um salário bom, além de facilidades como assistentes pessoais e o fato de não precisarem mais colocar a “mão na massa”, como vão precisar fazer em uma startup. Fazer com que o casamento entre empregador e empregado seja perfeito, então, é mais complicado do que fazer um convite e pagar um salário bom ao novo diretor.
Quem trazer?
No final de 2007, Mark Zuckerberg estava com um problemão. Sua empresa, o Facebook, havia recebido um investimento de 240 milhões de dólares vindo da Microsoft – em uma rodada que avaliou o negócio em 15 bilhões de dólares -, tinha 5 milhões de usuários ao redor do mundo, mas ainda não fazia ideia de como ganhar dinheiro. A rede social estava chegando ao seu quarto ano e começava a haver pressão sobre qual seria seu modelo de negócios ideal. Analistas da área, em geral, diziam que a saída seria parecida com o que o Google fazia: ter sua receita vinda de publicidade localizada. Zuckerberg estava descrente.
Zuckerberg procurava alguém para descobrir o caminho das pedras. Ainda em 2007, encontrou. Anunciou a contratação de Sheryl Sandberg, ex-vice-presidente do Google que havia sido a responsável por montar todo o modelo de publicidade online do gigante de buscas. Como agora é claro, a escolha foi mais do que acertada e Sandberg é até hoje a número dois na hierarquia da rede social, que teve seu primeiro trimestre no positivo menos de um ano depois de sua contratação. Mas não é assim com todo mundo.
“Encontrar um executivo certo para uma startup é um desafio, porque geralmente profissionais que são seniores e trabalharam em ambientes muito estruturados a vida inteira não conseguem se adaptar a esse novo tipo de lugar, onde a mão na massa é tão importante quanto a estratégia. Por isso, tem que ser alguém que tenha esse DNA empreendedor, seja aberto a riscos e a novas iniciativas”, Ana Claudia Reis, sócia da empresa de recrutamento executivo The Caldwell Partners.
A principal dificuldade nessa mudança de carreira para um executivo, repetida por todos os empreendedores que comandam startups e headhunters ouvidos por EXAME Hoje, é justamente a adaptação a uma nova cultura. “Já tivemos a experiência de trazer uma pessoa mais experiente, que tentou mudar tudo em uma semana e acabou sendo demitida porque vi que não ia dar certo”, diz Tiago, da Olist.
Embora o processo conte normalmente com a ajuda dos fundos de investimento, a contratação pode demorar. “Um grande desafio nesse ponto é que a empresa não pode avaliar somente a capacidade técnica. Por conta disso, a gente tem sido bem mais rigoroso no processo seletivo. Teve vaga que demoramos nove meses para preencher”, diz André Ferraz, da In Loco.
Claro que as startups também devem se mostrar interessantes para esses profissionais – há alguns anos, esse tipo de mudanças na carreira era muito menos comum justamente pela falta de atratividade dessas empresas. Uma vez que dificilmente conseguem competir com grandes empresas em termos de benefícios e até mesmo oferecer salários superiores ao que esses diretores receberiam, outras saídas têm de ser encontradas. Uma das melhores formas de atrair talentos é montar um plano de ações para que os executivos ganhem junto com o crescimento no valor da companhia. Na In Loco, por exemplo, funcionários que entraram no início da empresa têm, hoje, mais de 100 salários em ações. Se der errado, todo mundo perde. É a regra do jogo em qualquer negócio, impulsionada no excitante mundo das startups.