Como linhas de crédito para COP vão ajudar Dona Lúcia, cozinheira que mudou o modo de comer no Pará
Nova linha de crédito feita numa cooperação entre o Sebrae e o Banco do Estado do Pará visa apoiar pequenos empreendedores que querem crescer para a COP30
Repórter de Negócios
Publicado em 16 de julho de 2024 às 15h38.
Última atualização em 16 de julho de 2024 às 16h58.
BELÉM (PA)* — O assunto em Belém, capital do Pará, é quase unânime. Bares, restaurantes, motoristas, hotéis e guias turísticos, todos estão mirando no ano que vem, quando a cidade receberá a COP 30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025.
A movimentação já começou. Os hotéis estão lotados e a cidade está em uma grande reforma. É comum andar por trechos turísticos da cidade — aqueles que a Joelma cantou na música que virou hit no ano passado, Voando para o Pará — como a Estação das Docas e o mercado Ver-o-Peso, e encontrar pessoas de diversas nacionalidades provando sorvetes e frutas típicas, como o bacuri, o cupuaçue o açaí.
Os cardápios dos locais também já estão disponíveis em vários idiomas. Guia turístico da cidade, Vitor Lima, de 29 anos, já se preparou e aprendeu inglês e espanhol. Até francês ele arrisca, tudo para prestar um serviço melhor aos visitantes.
Algo semelhante acontece com Lucia Torres, feirante do mercado Ver-o-Peso. Dona de um quiosque que é sucesso na região pelo peixe frito e o camarão empanado, ela está num trabalho de qualificação que envolve cardápios em novos idiomas e acessíveis, e a expansão física do seu box.
“Estou apostando na COP de corpo e alma”, diz.
A aposta agora é reforçada com acesso à crédito para expandir. A feirante foi a primeira contemplada numa nova linha de crédito feita numa cooperação entre o Sebrae e o Banco do Estado do Pará para apoiar pequenos empreendedores que querem crescer no ritmo da COP.
A linha vai disponibilizar crédito de até 50 milhões de reais aos pequenos negócios com burocracia reduzida. A concessão de crédito será feita pelo Banpará, e o Sebrae vai entrar como garantidor desse empréstimo. A ação faz parte do programa Acredita do governo federal.
No caso da Dona Lucia, o dinheiro, 30.000 reais, será usado para compra de novas mesas, geladeiras, cardápios e para a expansão num novo box do Ver-O-Peso, depois que ele estiver reformado.
"Mais importante do que o dinheiro é você saber o que vai fazer com o dinheiro. A dona Lúcia e as pessoas que ela indicar estarão recebendo uma orientação de crédito”, diz o superintendente do Sebrae no Pará, Rubens Magno. “Nós direcionaremos o crédito e onde ela vai colocar o dinheiro dela. Além de receber o dinheiro, a dona Lúcia saberá onde colocar o dinheiro dela".
Qual é a história de Dona Lúcia
Faz 30 anos que Dona Lúcia vende comida no Ver-o-Peso. Filha
Filha de uma cozinheira de uma das famílias mais importantes de Belém e de um pai carregador de cimentos, Lúcia foi vender churrasquinho no mercado por necessidade. Desde os 12 anos, trabalhava como empregada doméstica, mas deixou a profissão porque não era bem tratada pela família que a contratava.
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“Eu fiquei sem emprego e fui vender churrasquinho na feira do Ver-o-Peso”, diz. “Já tinha aprendido a cozinhar com minha mãe, e eu gostava de fazer comida”.
O tempo de churrasquinho durou pouco, porém. Em 2000, Dona Lúcia foi proibida de vender carne por causa da fumaça da churrasqueira. Para não ficar de mãos abanando, resolveu fazer como outros feirantes do mercado e vender comida como peixe e camarão.
“Eu via todo mundo vendendo comida no balcão. Eram peixes inteiros. Eu pensei: preciso fazer algo diferente”, diz. “Comecei então a comercializar filé de peixe, camarão empanado, caldeirada, moqueca, coloquei mesas no Ver-o-Peso para os clientes”.
Dona Lúcia sacudiu o mercado. “Fui tomando a frente que hoje expandiu o Ver-O-Peso. Hoje todo mundo coloca mesa. Mas na época não podia. Eu que liderei o movimento para permitirem colocar mesas para atender os clientes”.
A partir de 2006, uma nova guinada. Participou de um evento de cozinha paraense, mas nos bastidores. Ela fazia os pratos para chefes de fora assinarem. “Eu falei que não queria isso para mim”, diz. “Eu quero trabalhar para ganhar dinheiro e investir no meu negócio”.
E assim foi. Lúcia passou a participar de projetos como o Comida di Buteco, em que saiu campeã, e o Estrela Azul, que a elegeu como a melhor comida popular de Belém. A cozinheira também fez capacitação em São Paulo e cursos de empreendedorismo no Sebrae.
No ano passado, além do box no Ver-o-Peso, Lúcia abriu um novo espaço, chamado de Box Bar, onde vende seus pratos. O espaço também será aperfeiçoado com o crédito que tomou agora.
“Quando soube, comemoramos como se fosse final de Copa do Mundo”, diz.
Sebrae trabalha para dar acesso ao crédito
O Sebrae anunciou em abril que o fundo que ajuda a dar aval ao crédito de micro e pequenos empresários está em 2 bilhões de reais. É o maior montante da história da entidade.
O fundo ajuda a dar segurança para as instituições financeiras, porque entra como uma garantia para a tomada de crédito dos PMEs. O cálculo da entidade é que, com esses 2 bilhões de reais em fundo, 30 bilhões de reais possam ser gerados em crédito.
Desse valor, 50 milhões de reais estão estimados para o crédito para microempresas de Belém e região, focado na COP30.
“Não é só o negócio da Dona Lúcia que queremos ajudar”, diz Décio Lima, presidente do Sebrae. “Nós queremos melhorar o ambiente de todo mundo, para que possam ampliar, ter estoque e crescer. Dois terços da economia do Brasil dependem de crédito e aqui, no Pará, 88% das empresas não têm acesso a ele. Isso é inconcebível”.
*O repórter viajou a convite do Sebrae