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BRF e JBS: qual o tamanho do golpe?

Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, mirou as duas gigantes do setor e deve arranhar suas marcas por algum tempo

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 17 de março de 2017 às 19h24.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.

Qual o tamanho do impacto que uma mega operação da Polícia Federal (PF) tem numa grande produtora de alimentos? É a questão que cerca as duas maiores processadoras de carne do país, a BRF e a JBS, alvos nesta sexta-feira da Operação Carne Fraca. A PF investiga um esquema de corrupção liderado por fiscais agropecuários federais e executivos das companhias para venda pagamento de propinas e venda irregular de carnes para os frigoríficos.

Segundo a PF, a operação detectou, em quase dois anos de investigação, que as Superintendências Regionais do Ministério da Pesca e Agricultura do Estado do Paraná, de Minas Gerais e de Goiás “atuavam diretamente para proteger grupos empresariais em detrimento do interesse público”. Na prática, isso significava que eles recebiam dinheiro para desconsiderar irregularidades nas fábricas e no processamento dos alimentos. Aproximadamente 1.100 policiais federais cumpriram 309 mandados judiciais, sendo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária e 77 de condução coercitiva. Além da BRF e da JBS, estão envolvidas (os) frigoríficos menores, como o Peccin, o Larissa, o Frigomax e outros.

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A operação, como era de se esperar, fez despencar as ações de BRF e JBS na bolsa. As ações da JBS caíram 11% e as da BRF, 7,8%. Mas os problemas para as companhias podem ir além da reação inicial dos investidores. “Pode ter retaliação por parte dos consumidores, interdição de fábricas e de exportação, o impacto é impossível de calcular no momento”, Luis Gustavo Pereira, estrategista da corretora Guide.

Essa não é a primeira vez que as empresas aparecem nas páginas policiais. A JBS foi citada na Lava-Jato, acusada de depositar 400.000 reais para empresas ligadas ao doleiro Carlos Habib Chater e outros 200.000 reais na conta de uma empresa do ex-deputado federal André Vargas, do PT. A JBS e a BRF ainda foram citadas na operação Zelotes, que apura pagamento de propina a conselheiros do Conselho Administrativo de recursos Fiscais (Carf). As companhias negaram, à época, irregularidades.

Sobre a JBS, pesam acusações de pagamentos e “presentes” – incluindo carnes nobres deixadas na casa de parentes de fiscais – em troca de facilidades como a assinatura de certificados sem a fiscalização devida.

De acordo com as investigações, a BRF cometeu práticas supostamente ilegais em sua linha de produção, com pelo menos um episódio de uso de produtos adulterados ou estragados. Em uma ocasião, em julho de 2016, o gerente de Relações Institucionais da BRF, Roney Nogueira dos Santos, solicitou ao fiscal Dinis Lourenço da Silva, de Goiás, a liberação de 700 kg de mortadela considerada inadequada para o consumo humano para que fosse reprocessada em duas plantas da companhia. Não ficou claro se a mortadela voltou para a linha de produção.

As investigações revelam uma sucessão de episódios desabonadores para a BRF. Em um dos trechos gravados, Daniel Gonçalves Filho, fiscal agropecuário no Paraná, liga para Roney Nogueira dos Santos para cobrar a emissão de um recibo falso para justificar a viagem de sua subordinada Maria do Rocio Nascimento, que teria ido à Europa com o propósito de aprovar um novo procedimento de abate de aves que favoreceria a BRF. A companhia pagou a viagem, e Maria chegou a responder a um processo administrativo por isso. Com o novo procedimento, a BRF teria conseguido, segundo as investigações, aumentar de 10.000 para 13.000 o número de frangos abatidos por hora, o que teria gerado enorme ganho financeiro à companhia.

Em um dos telefonemas com Roney, Daniel Filho pediu até para que o executivo da BRF intercedesse, junto ao presidente do conselho de administração da companhia, o empresário Abilio Diniz, para colocar seu neto na escolinha do São Paulo Futebol Clube. Abilio é conselheiro do clube e a polícia não esclarece, em seu relatório, se o pedido é atendido.

A operação pega a BRF em um momento especialmente delicado. Em 2016, a BRF teve o primeiro prejuízo anual da história, de 372 milhões de reais. A diretoria atribui os maus resultados à alta dos custos de matérias-primas, à recessão no Brasil e ao câmbio. Mas a empresa sofre também com questões internas. Desde que assumiu a BRF em 2013, Abilio e seu principal sócio na empreitada, o fundo Tarpon, vinham implementando um modelo de gestão inspirado na Ambev, com corte de custos, aumento de eficiência e renovação na linha de produtos e no marketing.

A liderança tem sido incapaz de responder às demandas. O presidente, Pedro Faria, sócio da Tarpon, duramente criticado, é alvo de uma série de especulações sobre seu futuro. O vice-presidente de marketing, Rodrigo Reghini Vieira, e o vice-presidente de finanças e relações com os investidores, José Alexandre Carneiro Borges, foram demitidos no último dia 10, como parte da revisão da liderança da empresa. José Roberto Pernomian Rodrigues, vice-presidente da companhia e um dos homens fortes de Abilio, foi conduzido coercitivamente nesta sexta-feira. A Polícia Federal pediu que ele seja afastado de sua atividade na empresa.

Outro executivo envolvido, o gerente de Relações Institucionais Roney Nogueira dos Santos é alvo de um pedido de prisão preventiva. Roney era o responsável por negociar com os fiscais em nome da empresa. Segundo EXAME Hoje apurou, Roney está na África do Sul e deve voltar hoje para o Brasil.

Em nota a BRF disse que está “colaborando com as autoridades” e reiterou que “cumpre as normas e regulamentos referentes à produção e comercialização de seus produtos”. A JBS também se pronunciou por meio de nota esclarecendo que atua “em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e a comercialização de alimentos no país e no exterior”.

As dúvidas sobre o futuro

A operação atrapalha, certamente, os planos das duas empresas. A JBS tinha planos ambiciosos para este primeiro semestre de 2017. A companhia está reestruturando seus ativos e criando a JBS Foods International, que vai reunir todas as operações internacionais e a divisão de alimentos Seara e será subsidiária da JBS brasileira. O plano era abrir capital da nova empresa na Bolsa de Nova York ainda neste primeiro semestre. “Isso com certeza mancha a imagem da JBS no exterior, e o IPO deve ser adiado. A regulação do mercado americano é muito mais forte e com certeza não vai ser fácil apresentar todos os detalhes requeridos em meio à essa confusão”, diz Raul Lemos, analista da consultoria financeira Eleven.

Os planos da JBS para expansão internacional enfrentaram turbulência recentemente. Em outubro do ano passado, a companhia foi obrigada a cancelar uma outra reorganização que pretendia levar a JBS Foods International para a Irlanda e faria da JBS Brasil uma subsidiária da JBS International. Os planos foram barrados pelo BNDES, que detém 20,4% das ações da companhia por meio do BNDESPar. A justificativa do veto do BNDES foi que a reorganização iria desnacionalizar a maior empresa privada não financeira do país.

A BRF também tem planos internacionais. No início deste ano, a companhia anunciou a compra do controle da produtora de carnes de aves Banvit, da Turquia, em uma joint venture com o fundo soberano do Catar. A operação, pela qual a BRF deve pagar cerca de 160 milhões de dólares, segundo cálculos da consultoria Thomson Reuters, marcou a entrada da companhia brasileira no país. A aquisição expandiu os negócios da sua subsidiária OneFoods, antiga Sadia Halal, que a BRF está preparando para uma oferta inicial de ações em Londres.

A oferta era inicialmente projetada para acontecer até abril, segundo a agência de notícias Reuters. Com sede em Dubai, a OneFoods é a maior companhia halal de proteína animal do mundo e atuará em um mercado estimado de 1,8 bilhão de pessoas. A empresa controla 45% do mercado de produtos de frango na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Catar e Omã. O problema é que grande parte desses alimentos vem do Brasil. Oito das dez fábricas que abastecem a OneFoods estão localizadas no por aqui.

“O nosso medo é com relação à repercussão dessa operações no Ministério da Agricultura e nas relações do país com o exterior. Isso pode afetar as nossas exportações e é muito ruim para o setor”, diz um executivo de uma companhia de alimentos. “No ano passado, o mercado americano se abriu para a carne brasileira, depois de muita negociação. Ainda há mercados importantes que estão fechados para a carne brasileira, como o Japão e o México, e é claro que um caso como esse pode levantar questionamentos”, diz Cesar de Castro Alves, analista da MB Agro.

Os desdobramentos para o mercado brasileiro são imprevisíveis. Em 2013, um escândalo que envolveu uma subsidiária da JBS na Europa fez governos reverem sua conduta. Na época, foi descoberta a presença de carne de cavalo em produtos apresentados como sendo de carne de gado e que eram vendidos para várias cadeias de supermercados na Irlanda e na Inglaterra. A polêmica rapidamente se espalhou por vários outros países europeus, como Alemanha, França, Suécia e Áustria, e levou ao recall de produtos de várias empresas. Na época, a JBS Toledo, subsidiária do grupo brasileiro na Europa, informou que suspendeu todos os contratos com a fornecedora alemã H. J. Schypke, apontada como a responsável pelas fraudes.

O escândalo europeu revelou a complexidade da cadeia de produção de alimentos, que torna, em casos como esse, quase impossível apontar os verdadeiros culpados. Para chegar ao fundo desse tipo de problema, o órgão britânico regulatório (Food Standards Agency) lançou uma divisão voltada para crimes alimentares seis meses depois da polêmica da carne de cavalo.

No Brasil, a Justiça Federal bateu com força na corrupção reinante no Ministério da Agricultura na Operação Carne Fraca. “É estarrecedor perceber que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Paraná, um dos órgãos mais importantes para garantir a qualidade dos alimentos consumidos diariamente por milhões de pessoas não apenas neste Estado, como também em outras partes do Brasil, e fora das fronteiras nacionais em alguns casos de exportação, foi tomado de assalto – em ambos os sentidos da palavra – por um grupo de indivíduos que traem reiteradamente a obrigação de efetivamente servir à coletividade”, escreveu em seu despacho o juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14a Vara Federal.

Pelo Twitter, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, diz que as apurações indicam um crime contra a população, e que é preciso “separar o joio do trigo”. O ministro afirmou ainda que já determinou o afastamento imediato de todos os envolvidos. Juntas, BRF e JBS perderam 5,5 bilhões de reais na bolsa nesta sexta-feira.

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