Centro de distribuição da B2W: a varejista online perdeu 3.000 reais por minuto em 2016 (Lia Lubambo)
Gian Kojikovski
Publicado em 6 de março de 2017 às 12h30.
Última atualização em 15 de agosto de 2017 às 17h25.
Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play. Para ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.
A B2W, maior varejista online do país, teve um 2016 difícil até para os padrões de uma empresa acostumada a perder muito dinheiro. O prejuízo cresceu 16% em relação a 2015 e chegou a um novo recorde, de 485 milhões de reais. No total, entre prejuízo, aumento da dívida e emissão de novas ações, a companhia queimou 1,6 bilhão de reais em 2016, segundo cálculos do analista Franco Abelardo, do banco Morgan Stanley. Dá 3.000 reais perdidos por minuto. Criada em 2007 com a junção do Submarino.com e do braço de comércio eletrônico das Lojas Americanas, a B2W acumula prejuízos crescentes desde 2011 (veja quadro).
A explicação que a B2W dá para tantos números ruins é o mantra criado pela gigante americana do comércio eletrônico Amazon e adotado por quase todas as companhias brasileiras do setor: sacrificar ganhos no curto prazo pelo crescimento e domínio do mercado no longo prazo. “Não tem nada de errado na dinâmica de endividamento da companhia, o que a gente tem é um reflexo de todos os investimentos que a gente fez”, disse Fabio Abrate, diretor financeiro da B2W, em teleconferência realizada no dia 21 de fevereiro.
Para aliviar os custos, a B2W deve receber este ano um novo aporte de sua controladora, a Lojas Americanas, de 1,2 bilhão de reais. Será o terceiro socorro da Lojas Americanas em três anos, totalizando 4,4 bilhões de reais. Alguma coisa parece estar errada, embora a companhia continue insistindo que está tudo dentro do previsto. Procurada, a B2W não quis conceder entrevista.
“Eles estão adotando uma postura agressiva, aproveitando a crise econômica que atingiu o setor para investir e ganhar participação”, diz um executivo do setor. A B2W tem como vantagem o fato de sua principal concorrente estar muito ocupada tentando arrumar a casa. A Cnova Brasil, que reunia operações online de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, concluiu em novembro do ano passado sua integração com as operações físicas dessas marcas, reunidas sob o guarda-chuva da companhia Via Varejo.
As receitas da parte online da Via Varejo (antiga Cnova) caíram 16,3% em 2016, enquanto o faturamento da B2W recuou 4,5%. A receita de todo o setor cresceu 7,4%, chegando a 44 bilhões de reais, segundo dados da consultoria Ebit. É pouco mais que a inflação, que foi de 6,29%. Ainda assim, muito menos que o ritmo acima de 20% ao ano em que o comércio eletrônico vinha crescendo antes da crise chegar, em 2015.
“O ano de 2017 é de integração para a Via Varejo, dificilmente eles vão conseguir crescer muito. A Magazine Luiza vem fazendo um bom trabalho no e-commerce, assim como o Walmart, mas eles ainda são muito pequenos em comparação com a B2W”, afirma um executivo do setor.
Lucrar no e-commerce não é um desafio apenas para B2W. No mercado brasileiro grandes investimentos, somados a fretes grátis, pagamentos em 12 vezes sem juros e competição por preços mais baixos acostumaram mal os consumidores e criaram um rombo no caixa da maioria das empresas. Ganhar terreno no marketplace – serviço que permite a outros lojistas venderem seus produtos no site – é a aposta da vez para perder menos dinheiro.
Em média, as companhias embolsam de 10% a 25% em cada produto vendido, sem precisar se preocupar com estoque, a maior causa de dor de cabeça de qualquer varejista eletrônico. Como demanda investimento bem menor que a operação própria, esse serviço pode render margens de lucro de até 90%. Isso explica por que há uma disputa para atrair o maior número de lojistas – e o maior sortimento de mercadorias possível. A B2W tem mais de 4.700 lojistas em sua plataforma. A meta, há um ano e meio, era ter 8.000 lojistas em 2017.
“Eles sabem que o marketplace não é a salvação para esse ano, nem para o próximo, mas que é a melhor maneira de trazer lucratividade no médio prazo”, afirma um executivo do setor. “Mas os e-commerces vão ter que entender que se transformaram em uma empresa de tecnologia e não são mais varejistas. Isso é o mais difícil de os acionistas compreenderem”.
O plano de investir para ganhar terreno num nicho muito mais rentável parece fazer sentido no papel. O problema é que o discurso de que o marketplace é a saída para o lucro no médio prazo está sendo repetido há anos. Desde que começou a registrar seguidos prejuízos, a B2W tenta acalmar investidores dizendo que opera no vermelho por causa de investimentos para continuar crescendo e investindo em logística na conquista de clientes e de parceiros.
Há alguns anos, a previsão de analistas e executivos é sempre que o lucro virá “em dois ou três anos”. A primeira previsão de lucro era para 2014, após um aporte de 2,4 bilhões feito pela Americanas; depois ficou para 2016,conforme a base de novos usuários de internet no país crescesse. Pois o estirão de crescimento do e-commerce passou, e o azul não chegou. A promessa se mantém agora. A empresa, conhecida por não dar entrevistas, nunca confirmou os prazos.
Investir a B2W de fato investiu. Nos últimos anos a companhia adquiriu várias empresas, principalmente nos setores de tecnologia, como a Sieve, por cerca de 130 milhões de reais, e logística, como a Direct Express, por 127 milhões. O valor total das compras não é público. O problema é que ninguém tem certeza se esse investimento será o suficiente para trazer lucro algum dia. O resultado é visto nas ações da companhia, que valia 9,6 bilhões de reais em 2007 e hoje é cotada a 4,2 bilhões.
A dúvida se a empresa está no caminho para o tão sonhado lucro, ou se apenas compra tempo, domina os analistas. “O e-commerce no Brasil não é um mercado para uma única grande companhia. Então há dúvida quando, e se, esses investimentos darão retorno esperado pela empresa”, diz um executivo do setor.
Outro executivo do varejo eletrônico afirma que a B2W só não foi à lona pela credibilidade das Lojas Americanas, controladoras da B2W e pertencentes ao trio de investidores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. "Como sabem que os três estão por trás, os investidores continuam colocando dinheiro. Se tudo der errado, não ficarão na mão", diz o executivo. Além disso, a B2W, mesmo deficitária, é importante para dar volume ao negócio das Americanas.
Concorrência estrangeira?
O problema para a B2W cresce porque a concorrência está avançando. EXAME Hoje apurou que a gigante chinesa Alibaba cogitou abrir sua operação no Brasil neste ano, mas o plano esfriou no final de 2016. Hoje, é possível comprar no marketplace do grupo, o AliExpress, mas as compras são despachadas da China. De acordo com o Ebit, as compras brasileiras no exterior somaram 7,7 bilhões de reais em 2016, um crescimento de 17% em relação ao ano anterior – um crescimento bem maior do que as compras feitas no país. Os dois sites mais procurados são justamente o AliExpress e a Amazon.
Mesmo assim, os chineses do Alibaba seguem buscando startups do setor financeiro que trabalham com meios de pagamento, área vista como fundamental para a entrada da empresa em qualquer país. Recentemente, houve conversas com a startup de meios de pagamento curitibana Ebanx com a intenção de realizar uma aquisição, mas o negócio não foi fechado.
A Amazon está ainda mais próxima de entrar de vez no Brasil. A companhia está estruturando seu marketplace por aqui. Por enquanto, as operações no país se limitam à venda de livros, mas, segundo EXAME Hoje apurou, a companhia vem entrevistando ex-funcionários da Cnova para ajudar a montar seu marketplace no país a abri-lo ainda este ano.
“A Amazon tem um nome forte no Brasil, e não teria grandes dificuldades para se expandir no mercado por aqui”, afirma um consultor da área. A princípio, a ideia seria começar apenas com a ampliação da venda de livros – ainda no primeiro semestre – e posteriormente expandir o marketplace para outras áreas. Em nota, a assessoria de imprensa da companhia no país informou “não há nenhuma informação oficial sobre o marketplace da Amazon no Brasil”. No mercado de marketplace, a B2W vai bater de frente com outra gigante do setor, o Mercado Livre.
A estratégia da B2W no país sempre foi livremente inspirada no modelo da Amazon. O objetivo não é apenas oferecer um marketplace, permitindo a outras empresas vender seus produtos no site, mas prestar todos os tipos de serviços possíveis para os lojistas que operam na plataforma. São serviços como um depósito para mercadorias, transporte, diferentes formas de pagamento e também um sistema tecnológico para integrar todos os produtos do lojista no site. Atualmente, os lojistas do marketplace são responsáveis por 20% de todas as vendas da B2W.
O problema é que mesmo na gigante Amazon a maioria dos ganhos não vem do e-commerce. Mesmo em 2016, ano em que a Amazon teve um lucro de 2,3 bilhões de dólares, cerca de 75% do lucro operacional da companhia veio do Amazon Web Services, o serviço de armazenamento e computação em nuvem vendido pela Amazon que tem clientes como a companhia de streaming de vídeos Netflix, a produtora de bens de consumo Unilever e a companhia de eletroeletrônicos Philips.
Uma estratégia da B2W para enfrentar a entrada da estrangeira seria a compra da concorrente Via Varejo – que está à venda pelo Grupo Pão de Açúcar. Notícias sobre o assunto chegaram a circular no final do ano passado. A Lojas Americanas deve realizar em breve uma nova oferta de ações para captar 2,51 bilhões de reais (com 1,2 bilhão destinados à B2W). No entanto, é pouco para comprar a concorrente, que vale quase 5 bilhões de reais atualmente na bolsa.
Como a lucratividade da B2W não vem por enquanto – nem há certeza de se virá –, muitos analistas já calculam que a empresa possa precisar de mais aportes no futuro. Segundo analista do banco Morgan Stanley, se continuar a queimar caixa no mesmo ritmo de 2016, o aporte de 1,2 bi não deve durar até o final do ano. Os caríssimos minutos continuam avançando para a B2W.