Anti-monopólio: projeto nos EUA quer proibir fusões na pandemia
O projeto é batizado de Ato Anti-Monopólio na Pandemia, e mira empresas com mais de 100 milhões de dólares de faturamento ou valor de mercado
Lucas Amorim
Publicado em 28 de abril de 2020 às 16h20.
Uma proposta radical pelas pequenas e médias empresas está dominando o debate público nos Estados Unidos nesta terça-feira. A senadora Elizabeth Warren e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, duas estrelas do partido democrata, apresentaram um projeto para proibir grandes empresas de comprar pequenos negócios em apuros em meio à pandemia do coronavírus .
O projeto é batizado de Ato Anti-Monopólio na Pandemia, e mira empresas com mais de 100 milhões de dólares de faturamento ou valor de mercado. O projeto também prevê proibir negócios financiados por fundos de private equity, assim como protege empresas com patentes que podem ser úteis na pandemia.
"Enquanto lutamos para salvar vidas durante a epidemia, corporações gigantes e fundos de private equity estão apenas esperando por uma chance para levar pequenos negócios em apuros e aumentar seu poder por fusões predatórias", afirmou Warren.
Ela foi uma das candidatas democratas à presidência este ano, mas abandonou as disputas por resultados ruins nas primárias. Foi bastante criticada por ter planos tidos como excessivamente ambiciosos para os mais variados problemas nacionais.
Segundo o jornal Financial Times, a medida tem poucas chances de avançar num senado dominado pelo partido republicano, mas pode ganhar força entre as propostas do candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden. A crise do coronavírus e a derrocada econômica dos Estados Unidos, que em menos de um mês somou 26 milhões de pedidos de seguro desemprego, devolveu aos holofotes propostas democratas até pouco tempo tidas circunstridas a uma pequena parcela mais à esquerda do eleitorado americano. Entre elas está a cobertura universal de saúde, uma das principais bandeiras de outro candidato democrata derrotado, o senador Bernie Sanders.
Ocasio-Cortez foi a única deputada democrata a votar, na semana passada, contra um pacote de estímulos de 484 bilhões de dólares para pequenos negócios. No total, o presidente americano, Donald Trump, assinou um pacote de auxílio de 2,2 trilhões de dólares, o maior da história do país. Um risco, apontado por Celso Toledo, economista da LCA, é que o dinheiro do governo seja usado por grandes empresas para comprar os pequenos.
"O momento é delicado, e é preciso ter cuidado com oportunismos. Mas a crise não aconteceu por uma falha de mercado, e não há razão para achar que o mercado não possa ser útil para sair da crise. Há negócios que mudaram de preço mesmo com o vírus".
A economista Monica de Bolle, diretora de estudos-latino americanos e mercados emergentes da universidade americana, nos Estados Unidos, afirma que o projeto de proibir fusões faz sentido para reduzir a concentração de mercado, mas que é preciso que fundos emergenciais cheguem aos pequenos negócios.
"O programa sendo temporário, como um freio à tendência de concentração na crise, não traz risco. O problema no longo prazo é uma mega distorção de mercado, o que levaria à má alocação de recursos", afirma Monica de Bolle.
O Brasil também aprovou um pacote de estímulos às pequenas e médias empresas, mas sobram relatos de empreendedores com dificuldades de ter acesso aos recursos. O projeto prevê que as instituições financeiras podem emprestar até 190 bilhões de reais -- e nenhum deles traz medida semelhante à proibição de negócios proposto pelas congressistas americanas.
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, afirma que fusões e aquisições, mais do que um problema, podem ser uma solução para pequenos negócios. "Se há risco de aumento de concentração bancária e de outros setores no meio da crise ele é menor do que o risco de falência total das empresas, o que só pioraria a crise", afirma. Vale afirma, porém, que o debate sobre concentração é necessário em condições ideias de mercado.
O aumento do gasto público visto mundo afora, assim como no Brasil, é outra pauta a ser tratada com cuidado, segundo o economista. "Meu receio é que um governo tão enfraquecido politicamente fique a reboque de um congresso ávido a voltar a gastar", afirma.
O investidor Florian Bartunek, fundador da gestora Constellation também discorda do projeto das democratas americanas, e diz que há uma opção, inclusive, no caminho contrário. "Fusões e aquisições aumentam a eficiência das economias e das empresas", diz. "Nas crises às vezes é preciso ajuda governamental para correr risco".
Ocasio-Cortez e Warren terão, ao menos, o mérito de ter colocado o debate sobre concentração na agenda pública dos EUA -- e de países como o Brasil.