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Apps de comida fizeram surgir "cozinha fantasma", voltada só para entrega

A entrega de comida por aplicativo popularizou formatos de restaurantes em que não há mesas, cadeiras ou clientes no salão

RICKY LOPEZ: das quatro operações que Lopez possui em San Francisco, três são “restaurantes virtuais” – não há lojas físicas, nem mesas ou cadeiras / Cayce Clifford/The New York Times
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Da Redação

Publicado em 16 de setembro de 2019 às 06h00.

Última atualização em 16 de setembro de 2019 às 06h00.

San Francisco – Às 21h30 na maioria das noites da semana, Ricky Lopez, chef e proprietário do Top Round Roast Beef, em San Francisco, empilha dezenas de sanduíches de carne com acompanhamento de batatas fritas para servir a seus clientes famintos.

Ele também empana filés de frango para outro de seus restaurantes , o Red Ribbon Fried Chicken, grelha hambúrgueres para um terceiro, o TR Burgers and Wings, e mistura o creme de sua sorveteria, a Ice Cream Custard.

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Das quatro operações de Lopez, três são “restaurantes virtuais” – não há lojas físicas, nem mesas ou cadeiras. Eles existem apenas dentro de um aplicativo móvel, o Uber Eats , o serviço de entrega de refeições pertencente à Uber.

“A entrega costumava ser talvez um quarto do meu negócio. Agora é cerca de 75%”, disse Lopez, de 26 anos, no Top Round, enquanto sua equipe montava sanduíches de carne assada e de frango e os colocava em sacos de papel branco que seriem entregues pelos motoristas do Uber Eats.

Aplicativos de entrega de alimentos como o Uber Eats, o DoorDash e o Grubhub estão começando a remodelar a indústria de restaurantes dos Estados Unidos, avaliada em 863 bilhões de dólares. Conforme mais pessoas encomendam comida para consumir em casa, e conforme a entrega vai ficando mais rápida e mais conveniente, os aplicativos vão mudando a essência do que significa operar um restaurante.

Os restaurantes não precisam mais alugar um espaço para as mesas. Tudo de que precisam é uma cozinha – ou até mesmo apenas parte de uma. Então, basta divulgar seu serviço de entrega de refeições em um aplicativo e vender seus pratos aos clientes, sem o incômodo e a despesa de contratar garçons ou pagar por móveis e toalhas. Os clientes dos aplicativos podem nem ter ideia de que o restaurante não existe fisicamente.

Essa mudança popularizou dois tipos de estabelecimentos gastronômicos digitais. Um é o restaurante virtual que faz parte de um restaurante de fato, como o Top Round de Lopez, mas que oferece cardápios diferentes especificamente para os aplicativos de entrega. O outro é a “cozinha fantasma”, que não tem o estabelecimento físico e que essencialmente serve como um centro de preparo de refeições para entrega.

“Pedir comida on-line não é um mal necessário. É a oportunidade mais animadora da indústria de restaurantes hoje”, disse Alex Canter, que dirige o Canter’s Deli em Los Angeles e uma startup que ajuda os restaurantes a agilizar as encomendas de aplicativos de entrega em um único dispositivo. “Se não usa aplicativos de entrega, você não existe.”

Muitas dessas operações são novas, mas podem ter longo alcance, potencialmente favorecendo a opção de encomendas de comida em detrimento da visita a restaurantes e ao preparo de refeições caseiras.

A Uber e outras companhias estão liderando a mudança. Desde 2017, a empresa de carona compartilhada já ajudou a abrir quatro mil restaurantes virtuais, como os de Lopez, que só funcionam com o aplicativo Uber Eats.

Janelle Sallenave, que lidera o Uber Eats na América do Norte, disse que a empresa analisa os dados de vendas de bairros para identificar a demanda não atendida de cozinhas específicas. Em seguida, contata restaurantes que usam o aplicativo e os incentiva a criar um restaurante virtual para atender a essa demanda.

Outras empresas também estão entrando na onda. Travis Kalanick, ex-executivo-chefe da Uber, abriu a CloudKitchens, uma startup que incuba cozinhas fantasmas.

No entanto, mesmo quando os aplicativos de entrega criam novos tipos de restaurantes, eles estão prejudicando alguns estabelecimentos tradicionais, que já estão às voltas com altas despesas operacionais e concorrência brutal. Os restaurantes que usam aplicativos de entrega como o Uber Eats e o Grubhub pagam comissões de 15 a 30% em cada pedido. Os estabelecimentos digitais podem economizar por um lado, mas os pequenos e independentes, com margens de lucro estreitas, dificilmente podem pagar essas taxas.

“Há uma preocupação de que possa ser um sistema em que os proprietários de restaurantes estejam presos em um modelo de negócio instável e inadequado”, disse Mark Gjonaj, presidente do comitê de pequenas empresas do Conselho da Cidade de Nova York, em uma audiência de quatro horas sobre a entrega de alimentos por terceiros em junho.

Os estabelecimentos que só fazem entregas nos Estados Unidos datam de pelo menos 2013, quando uma startup, a Green Summit Group, abriu uma cozinha fantasma em Nova York. Com o apoio do Grubhub, a Green Summit produzia pratos que eram vendidos on-line sob marcas como Leafage (saladas) e Butcher Block (sanduíches).

Mas a Green Summit torrou centenas de milhares de dólares por mês, disse Jason Shapiro, consultor que trabalhava para a empresa. Dois anos atrás, ela foi fechada, pois não conseguiu atrair novos investidores, disse ele.

Na Europa, o aplicativo de entrega de alimentos Deliveroo também começou a testar cozinhas fantasmas. Ele construiu estruturas metálicas que funcionam como cozinhas, chamadas rooboxes, em alguns locais improváveis, incluindo um estacionamento abandonado no leste de Londres. No ano passado, o Deliveroo abriu uma cozinha fantasma em um armazém em Paris, onde o Uber Eats também experimentou os espaços somente de entrega.

As cozinhas fantasmas também surgiram na China, onde os aplicativos de entrega de refeições são amplamente utilizados nas megacidades do país. A indústria chinesa de entrega de alimentos rendeu 70 bilhões de dólares em encomendas no ano passado, de acordo com a iResearch, uma empresa de análise. Uma startup de cozinha fantasma chinesa, a Panda Selected, levantou recentemente 50 milhões de dólares de investidores, incluindo a Tiger Global Management, de acordo com a CrunchBase.

Esses estabelecimentos se multiplicaram. Ao longo dos últimos dois anos, a Family Style, uma startup de refeições em Los Angeles, abriu cozinhas fantasmas em três estados. Ela criou mais de meia dúzia de marcas de pizza com nomes como Lorenzo’s of New York, Froman’s Chicago Pizza e Gabriella’s New York Pizza, que podem ser encontradas no Uber Eats e em outros aplicativos.

A CloudKitchens, que Kalanick fundou depois de deixar a Uber em 2017, aluga espaço de cozinha para que vários restaurantes estabelecidos em Los Angeles, incluindo a cadeia Sweetgreen, experimentem o modelo apenas de entrega. A instalação de Los Angeles é uma das várias cozinhas fantasmas usadas pela Sweetgreen, e seu executivo-chefe, Jonathan Neman, as elogiou com entusiasmo.

E a Kitchen United, uma empresa de cozinha fantasma em Pasadena, na Califórnia, está trabalhando com restaurantes físicos para configurar estabelecimentos exclusivamente para entregas. O objetivo é estabelecer 400 desses “centros de cozinha” em todo o país ao longo dos próximos anos.

Quando se trata de tipos de alimentos, “os consumidores não parecem estar dizendo que querem mais opções”, disse Jim Collins, executivo-chefe da Kitchen United. “Eles parecem estar à procura de novos modos de consumo.”

Para Paul Geffner, a crescente popularidade dos aplicativos é prejudicial. Ele toca a Escape From New York Pizza, uma pequena cadeia de restaurantes na área da Baía de San Francisco, há três décadas, e as entregas são uma grande fonte de receita.

Depois que ele começou a oferecer a entrega por meio de aplicativos em 2016, seu negócio se deteriorou. Duas de suas cinco pizzarias, que juntas haviam gerado lucros anuais de 50 mil dólares a 100 mil dólares, perderam cerca de 40 mil por ano quando os clientes que encomendavam diretamente da Escape From New York migraram para os aplicativos. Isso forçou Geffner a pagar as taxas.

“Vimos uma correlação direta entre os serviços de entrega e a redução de nossa renda”, afirmou Geffner. “Foi como uma morte lenta.”

Em maio, ele fechou dois locais. No fim do mesmo mês, um deles foi substituído por uma cozinha que trabalha basicamente com entregas.

Em 2017, Lopez abriu um Top Round – uma franquia que começou em Los Angeles – no bairro Mission, em San Francisco. Ele contou que, nos primeiros oito meses, perdeu dezenas de milhares de dólares.

No ano passado, a Uber o procurou e disse que havia demanda de hambúrgueres e sorvetes em sua área. A Uber, que não oferece ajuda financeira a restaurantes virtuais, afirmou que as operações digitais aumentam as vendas de restaurantes em uma média de mais de 50%.

Lopez conta ter pensado que já tinha os ingredientes para hambúrgueres e sorvetes em seu estoque. Portanto, a criação de restaurantes virtuais para o Uber Eats era algo lógico.

Agora, ele usa a cozinha do Top Round para atender centenas de novos clientes em San Francisco. Embora não divulgue informações financeiras, Lopez disse que tinha contratado outro empregado para lidar com os pedidos de entrega. Esses pedidos estabilizaram a renda do restaurante, por isso ele não precisa mais trabalhar 110 horas por semana apenas para manter o negócio funcionando.

“Costumávamos fechar às nove da noite, mas a demanda está nos mantendo abertos até mais tarde – fechamos às duas da manhã agora. A cozinha praticamente não para a noite toda.”

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