Venezuela: a rejeição à Constituinte aumentou ainda mais as manifestações (Marco Bello/Reuters)
AFP
Publicado em 25 de julho de 2017 às 20h36.
Com medo de um caos maior, os venezuelanos se preparam para uma greve de 48 horas que será realizada pela oposição nesta quarta e quinta-feira, em um ultimato ao presidente Nicolás Maduro para que suspenda a eleição, no domingo, de sua polêmica Assembleia Constituinte.
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) pediu que abastecessem suas casas de comida visando a greve, que foi convocada junto com bloqueios das ruas em todo o país, o que gera preocupação de possíveis casos de violência.
Rumores que circulam nas redes sociais causam nervosismo.
"Comprei comida extra, que não estraga: enlatados e congelados [...]. Temos que nos preparar para não morrer de fome", disse à AFP Eugenia Santander, moradora de Montalbán, oeste de Caracas.
Com enormes malas nas costas, decididos a migrar ou a se abastecer com comida, milhares de venezuelanos cruzam a fronteira com a Colômbia.
"Tivemos que adiantar [a viagem] porque as eleições são no domingo e, de verdade, não sabemos o que vai acontecer e para estarmos mais seguros preferimos vir", disse à AFP María de los Angeles Pichardo, que nesta terça-feira entrou na Colômbia com seu esposo e um filho.
A rejeição à Constituinte - segundo a Datanálisis de mais de 70% - aumentou ainda mais as manifestações, que começaram há quatro meses para exigir a saída de Maduro e já deixaram mais de 100 mortos.
Para sexta-feira, a MUD convocou uma grande manifestação em Caracas, advertindo que se Maduro insistir na eleição tomará ações mais contundentes no sábado e no domingo em um "boicote cívico eleitoral".
Leonor Cardozo, administradora de 56 anos que vive em El Cafetal (sudeste de Caracas), comprou frango e verduras para 15 dias, para não ter que ir à rua.
As principais centrais sindicais anunciaram que se juntarão à greve. Entretanto, o governo controla a estratégica indústria petroleira, fonte de 96% das divisas do país, e o setor público, de mais de três milhões de funcionários.
"Exigimos que Maduro pare com a Constituinte porque irá trazer mais fome e miséria. Só queremos viver dignamente, que o salário dê", assegurou o sindicalista Miguel Quiroz, da Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV).
A convulsão política se deve a uma severa crise econômica com escassez de alimentos e remédios, e um alto custo de vida. O FMI calculou em 720% a inflação para este ano e em 12% a queda do PIB.
A MUD não participará da Constituinte alegando que não foi convocada em referendo e o sistema de eleição dos 545 legisladores foi feito para que o governo a controle e possa impôr -segundo dizem - um "sistema comunista".
"Se for imposta a fraude constituinte, Maduro levará à quebra do país [...], isolará a Venezuela do mundo", afirmou o líder opositor Henrique Capriles.
Maduro, no entanto, assegurou que no domingo haverá uma "vitória popular da Constituinte".
"Suportamos mil cargas do fascismo, e aqui estamos, Maduro está mais duro do que nunca", afirmou durante um ato em Caracas.
Em uma reunião na segunda-feira com o ex-chefe do governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, o opositor Leopoldo López, em prisão domiciliar, advertiu sobre "o grave conflito" que será desatado pela Constituinte.
Rodríguez Zapatero, que promoveu em 2016 um frustrado diálogo, quer aproximar posições, mas a MUD rejeita conversar sem que a Constituinte seja detida.
Aumentando as tensões, dois magistrados da Suprema Corte paralela designada pelo Parlamento foram detidos nesta terça-feira, chegado a três juízes presos.
O governo começou a realizar o seu chamado "maquinário 4x4": cada membro das organizações de base do partido da situação e dos movimentos sociais deve levar 10 eleitores às urnas.
Os outros dois eixos são um censo para a distribuição de alimentos subsidiados e uma identificação em massa dos beneficiários de programas sociais, o que é visto pela MUD como um mecanismo de controle e pressão para votar.
Segundo o analista Benigno Alarcón, uma alta abstenção diminuiria a legitimidade da Constituinte, diante dos 7,6 milhões de votos que, de acordo com a MUD, obteve o plebiscito simbólico realizado em 16 de julho contra essa iniciativa.
Essa legitimidade também está afetada por um crescente chamado dos governos da América Latina e da Europa para que Maduro desista de seu projeto. O presidente americano, Donald Trump, foi mais longe ao ameaçar com sanções econômicas.
"O tempo dos impérios e dos que se acreditam donos do mundo acabou", respondeu Maduro, que acusa os seus adversários de orquestrar um golpe de Estado com o apoio dos Estados Unidos.