Um manifestante carrega um pneu em chamas durante protesto em Kiev, na Ucrânia (Bulent Kilic/AFP)
Guilherme Dearo
Publicado em 28 de abril de 2014 às 07h59.
São Paulo – Os violentos protestos em Kiev mostram que a Ucrânia é o centro de uma disputa nada velada entre a Rússia e o Ocidente.
Fora o interesse dos próprios ucranianos em quererem um país melhor, são os interesses de Vladimir Putin e da União Europeia que estão em jogo.
Em novembro de 2013, o presidente Viktor Yanukovich interrompeu uma negociação de três anos com o bloco europeu, o que traria alguns benefícios para a economia ucraniana.
A paralisação do acordo teve não só um dedo, mas toda a mão de Putin, que ameaçou cortar o fornecimento de gás à Ucrânia e outras ajudas econômicas.
Foi o estopim para as manifestações e a escalada de violência.
País dividido
A influência de Putin mostra como a Ucrânia está dividida entre Ocidente e Oriente.
Boa parte dos ucranianos querem se aproximar da União Europeia, dizem que “querem ser europeus”.
Durante o século 20, até 1991, eles pertenceram à União Soviética. Não querem voltar aos domínios russos.
Já outra parte da população tem descendência direta dos russos - em diversas regiões se fala russo e se ensina a língua nas escolas.
Nas cidades do lado ocidental, voltada para a Europa, acontecem os protestos: Kiev, Lviv, Ternopil. Cidades de regiões onde o partido pró-ocidente ganhou a maioria dos votos nas últimas eleições presidenciais, em 2010.
Já nas cidades do sul e do lado oriental, voltadas para a Rússia, como Donetsk e Zaporoje, o silêncio do povo é uma forma de concordar com a repressão policial nas manifestações.
Ali não há manifestações. E foi onde justamente o presidente Yanukovich ganhou os seus votos e onde se fala russo.
Na economia, o país também é dividido. A Rússia é o maior parceiro comercial dos ucranianos, importando 165 bilhões de dólares (2012); mas a União Europeia não fica atrás, comprando 48 bilhões de dólares.
Um novo império soviético
A Rússia consegue pressionar facilmente a Ucrânia porque vende a ela gás a preços baixos. Em 2010, um acordo barateou em 30% o gás fornecido.
Diante do namoro entre governo ucraniano e Europa, Putin ameaça claramente cortar essa ajuda.
Putin também quer recuperar os poderes e influências da Rússia na Europa, em um saudosismo dos tempos de União Soviética.
Em uma espécie de nova Guerra Fria, ele vê na Ucrânia a sua chance de não ficar isolado na Europa ao criar o seu próprio “novo império”.
Ele viu aliados saírem de suas garras e se abrigarem na União Europeia, como Polônia, Sérvia, República Tcheca, Lituânia e Letônia.
Não quer de maneira alguma, portanto, perder a Ucrânia – importante parceiro, por onde passar os tubos que levam o gás russo à Europa e onde mantém uma base naval no Mar Negro.
Nas entrelinhas se fala que Putin adoraria incluir a Ucrânia na União Euroasiática, bloco econômico que ele quer inaugurar em 2015, a sua versão da União Europeia, que incluiria Bielorússia e Cazaquistão.
Armênia e Quirguistão também negociam a sua participação.
Consequências
Também nas entrelinhas, se fala em uma possível separação entre duas Ucrânias, mas é improvável que tal nova definição de fronteiras aconteça sem uma guerra civil.
No meio das manifestações, também cresce abaixo do radar os movimentos ultranacionalistas. Não são apenas ucranianos pró-Europa que estão nas ruas.
Muito dos combatentes são de partidos de direita e não são a favor nem da Europa e nem da Rússia: são a favor da Ucrânia.
Com o desenvolvimento dos protestos, esses políticos podem acabar se fortalecendo.